À medida que as águas cor de chocolate descem, lentas, em direcção à baía do Raritan, a Natureza declara-se cansada e pede Outono. Era só o que me faltava, Outono ainda em Agosto. Mas o que é certo é que que as primeiras folhas estão a avermelhar, a temperatura baixou e os miúdos regressam à escola para a semana. Eles que façam o que quiserem, o país é deles. Eu volto ao país dos Verões que se prolongam por Setembro fora, como as nossas tardes se prolongam pela noite fora e as noites duram até de manhã. As férias da minha infância foram muitas vezes neste Verão de noites frescas, percebes e Oceano Pacífico (o programa de rádio), enquanto o meu pai conduzia o Dyane descapotável e eu era filha única, de pé no banco de trás.
Agora ando a encher caixotes, a tapar falhas na mobília com lápis de cera, e a contar os dias para voltar ao Verão. Deixem lá a colecção Outono-Inverno nas montras, que eu fecho os olhos por algum tempo. Apesar de a Ana de Amsterdam ter finalmente voltado ao activo para me acompanhar ao pequeno-almoço (ainda que a dizer bem dos livros do Saramago, coisa indesculpável), não estou preparada para chá e mantinhas.
30 agosto 2011
28 agosto 2011
a cheia
Depois de uma noite acampados no corredor, devido aos avisos de tornado, a Irene transformou-se em tempestade tropical e limita-se a debitar chuva. Muita chuva. O D&R Canal já estava bastante cheio com a elevada precipitação das últimas semanas, de modo que transbordou. Neste momento, a água está a cerca de 50 metros das casas mais próximas (se subir mais um metro e meio chega lá) e a cerca de 100 metros da nossa. Um dos cantos do parque de estacionamento está alagado, felizmente não onde está o nosso carro. Resta-nos esperar que a chuva pare e que o nível da água não suba ainda mais. Neste momento, não conseguimos sequer chegar ao centro de Princeton, porque a ponte está coberta, como podem ver na imagem. Bom, pelo menos, até ver, temos água e electricidade. Pode ser que a aventura se fique por aqui.
A ponte na Alexander Road.
À esquerda, alcance da cheia; à direita, casas mais próximas (atrás das árvores).
27 agosto 2011
agarrem-se bem
Hoje à noite temos encontro marcado com o furacão Irene. Diz que há 60 anos que não há um destes por aqui. Parecendo que não, é maçador. Ainda que não vamos todos pelos ares a voar de banheira (estou mais pesada uns quilitos, há esperança), ainda que o canal a 300 metros de nossa casa não nos entre pela varanda, os próximos dias não vão dar para passear. Mandaram-nos abastecer-nos de rações para 5 dias e já havia muito pouca coisa no supermercado. Espero que isto seja histeria e exagero. Pode ser que o vento faça o favor de me atirar tudo para dentro doa caixotes e escuso de ter mais trabalho com a mudança.
25 agosto 2011
o desafio que se segue
Aos poucos, começa a definir-se o cenário do que será a nossa vida de agora em diante, no regresso a Portugal. Eu regresso (ao que tudo indica) à vida académica, os rapazes vão para a escola onde o Gugas andou antes, e o meu marido começa um novo emprego, numa nova área, que o vai obrigar a passar as semanas em Coimbra, pelo menos durante os primeiros 3 meses. Isto significa que regressamos à nossa casa, ao nosso bairro, mas como família depenada de pai excepto aos fins-de-semana.
Se estou com cagunfa? Evidentemente que sim. Passo a listar algumas miaúfas relevantes (por ordem semi-aleatória):
1º Tomar conta de dois filhos sozinha;
2º Morrer de frio nos Invernos gélidos e húmidos de Lisboa, muito piores do que as temperaturas negativas daqui;
3º Lidar com toda uma sociedade em depressão colectiva (e que pensa que a solução é zarpar daí);
4º Ter de ouvir falar de futebol e telenovelas todos os dias;
5º Dirigir-me a repartições públicas;
6º Voltar a tratar as pessoas por Sr. Dr. e Sr. Professor;
7º Ficar desempregada e não conseguir arranjar emprego durante muuuuuito tempo;
8º Sentir que já não pertenço bem aí;
9º Sentir que os meus amigos got over me (evito os estrangeirismos mas, neste caso, o termo em Português não exprime exactamente o que quero dizer)
10º Beber cafés minúsculos outra vez.
