29 novembro 2011

bem resolvida

Depois de deitar os miúdos, lavar a louça, arrumar a cozinha, guardar a roupa dobrada, lavar o chão e - a cereja - esfregar a carpete coberta de vomitado do mais pequeno, que anda viroso, tomo o merecido duche e sinto que, sim senhor, deve ser isto que é ser uma mulher bem resolvida.
Mas depois: pára tudo! Ai o caracinhas. Mas afinal o que é isto de uma mulher ter de se resolver, bem ou mal? Uma mulher por acaso é uma equação de segundo grau? Uma mulher nasce com as peças desmontadas e tem de se ir compondo? Uma mulher precisa de provar a quem que se supera a cada dia?
É que um homem bem resolvido, não há dúvidas, é aquele que demora menos de um nanossegundo a decidir se acompanha a mini com tremoços ou com alcagoitas. E a escolha que faz não tem a menor importância para absolutamente ninguém. Por que é que as mulheres têm de levar toda a santa vida a provar que merecem, que conseguem, que aguentam, que estão bem, que estão óptimas?
Nesta altura, vivo basicamente sozinha com dois filhos, trabalho, trato da casa, meto-me em novos projectos. Mas aquilo que me faz sentir realmente bem resolvida é já não deixar que absolutamente ninguém toque naquilo que, para mim, é sagrado. Não admito, não cedo, não dou para esses peditórios. Se calhar, ser bem resolvida é só conhecermo-nos e respeitarmo-nos a sério.

26 novembro 2011

de volta ao ninho

Dois meses e meio depois de sair da casa americana (e muitos faz mala-desfaz mala, espacota-desempacota) entro na casa portuguesa. Nossa casa. Casa da senhoria, na verdade, mas casa arranjada por nós, pintada por nós, montada por nós, acortinada por nós. O nosso espaço, os nossos livros, os nossos horários, os nossos hábitos. Só faltam os vasos com kalanchoe à janela. E falta que o homem da casa venha de Coimbra, para eu não estar para aqui tipo mulher de bacalhoeiro, à espera da maré, com dois filhos no regaço que, parecendo que não, estão crescidos.

21 novembro 2011

não me apetece blogar

Não me apetece escrever. Não me apetece trabalhar. Não me apetece ir correr. Não me apetece nada senão ler. Por isso, adeuzinho e até qualquer dia.

17 novembro 2011

a gralha despistada e o peru fugidio

Era uma vez uma gralha regressada dos EUA que sonhava manter algumas tradições norte-americanas para o seu pequeno pinto ianque não se queixar que o expatriariam impiedosamente. Ela era uma gralha com muito boa vontade, que queria chegar a todo o lado e fazer tudo muito, muito depressa. Tão depressa, que adiantou uma semana a data do Dia de Acção de Graças e desatou a fazer listas, compras e a convidar algumas pessoas para o que sonhava ser um belo repasto familiar americano em terras lusas.
Pois bem, é assim que a gralha se encontra hoje a cozinhar dois frangos do campo (peru não se conseguiu, apesar da expectativa até ao último minuto e da boa vontade do gerente de talho do Pingo Doce, cá um beijinho senhor Rui!), com recheio sem fígados (que não havia, mas substituiu-se por patê), com batata doce com arandos (porque não havia inhame), e com tarte de abóbora e nozes de pecan (que havia porque trouxe no contentor). Ou seja, este vai ser não só um falso dia de Acção de Graças como uma aldrabice de jantar. A gralha é uma porcaria de dona de casa e mãe de família e valha-nos o vinho português.

15 novembro 2011

caixa de sonhos

Diz que a adolescência é uma fase difícil (principalmente para os pais dos adolescentes, mas para os próprios também não é goiabada). Diz que atinge picos de dramatismo nas raparigas. Diz que, porque eu nunca fui adolescente - perguntem à minha mãezinha -, passei de criança chata e irritante a adulta auto-suficiente e introspectiva. Umm, agora que penso nisso, se calhar ainda não saí da adolescência...
Enfim, para todas aquelas que estão de lidar com este período que bem se dispensava, por que é que as hormonas não podem ficar sossegadas? bonito e desafiante da vida, para todas as flores que despontam, todos os frutos que amadurecem preparando-se para as primeiras trincas da vida, surgiu um belíssimo projecto chamado Caixa de Sonhos. Este projecto oferece um pequeno tesouro, personalizável, que ajuda a lidar com as encantadoras particularidades do solstício da existência feminina e é um presente muito original para quem conheça meninas na adolescência. As Caixas de Sonhos são giras, são originais, são acessíveis, e são feitas pela minha queria amiga V., que merece todo o apoio. Vejam mais aqui.

