19 setembro 2025

Mentir com quantos dentes tem na boca

"Consegues mentir-me?", perguntei ao ChatGPT. "Consigo, mas não vou — o meu trabalho é ser preciso, claro e honesto consigo. Se estiver a pensar em hipóteses, ficção, dramatização ou testar limites, terei todo o prazer em participar — desde que seja claro que não estamos a lidar com factos do mundo real nem a enganar ninguém. Quer explorar um cenário?"

Isto é muitas coisas, mas não é inteligência artificial. Ao mesmo tempo que me diz que não vai mentir, desfia um rol de aldrabices. O "trabalho" dele? Por acaso produz alguma coisa socialmente válida? Cansa-se? Faz planos para ir de férias ou diz mal dos colegas irritantes? Não é trabalho. Terá "todo o prazer em participar"? Alguma vez bebeu de uma fonte depois de correr 4 horas na montanha? Ouviu as primeiras gargalhadas de um filho? Apanhou sol depois de um Inverno inteiro de chuva? Não sabe o que é prazer. Propõe "lidar com factos do mundo real", quando o mundo está surreal?

Se estas ferramentas não podem mentir, não é por não terem recebido os prompts certos. Mentir é uma fratura num contrato moral, coisa que só é possível estabelecer entre humanos. Mentir pode tornar-se num dos últimos atos de rebeldia. Mentir de boca cheia é uma vergonha e um alívio, é uma festa dos sentidos. Não minto porque não quero, mas posso. Minto. Quase não minto. Agora estou a dizer a verdade.

As minhas Pinóquias de estimação:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Quinta da Cruz da Pedra

12 setembro 2025

Revolução

A verdade é que cresci com medo da revolução. Todas as células do meu corpo anseiam pela ordem e previsibilidade. Em minha casa, na infância, não passava Zeca Afonso nem Sérgio Godinho. Abril era o mês de muitos aniversários, até do meu, mas nunca foi sinónimo de libertação. O 25 era de novembro. O vermelho, encarnado. A reforma, pensão. Revolucionar o pensamento, transfigurar a reação ao que significa reação pode ser, e foi no meu caso, um processo retardatário que ainda está em curso. Podia dizer que foi um amigo, um momento, uma situação em particular que fizeram o clique e me abriram os olhos à necessidade absoluta de revolução, mas até isso foi progressivo. Para sermos revolucionários, temos de estar desesperados ou ser extremamente generosos com os que não têm as mesmas vantagens que nós. Precisei de cultivar essa generosidade com a escuta atenta à ausência – de direitos, de voz, de oportunidades – porque os gritos e as reivindicações podem ter o efeito oposto ao pretendido. Se calhar é por isso que sei que a revolução de agora tem de ser diferente das outras, porque os mesmos de sempre já estão convencidos. Confio no poder da arte e do humor, só alguma coisa que nos apanha desprevenidos consegue fazer-nos mudar de ideias. Estou disposta a pintar cartazes, a dar coro a novos hinos e a fazer todas as figuras tontas que ajudarem a desfazer o siso instalado. Mas eu sozinha não consigo. Onde e quando nos encontramos?