Reparem que já tenho um cão, donde a inutilidade do conhecido adágio de "quem tem medo...". O medo assiste-me, ah pois assiste, mas é preciso andar com a vida para a frente. Com a ajuda da família alargada, lá sobreviveremos a esta nova modalidade familiar. Com todos os aquecimentos ligados, lá conseguirei limitar a torrente de ranho que habitualmente me corre do nariz entre Novembro e Abril. Com muitos mimos dos amigos, lá acreditarei que fiz alguma falta. Não estou é a ver panaceia para a sensação de já não pertencer aqui, nem lá, nem em lado nenhum. Pode ser que passe com o tempo, os pés de molho no Atlântico e a cabeça a sonhar com mundos ilimitados daqui em diante.
Se estou com cagunfa? Evidentemente que sim. Passo a listar algumas miaúfas relevantes (por ordem semi-aleatória):
1º Tomar conta de dois filhos sozinha;
2º Morrer de frio nos Invernos gélidos e húmidos de Lisboa, muito piores do que as temperaturas negativas daqui;
3º Lidar com toda uma sociedade em depressão colectiva (e que pensa que a solução é zarpar daí);
4º Ter de ouvir falar de futebol e telenovelas todos os dias;
5º Dirigir-me a repartições públicas;
6º Voltar a tratar as pessoas por Sr. Dr. e Sr. Professor;
7º Ficar desempregada e não conseguir arranjar emprego durante muuuuuito tempo;
8º Sentir que já não pertenço bem aí;
9º Sentir que os meus amigos got over me (evito os estrangeirismos mas, neste caso, o termo em Português não exprime exactamente o que quero dizer)
10º Beber cafés minúsculos outra vez.
Reparem que já tenho um cão, donde a inutilidade do conhecido adágio de "quem tem medo...". O medo assiste-me, ah pois assiste, mas é preciso andar com a vida para a frente. Com a ajuda da família alargada, lá sobreviveremos a esta nova modalidade familiar. Com todos os aquecimentos ligados, lá conseguirei limitar a torrente de ranho que habitualmente me corre do nariz entre Novembro e Abril. Com muitos mimos dos amigos, lá acreditarei que fiz alguma falta. Não estou é a ver panaceia para a sensação de já não pertencer aqui, nem lá, nem em lado nenhum. Pode ser que passe com o tempo, os pés de molho no Atlântico e a cabeça a sonhar com mundos ilimitados daqui em diante.
24 agosto 2011
férias um bocado grandes demais
Dias de mula de carga, jornadas de puro deleite que passava na biblioteca, imunda de pó, levando traulitadas na cabeça dos livros em queda livre, o estrabismo a florescer-me nos olhos, tentando ordenar por ordem Richardson ou Library of Congress centenas de volumes. Ahh, as saudades que tenho desses dias! Agora, a única coisa que faço (para além de ler, ir à piscina, estar de papo para o ar, brincar, ir à biblioteca por prazer, blogar, feicebucar) é equilibrar o portátil enquanto caminho pela casa, respondendo a potenciais compradores de ferros de engomar, estantes, edredons, carrinhos de bebés, enquanto um filho me trepa pelas pernas a pedir colo e o outro me faz perguntas de 30 em 30 segundos. Tenho os joelhos gastos de brincar aos cavalos, aos camelos, aos elefantes, às vacas. Tenho zumbidos nos ouvidos por estar constantemente rodeada de crianças (os meus e os vizinhos) a gritar, a chorar, a ameaçar-se com espadas imaginárias, uns amores, uma constante roda viva de energia que nem sempre se consegue canalizar para mergulhos na piscina. Não me arrependo nada de ter optado por estas férias prolongadas antes do regresso a casa, mas acho que vou dar um abraço sentido às educadoras dos meus rapazinhos no dia em que eles recomeçarem a escola, Deus as abençoe.
(post inspirado nos vários co-sofredores do mesmo "mal" por essa blogosfera fora)
(post inspirado nos vários co-sofredores do mesmo "mal" por essa blogosfera fora)
21 agosto 2011
leve leve
Já repararam como, no Verão, todos os blogues deixam cair um pouco do cinzentismo, do peso da seriedade, e se limitam a revelar o puro gozo das coisas boas da vida? Não é uma questão de férias nem de temperatura, é só uma necessidade que temos todos de parar um bocadinho de nos preocupar, de abraçar a inconsciência, dançar numa nuvem estupefaciente e acreditar que o sol vai brilhar bonito, a música vai soar perfeita. Caramba, todos precisamos disto. Não é a silly season, é a humanidade fazendo um pouco de bem a si própria. Desligando as exigências, suspendendo a seriedade. Cutting itself some slack. No Outono, o saldo bancário vai continuar a ser magro, não há nada a fazer. Deixemo-nos rebolar na alegria da areia e da pele bronzeada só um bocadinho mais. Não faz mal a ninguém.