11 novembro 2011

tanta gente com frio

Martinho nasceu na Hungria por volta do ano 316 e pertencia a uma família não-cristã. O seu pai era comandante do exército romano. Por curiosidade começou a frequentar uma igreja cristã, ainda criança, sendo instruído na doutrina, porém sem receber o baptismo. Ao atingir a adolescência, para tê-lo mais perto, o seu pai alistou-o na cavalaria do exército imperial. Mas se o intuito do pai era afastá-lo da Igreja, o resultado foi o inverso, pois Martinho continuava praticando os ensinamentos cristãos, principalmente a caridade. Depois, foi destinado a prestar serviço na Gália.
Foi nessa época que ocorreu o famoso episódio do manto. Um dia um mendigo que tiritava de frio pediu-lhe esmola e, como não tinha, o cavaleiro cortou seu próprio manto com a espada, dando metade ao pedinte. Durante a noite o próprio Jesus lhe apareceu em sonho, usando o pedaço de manta que dera ao mendigo e agradeceu a Martinho por tê-lo aquecido no frio. Dessa noite em diante, ele decidiu que deixaria as fileiras militares para dedicar-se à religião. Adaptado da Wiki.

Toda a gente, hoje em dia, parece detestar o termo caridade. Para mim, isso é orgulho ou incapacidade de se colocar na posição de outro que - sim, não teve a educação, saúde, justiça, quem o ensinasse a pescar, tudo direitos fundamentais - naquela altura, naquela altura de fome, de frio, de medo, de solidão, só precisa de uma ajuda concreta. A caridade não passa de moda. Pode mudar de nome, mas não pode desaparecer. E faz muita falta agora.

10 novembro 2011

primeiros!

É a histeria: a minha uicheliste de Natal está pronta. Quis adiantar-me à restante blogosfera, à já assim insane prematuridade do suposto espírito natalício, ao mundo em geral e à imaginação dos meus generosos leitores em particular. É este ano, eu sei, que me vão recompensar por tão rica literatura aqui produzida à média de duas ou três postadas semanais. Há para todas as bolsas e condições perante o trabalho. Estejam à vontade para escolher, não tenho preferências.




09 novembro 2011

também não me passam só banalidades pela cabeça

Tive demasiadas aulas de História, li demasiados romances históricos, vi demasiados documentários e filmes sobre o século XX para não fazer agora a simples aritmética de a) crise económica profunda + b) situação política em escalada de instabilidade = c) guê u e erre erre a. Faz-me lembrar de quando era pequenina e me explicaram a Guerra Fria, de como tinha medo da bomba atómica e pedia muito que os russos e os americanos se entendessem. Nessa altura, ia dormir e o aconchego e a segurança imperturbável do meu pai dissipavam os medos em poucos segundos. Suponho que tenho de praticar essa arte, agora, para os meus filhos.

08 novembro 2011

já que não tenho mais nada para dizer

1. Comprei uma máquina de café no Custo Justo (ponto pêtê!) que é uma maravilha;
2. Tenho de arranjar argolas para as cortinas dos rapazes e não me apetece ter de ir àquela rua ao pé do cemitério dos Prazeres;
3. Confirma-se que os indianos são os seres mais maravilhosos da face da terra, não só pela cozinha saborosa mas por terem sido os únicos que me conseguiram desbloquear o iPhone;
4. Dói-me metade da cara. Digam-me drogas para a sinusite, sff.
5. O Diogo é mesmo chorão.
6. Mudo-me para a minha casa daqui a duas semanas.
7. Não sei dos meus pantafones.

03 novembro 2011

fantasmas

Hoje foi à porta da igreja: lá estava ela, a Miss J., educadora americana do Diogo. Ontem foi a minha ex-colega da biblioteca de Princeton, no centro comercial do Campo Pequeno. Aparecem-me, agora. Aparecem-me enquanto durmo e também acordada. Antes só via onde não devia ver os que já morreram. Depois, os amores desfeitos, as ilusões desiludidas. Cheguei ao tempo em que já muitos fantasmas povoam os meus dias, pessoas que não pertencem ali e que me parece encontrar nos lugares impossíveis. Eu, que não percebo nada de psicologia e menos ainda de psicanálise, digo que são as memórias que tento apagar depressa demais. Há memórias que derretem mais devagar do que a neve de Janeiro. Não sei o que fazer delas.

01 novembro 2011

o corpo ao manifesto

Ontem desejei muito ter um daqueles andaimes que o Michelangelo usava para pintar deitado. Não sei quem é que tem a ideia de fazer um tecto com ripas de madeira de dois centímetros de largura e não se lembrar que um dia podia haver uma pessoa que ia querer esmaltar aquela treta toda (e mais os intervalos entre tabuinhas). Entretanto, vejo mais uma vez que, apesar de ter o corpo como se uma manada de elefantes estivesse estado a dançar a conga em cima de mim, eu nasci foi para os trabalhos forçados. Uma pessoa chega às portas do liceu e apresentam-lhe a economia (não suporto), a medicina (tinha de estudar química), a engenharia (aborrece-me) e lá se escolhe as Humanidades porque pode ser que dê para fazer alguma coisa interessante. Afinal, o que me interessa é a construção civil, acartar caixotes e cavar na terra. Vocaçãozinha mais proleta que me havia de sair.