20 agosto 2011
podes ficar com as jóias, a casa e o carro
E, já agora, fica-me com os miúdos. Durante umas horitas, vá. Uma semana de chuva e trovoadas brutais obrigaram-nos à reclusão caseira quase completa. E não é por andar a ser picada por aranhas, percevejos, moscas da fruta, ainda não tenho a certeza, que já trepo paredes.
Entretanto, vendo o recheio da casa. Que maçada, o ferro de engomar e o aspirador já se vão amanhã. Pena que as sanitas e os tachos ainda fiquem, senão é que eu virava Rainha do Sabá. Assim é só rainha do nojo e da roupa amachucada.
Na eventualidade de haver aqui alguém a ler-me em Princeton, ainda há coisas muito jeitosas aqui.
Entretanto, vendo o recheio da casa. Que maçada, o ferro de engomar e o aspirador já se vão amanhã. Pena que as sanitas e os tachos ainda fiquem, senão é que eu virava Rainha do Sabá. Assim é só rainha do nojo e da roupa amachucada.
Na eventualidade de haver aqui alguém a ler-me em Princeton, ainda há coisas muito jeitosas aqui.
18 agosto 2011
a gralha adormecida
Atenção: este post não promete ser longo por aí além mas compensa em intensidade dramática, que ainda ninguém se chegou à frente com o tal ombro amigo.
Quem me conhece há pouco tempo costuma reparar que eu pareço ser uma pessoa pouca dada a devaneios românticos. Pois bem, fiquem sabendo que, dentro de mim, também já existiu uma pequena princesa que acreditou em contos de fadas. Só que essa princesa apanhou sucessivas desilusões com muitos príncipes (nem tanto com bruxas, que não se costumam meter comigo).
A primeira vez que me apaixonei, na terceira classe, descobri que essa era a melhor sensação do mundo. O RJAA (ainda me lembro do nome completo da criatura) não era muito diferente dos restantes meninos de 8 anos, à excepção dos dentes de coelho com que sorria adoravelmente. Ainda assim, a minha almofada passou a encarnar o tal rapazinho, fronhas e fronhas lambuzadas de beijos imaginários e abraços apertados. Tanto sonhei que ele me mandasse bilhetinhos escritos com caligrafia torta, e ele nem uma canelada, nem um empurrão no recreio. Na festa de fim de ano, todos os meninos quiseram dançar comigo, todos menos ele. E o meu romantismo levou a primeira estocada.
Corria já o saudoso ano de Mil Nove e Oitenta e Nove e eu era uma menina de 10 anos, franzina e de cabelo curto, com uns óculos modelo miniatura-da-avó e o coração cheio de flores e passarinhos a cantar. A nova paixão era partilhada por todas as meninas da turma e sei lá quantas mais. Quis adiantar-me a qualquer outra lambisgóia que conseguisse conquistá-lo. Decidida e inconsciente, informei as minhas amigas, durante a aula de Trabalhos Manuais, que ia declarar-me. Como sou pessoa sensata e pouco exibicionista, escolhi apenas o portão da escola à hora da saída para tão audacioso acto. Infelizmente, a coragem abandonou-me na hora H e só consegui chamá-lo e ficar em silêncio, enquanto tudo à minha volta ficava negro e eu caía, desmaiada, no chão de terra e folhas secas. Rezo aos santinhos para que ele se tenha esquecido do episódio. Mal por mal, já basta ter guardado a carta que acabei por lhe enviar no fim do ano lectivo. Agora que é figura mediática com inclinações humorísticas, resta-me esperar que não se lembre de desenterrar publicamente essa minha pérola epistolar, senão acho que nunca mais ponho os pés em Portugal.
Depois destes, outros episódios infelizes se foram sucedendo. Declarações, já sem desmaios, mas sem sucesso. Cartas sem resposta. Actores de cinema que nunca se lembraram de passar pela minha rua para me salvarem de uma existência púbere sem cor. Demorou bastante até estas pequenas vergonhas irem endurecendo o meu coração, qual artereosclerose emocional. A minha adolescência insistiu nos amores platónicos e, já jovem adulta, ainda me dediquei a causas impossíveis e paixões desgraçadas à partida. Finalmente apareceu um príncipe improvável que se foi revelando muito melhor do que eu podia sonhar. Não é o príncipe das surpresas, dos presentes sem motivo, dos gestos arrebatados, mas ganhou o meu coração. É o príncipe que me trata bem e que gosta mesmo de mim como sou.
Contos de fadas? Lamento, mas é verdade que já não acredito neles. Não acredito que haja só um grande amor na vida. Não acredito em almas gémeas. E, ainda assim, é esse imaginário que faço questão de transmitir aos meus filhos. Eles que cresçam e acreditem no que quiserem. Não há nada pior do que um adulto que ceifa as possibilidades ilimitadas de uma criança.
Quem me conhece há pouco tempo costuma reparar que eu pareço ser uma pessoa pouca dada a devaneios românticos. Pois bem, fiquem sabendo que, dentro de mim, também já existiu uma pequena princesa que acreditou em contos de fadas. Só que essa princesa apanhou sucessivas desilusões com muitos príncipes (nem tanto com bruxas, que não se costumam meter comigo).
A primeira vez que me apaixonei, na terceira classe, descobri que essa era a melhor sensação do mundo. O RJAA (ainda me lembro do nome completo da criatura) não era muito diferente dos restantes meninos de 8 anos, à excepção dos dentes de coelho com que sorria adoravelmente. Ainda assim, a minha almofada passou a encarnar o tal rapazinho, fronhas e fronhas lambuzadas de beijos imaginários e abraços apertados. Tanto sonhei que ele me mandasse bilhetinhos escritos com caligrafia torta, e ele nem uma canelada, nem um empurrão no recreio. Na festa de fim de ano, todos os meninos quiseram dançar comigo, todos menos ele. E o meu romantismo levou a primeira estocada.
Corria já o saudoso ano de Mil Nove e Oitenta e Nove e eu era uma menina de 10 anos, franzina e de cabelo curto, com uns óculos modelo miniatura-da-avó e o coração cheio de flores e passarinhos a cantar. A nova paixão era partilhada por todas as meninas da turma e sei lá quantas mais. Quis adiantar-me a qualquer outra lambisgóia que conseguisse conquistá-lo. Decidida e inconsciente, informei as minhas amigas, durante a aula de Trabalhos Manuais, que ia declarar-me. Como sou pessoa sensata e pouco exibicionista, escolhi apenas o portão da escola à hora da saída para tão audacioso acto. Infelizmente, a coragem abandonou-me na hora H e só consegui chamá-lo e ficar em silêncio, enquanto tudo à minha volta ficava negro e eu caía, desmaiada, no chão de terra e folhas secas. Rezo aos santinhos para que ele se tenha esquecido do episódio. Mal por mal, já basta ter guardado a carta que acabei por lhe enviar no fim do ano lectivo. Agora que é figura mediática com inclinações humorísticas, resta-me esperar que não se lembre de desenterrar publicamente essa minha pérola epistolar, senão acho que nunca mais ponho os pés em Portugal.
Depois destes, outros episódios infelizes se foram sucedendo. Declarações, já sem desmaios, mas sem sucesso. Cartas sem resposta. Actores de cinema que nunca se lembraram de passar pela minha rua para me salvarem de uma existência púbere sem cor. Demorou bastante até estas pequenas vergonhas irem endurecendo o meu coração, qual artereosclerose emocional. A minha adolescência insistiu nos amores platónicos e, já jovem adulta, ainda me dediquei a causas impossíveis e paixões desgraçadas à partida. Finalmente apareceu um príncipe improvável que se foi revelando muito melhor do que eu podia sonhar. Não é o príncipe das surpresas, dos presentes sem motivo, dos gestos arrebatados, mas ganhou o meu coração. É o príncipe que me trata bem e que gosta mesmo de mim como sou.
Contos de fadas? Lamento, mas é verdade que já não acredito neles. Não acredito que haja só um grande amor na vida. Não acredito em almas gémeas. E, ainda assim, é esse imaginário que faço questão de transmitir aos meus filhos. Eles que cresçam e acreditem no que quiserem. Não há nada pior do que um adulto que ceifa as possibilidades ilimitadas de uma criança.
16 agosto 2011
schh... sossega, formigueiro consumista
Volta e meia sou acometida de palpitações. Este fenómeno acontece-me não mais de duas ou três vezes por ano, mas bate com força. Sonho com roupa e sapatos lindos, que me caem bem, que me fazem alta, esguia, voluptuosa, linda. E acordo para a realidade em que não posso comprar mais nada, não só porque não vejo ordenado há quase dois meses, mas porque o contentor é para encher de brinquedos e livros, e não de tecido desnecessário. Respiro fundo, afasto-me dos sites das minhas lojas preferidas, não abro os blogues das fashionistas de serviço, e vou fazer bolos, que me faz melhor.
E depois penso que este ano, em particular, não é difícil resistir às últimas tendências da moda. Se me fica mal, não uso. Se nunca gostei, não vou passar a gostar. Se nunca tive um par de calças à pesca do berbigão, superei a loucura do roxo integral, passei ao lado das psicadélicas unhas azuis, ignorei tanto os botins como as botas por cima do joelho, menina, não vão ser os padrões tigresse nem as lantejoulas douradas que me vão fazer vacilar. Afinal, parece que vai haver espaço para levarmos a bicicleta na bagagem.
E depois penso que este ano, em particular, não é difícil resistir às últimas tendências da moda. Se me fica mal, não uso. Se nunca gostei, não vou passar a gostar. Se nunca tive um par de calças à pesca do berbigão, superei a loucura do roxo integral, passei ao lado das psicadélicas unhas azuis, ignorei tanto os botins como as botas por cima do joelho, menina, não vão ser os padrões tigresse nem as lantejoulas douradas que me vão fazer vacilar. Afinal, parece que vai haver espaço para levarmos a bicicleta na bagagem.
15 agosto 2011
dois anos de vida na américa: o balanço
Aviso: Post longo, sem barreiras, sem peneiras, que provocará o ocasional sorriso, a pontual lágrima, possivelmente uma ou outra interrupção para ir fazer chichi, a vontade de me insultar, de me dar um ombro amigo, de fazer denúncias à Segurança Social, de nunca mais ler este blogue, ou mesmo de me oferecer um daqueles selinhos queridos.
No dia 3 de Setembro de 2009, aterrei no aeroporto de Newark com um filho de 2 anos e meio pela mão e uma barriga de 4 meses e meio de gravidez. Esperava-nos um marido e pai, físico pós-doc na Universidade de Princeton, uma casa com meia dúzia de móveis, e muitos dias, meses, horas intermináveis pela frente. Desde que escolhi este homem que soube que esta seria uma fase das nossas vidas e a experiência de expatriados uma etapa necessária na carreira dele, um período determinante na construção da nossa família. Também sabia, desde que vivi durante um semestre na Alemanha, que isso me ia custar, por todas as razões de já tanto falei. E custou. Muito.
A adaptação faz-se, não custa assim tanto. Custa é acordar, adormecer, acordar, dias a fio naquilo que se sente como uma prisão domiciliária. Vivemos numa terra pequena, de passagem, habitada por estudantes e cientistas de pouso temporário. Não foi fácil estabelecer laços e houve semanas inteiras em que o meu marido era o único adulto com que contactava. Uma vida de domesticidade pode ser confortável, pode ser muito bom fazer bolos com os filhos enquanto neva lá fora; mas isso, todos os dias, a mim não chega. Principalmente quando lidamos com uma depressão pós-parto e não há tábuas de salvação como a família alargada e os amigos de verdade. Demasiadas vezes, fui muito má mãe. Também devo ter sido má mulher. E fui má pessoa no sentido que deixei de me respeitar a mim própria.
Felizmente, essa sensação de isolamento dissipou-se no segundo ano. Comecei a trabalhar, os meninos foram para a escola e, apesar de materialmente as coisas não se terem alterado, essa quebra na rotina permitiu que apreciasse muito mais as coisas boas de aqui estar. Voltei a sentir-me reconhecida pelas minhas capacidades além-maternidade, conheci até algumas pessoas interessantes, fiz as pazes com os nativos. Foi um ano muito cansativo a nível físico, sobretudo na fase em que tive um marido de perna engessada e vários centímetros de neve com que lutar todas as madrugadas. Mas foi também o ano em que a poeira assentou, as nuvens negras dissiparam-se e consegui definir o que queria mesmo que fosse a minha vida. E queria que fosse não muito diferente disto, mas do outro lado do mar. Queria voltar a casa. Assumi essa vontade e assim voltamos.
Estes dois anos, para o bem e para o mal, não são um interregno, são uma mudança sem retorno. Fiz o luto da minha vida anterior e preparo-me para nascer de novo. Já não me lembro da última vez que peguei no carro sozinha, para espairecer, e conduzi sem destino enquanto berrava impropérios até à rouquidão, lágrimas rolando aos pares pela cara. Aos poucos, o desprezo pela cultura local dissipou-se, passou a paternalismo e espero que tenha chegado à assimilação das coisas boas. Quanto mais não seja, os meus quadris já têm assimilado bastante tarte de natas, chocolate e manteiga de amendoim.
Se valeu a pena? Claro que valeu a pena. Levo daqui uma enorme experiência de vida, um maior auto-conhecimento, um filho americano. Mas isto foi sobreviver, não foi realmente viver. Acho que tenho o direito a viver, mesmo com todas as dificuldades esperadas e inesperadas que temos pela frente.
No dia 3 de Setembro de 2009, aterrei no aeroporto de Newark com um filho de 2 anos e meio pela mão e uma barriga de 4 meses e meio de gravidez. Esperava-nos um marido e pai, físico pós-doc na Universidade de Princeton, uma casa com meia dúzia de móveis, e muitos dias, meses, horas intermináveis pela frente. Desde que escolhi este homem que soube que esta seria uma fase das nossas vidas e a experiência de expatriados uma etapa necessária na carreira dele, um período determinante na construção da nossa família. Também sabia, desde que vivi durante um semestre na Alemanha, que isso me ia custar, por todas as razões de já tanto falei. E custou. Muito.
A adaptação faz-se, não custa assim tanto. Custa é acordar, adormecer, acordar, dias a fio naquilo que se sente como uma prisão domiciliária. Vivemos numa terra pequena, de passagem, habitada por estudantes e cientistas de pouso temporário. Não foi fácil estabelecer laços e houve semanas inteiras em que o meu marido era o único adulto com que contactava. Uma vida de domesticidade pode ser confortável, pode ser muito bom fazer bolos com os filhos enquanto neva lá fora; mas isso, todos os dias, a mim não chega. Principalmente quando lidamos com uma depressão pós-parto e não há tábuas de salvação como a família alargada e os amigos de verdade. Demasiadas vezes, fui muito má mãe. Também devo ter sido má mulher. E fui má pessoa no sentido que deixei de me respeitar a mim própria.
Felizmente, essa sensação de isolamento dissipou-se no segundo ano. Comecei a trabalhar, os meninos foram para a escola e, apesar de materialmente as coisas não se terem alterado, essa quebra na rotina permitiu que apreciasse muito mais as coisas boas de aqui estar. Voltei a sentir-me reconhecida pelas minhas capacidades além-maternidade, conheci até algumas pessoas interessantes, fiz as pazes com os nativos. Foi um ano muito cansativo a nível físico, sobretudo na fase em que tive um marido de perna engessada e vários centímetros de neve com que lutar todas as madrugadas. Mas foi também o ano em que a poeira assentou, as nuvens negras dissiparam-se e consegui definir o que queria mesmo que fosse a minha vida. E queria que fosse não muito diferente disto, mas do outro lado do mar. Queria voltar a casa. Assumi essa vontade e assim voltamos.
Estes dois anos, para o bem e para o mal, não são um interregno, são uma mudança sem retorno. Fiz o luto da minha vida anterior e preparo-me para nascer de novo. Já não me lembro da última vez que peguei no carro sozinha, para espairecer, e conduzi sem destino enquanto berrava impropérios até à rouquidão, lágrimas rolando aos pares pela cara. Aos poucos, o desprezo pela cultura local dissipou-se, passou a paternalismo e espero que tenha chegado à assimilação das coisas boas. Quanto mais não seja, os meus quadris já têm assimilado bastante tarte de natas, chocolate e manteiga de amendoim.
Se valeu a pena? Claro que valeu a pena. Levo daqui uma enorme experiência de vida, um maior auto-conhecimento, um filho americano. Mas isto foi sobreviver, não foi realmente viver. Acho que tenho o direito a viver, mesmo com todas as dificuldades esperadas e inesperadas que temos pela frente.
12 agosto 2011
daqui a um mês
Levantamos vôo de regresso a casa.
Agora é a altura em que cada gesto é uma despedida, cada embalagem de qualquer coisa é a última. Sou muito nostálgica, levo a vida a despedir-me. Amanhã é de Nova Iorque.
Agora é a altura em que cada gesto é uma despedida, cada embalagem de qualquer coisa é a última. Sou muito nostálgica, levo a vida a despedir-me. Amanhã é de Nova Iorque.
11 agosto 2011
pedras no caminho?
Guardo-as todas para as atirar ao pessoal que adora estes aforismos. Eu nunca desgostei de coisas fáceis e não consigo mesmo ver o gozo das corridas de obstáculos quando se pode percorrer a mesma distância muito mais depressa sem pôr em risco o bem-estar do entrepernas.
08 agosto 2011
decisões, decisões, decisões...
Tenho algum pudor em falar aqui das coisas realmente fundamentais que se passam na minha vida. E a verdade é que estamos a passar um período de muitas escolhas difíceis, que incluem riscos, saltos no vazio e o (re)pesar dos nossos valores fundamentais. Mais vale isto do que não ter escolhas, bem sei, mas não é fácil. É nestas alturas que dava mesmo muito jeito ser uma pessoa completamente egoísta e destituída de moral, mas gosto de acreditar que não sou assim. Será que é vaidade? Será que é ingenuidade? Não sei. Por isso perdoem o meu silêncio nos próximos tempos. E agora é a altura certa para me mandarem aqueles e-mails de corrente com todos os clichés, mensagens de paz, anjinhos e assim, certo? Brincadeirinha! Pelo contrário, todas as orações e pensamentos positivos são muito bem-vindos.
04 agosto 2011
sem saber bem como, conquistaram-me
São materialistas, individualistas, puritanos, consumistas, ingénuos, auto-suficientes, dotados de um humor pateta, obcecados com o sucesso, destituídos de ironia, uns miúdos, uns cavalos selvagens, a humanidade numa lata de sopa que se vende como se fosse vichyssoise. São o povo que me acolheu, cheiinho de defeitos - como todos os outros - mas, também, com imensas e enormes qualidades. E uma pessoa apercebe-se que já gosta mesmo deles quando custa, de fora, ouvir dizer mal. Não gostamos que chamem nomes à nossa mãe, mesmo que ela nos chegue a roupa ao pelo. Acho que nunca mais vou ouvir o tão europeu desdém "ah, sim, os americanos..." (idealmente seguido de um bafo no cigarro) sem que isso me corte um bocadinho o coração.
Gente, para que conste, os americanos são trabalhadores como o caraças. São ingénuos, sim, mas também são dos poucos que ainda acreditam que podem fazer alguma diferença positiva ao longo da sua vida. Muitos deles têm valores de verdade, pelos quais regem a sua vida, e que não descartam quando não dão jeito. São leais, genuínos e tolerantes. São boa onda, andam de bem com a vida e não resmungam por tudo e por nada. Se isso é ser parvo? Não é mais parvo passar a vida a rezingar com tudo? E, como em todo o lado, há muita gente criativa, culta, inteligente, original, generosa, boa. Não volto daqui a conduzir um GMC (para minha tristeza) e com os cabelos platinados ao vento, mas espero voltar um bocadinho americana.
Gente, para que conste, os americanos são trabalhadores como o caraças. São ingénuos, sim, mas também são dos poucos que ainda acreditam que podem fazer alguma diferença positiva ao longo da sua vida. Muitos deles têm valores de verdade, pelos quais regem a sua vida, e que não descartam quando não dão jeito. São leais, genuínos e tolerantes. São boa onda, andam de bem com a vida e não resmungam por tudo e por nada. Se isso é ser parvo? Não é mais parvo passar a vida a rezingar com tudo? E, como em todo o lado, há muita gente criativa, culta, inteligente, original, generosa, boa. Não volto daqui a conduzir um GMC (para minha tristeza) e com os cabelos platinados ao vento, mas espero voltar um bocadinho americana.
03 agosto 2011
é de pequenino que se enche o baldinho
Comentei certa vez, no blogue da Mãe Capotada, que gosto de pensar que os nossos filhos são como pequenos baldinhos cujo ego devemos ir enchendo desde cedo, visto que terão toda uma vida para se irem esvaziando. Então é assim que se faz, enquanto se muda a fralda:
gralha: O Diogo é lindo?
Diogo: É.
g: O Diogo é querido?
D: É.
g: O Diogo é o meu bebé bom?
D: É.
E como o nosso próprio baldinho passa a vida a levar pontapés e a ser miseravelmente virado ao contrário:
gralha: A Mamã é linda?
Diogo: É.
g: A Mamã é querida?
D: É.
g: A Mamã é absolutamente espectacular?
D: É.
g: Já está :)
D: Tátááá :)
Animeio de bebé lindo, querido, e bom. Que riqueza!
gralha: O Diogo é lindo?
Diogo: É.
g: O Diogo é querido?
D: É.
g: O Diogo é o meu bebé bom?
D: É.
E como o nosso próprio baldinho passa a vida a levar pontapés e a ser miseravelmente virado ao contrário:
gralha: A Mamã é linda?
Diogo: É.
g: A Mamã é querida?
D: É.
g: A Mamã é absolutamente espectacular?
D: É.
g: Já está :)
D: Tátááá :)
Animeio de bebé lindo, querido, e bom. Que riqueza!
02 agosto 2011
take us to lisboa (semi-plagiozito, mas sem maldade)
A gralha tem um sonho. Esse sonho chama-se voltar para casa. Não tem nenhum gato mas tem uma Bimby, entre outros quarenta pés cúbicos de tralha, que tem de ir de contentor para Gaio, Alcobaça. E, parecendo que não, ainda é maçador uma pessoa ter de deslocar-se até Gaio, Alcobaça. Além disso, a gralha espera fervorosamente que o veterinário, perdão, urologista dê luz verde para o filho pequeno ir para Lisboa, porque este não dá mesmo para deixar para trás. Parece impossível como consegues gozar com uma coisa destas, que é mesmo verdade, gralha. És terrível.
A gralha não está a pedir-vos dinheiro nem que ponham uma fitinha no canto do blogue, está apenas a pedir que lhe comprem o recheio da casa. No Natal, também faço um recheio de peru bastante razoável, pode ser que dê para comercializar. Em breve, estará disponível a ligação para o material à venda.
A gralha não está a pedir-vos dinheiro nem que ponham uma fitinha no canto do blogue, está apenas a pedir que lhe comprem o recheio da casa. No Natal, também faço um recheio de peru bastante razoável, pode ser que dê para comercializar. Em breve, estará disponível a ligação para o material à venda.
01 agosto 2011
o que todos procuramos
Demorei imenso a escrever este post porque não conseguia arranjar-lhe um título apropriado. Não arranjei. E normalmente escrevo isto muito à pressa. Mas os termos 'intimidade', 'comunhão', 'proximidade' não conseguem abarcar o sentido que quero transmitir. Nem sei bem por que é que me lembrei de falar sobre estas coisas, foi mais uma revelação enquanto corria e estava a precisar de organizar as ideias.
De repente, percebo que aquilo que nós, humanos, procuramos de mais fundamental não se altera ao longo da vida. Não estou a falar de questões materiais, estou a falar do resto, do que nos faz uma espécie gregária. Antes achava que, em crianças, queremos amor paternal; na juventude, amor carnal; na velhice, a segurança de estar ao lado de alguém que nos ajude a caminhar quando os passos já são incertos. Não, não e não. A ânsia é a mesma, os nomes que lhe damos é que se vão alterando conforme nos vamos conhecendo melhor. Todos nascemos já cheios de uma solidão imensa, uma sede desértica de sermos realmente aceites e apreciados pelo que somos. Há quem tenha a sorte de saciar essa urgência no abraço da mãe. Há quem passe a vida toda à procura. Todos vamos procurando o rosto de quem nos ama de verdade mas, acima de tudo, de quem está disposto a receber o nosso amor - porque estamos cheios de amor para dar.
Sei que não descobri a pólvora. Mas há tantas coisas que só compreendemos realmente quando as vivemos na primeira pessoa! Nesta fase da vida, casada, com filhos, lido com esta ânsia de uma forma diferente. Já não procuro um homem com estas ou aquelas características. Já não acredito nUM amor maior do que todos, que nos completa. E já nem acho que essa forma de proximidade tenha de ser restrita à família, ou ao ideal de amor romântico. Acho que é por isso que, nunca como agora, aprecio as minhas amigas mulheres. As que passam pelo mesmo que eu e me entendem de olhos fechados; e as que vivem em circunstâncias diferentes mas me querem tão bem que param - param... - o tempo suficiente para se porem na minha posição e compreenderem o que sinto, o verdadeiro sentido das minhas palavras e do que está por trás delas. E gosto desta nova forma de intimidade e, porque não?, de amor. Espero para ver, daqui a uns anos, onde vou encontrar o que procuro.
E esta é, também, uma diferença brutal entre crentes e não crentes. Alguém que acredita em Deus sabe que nunca, nunca está realmente sozinho. E olha a reviravoltazinha religiosa que isto levou...
De repente, percebo que aquilo que nós, humanos, procuramos de mais fundamental não se altera ao longo da vida. Não estou a falar de questões materiais, estou a falar do resto, do que nos faz uma espécie gregária. Antes achava que, em crianças, queremos amor paternal; na juventude, amor carnal; na velhice, a segurança de estar ao lado de alguém que nos ajude a caminhar quando os passos já são incertos. Não, não e não. A ânsia é a mesma, os nomes que lhe damos é que se vão alterando conforme nos vamos conhecendo melhor. Todos nascemos já cheios de uma solidão imensa, uma sede desértica de sermos realmente aceites e apreciados pelo que somos. Há quem tenha a sorte de saciar essa urgência no abraço da mãe. Há quem passe a vida toda à procura. Todos vamos procurando o rosto de quem nos ama de verdade mas, acima de tudo, de quem está disposto a receber o nosso amor - porque estamos cheios de amor para dar.
Sei que não descobri a pólvora. Mas há tantas coisas que só compreendemos realmente quando as vivemos na primeira pessoa! Nesta fase da vida, casada, com filhos, lido com esta ânsia de uma forma diferente. Já não procuro um homem com estas ou aquelas características. Já não acredito nUM amor maior do que todos, que nos completa. E já nem acho que essa forma de proximidade tenha de ser restrita à família, ou ao ideal de amor romântico. Acho que é por isso que, nunca como agora, aprecio as minhas amigas mulheres. As que passam pelo mesmo que eu e me entendem de olhos fechados; e as que vivem em circunstâncias diferentes mas me querem tão bem que param - param... - o tempo suficiente para se porem na minha posição e compreenderem o que sinto, o verdadeiro sentido das minhas palavras e do que está por trás delas. E gosto desta nova forma de intimidade e, porque não?, de amor. Espero para ver, daqui a uns anos, onde vou encontrar o que procuro.
E esta é, também, uma diferença brutal entre crentes e não crentes. Alguém que acredita em Deus sabe que nunca, nunca está realmente sozinho. E olha a reviravoltazinha religiosa que isto levou...
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