2013 foi um ano de crescimento e de auto-conhecimento, que é uma maneira bonita de dizer que houve dureza, deserto e angústias mas lá se chegou ao fim com um braseiro vivo no coração. No meio de tudo, há muito para agradecer. Não esqueço as pessoas que partiram. Não esqueço as que tiveram pequenos gestos cheios de carinho e entrega. Espero ter feito menos mal que bem e tentarei fazer melhor para o ano. De recordação, ficam estes e outros momentos.
Melhor refeição: jantar na Casa Nepalesa, num belo fim de tarde de Verão. Pelo conjunto da obra – a comida absolutamente perfeita, a simpatia do serviço, os meninos portando-se como anjos.
Melhor mergulho no mar: na praia do Barril, uma hora seguida a nadar ao fim da tarde de 15 de Agosto.
Melhor gargalhada: incontrolável, imparável, no casamento de uma amiga (uma vergonha, eu sei).
Melhor livro: The collected stories of Lydia Davis.
Melhor filme: Vi pouquíssima coisa este ano – e menos ainda filmes de qualidade. Se me apontarem uma pistola à cabeça, escolho o Gravidade do Alfonso Cuarón.
Melhor música: Qualquer uma dO Grande Medo do Pequeno Mundo, do Samuel Úria (e agora baixinho: e o Get Lucky dos Daft Punk)
Melhor série: Breaking Bad. Ainda estou em negação por ter acabado.
Melhor momento: cruzar a meta da minha primeira maratona (what else?).
Tenham um 2014 com muito amor, sentido, verdade, entusiasmo, saúde e uma boa almofada onde cair nos dias em que faltar o resto.
31 dezembro 2013
27 dezembro 2013
alguém me faça largar os coscorões e agarrar-me ao trabalho
Se fosse minha superior hierárquica, despedia a minha pessoa neste momento. Esta que vos escreve devia estar a debitar HTML para o bem da humanidade e, pelo contrário, está para aqui a anhar e a arranjar desculpas.
Mas é que os rapazes ainda devem estar de pijama a ver o Super-homem original, a comer tarte de abóbora e a fazer festas ao cão com os pés. Não é justo, não é justo.
Mas é que os rapazes ainda devem estar de pijama a ver o Super-homem original, a comer tarte de abóbora e a fazer festas ao cão com os pés. Não é justo, não é justo.
26 dezembro 2013
o nosso natal
O nosso Natal são três. É a véspera sossegada com os meus sogros. É a manhã luminosa só a quatro mais um (o meu Matias velhote). E é o dia completamente barulhento e cheio de animação com a minha família materna. Damos muitos abraços. Inventamos tradições novas todos os anos. Comemos o melhor peru do mundo (e muitas outras coisas boas). Pregamos partidas aos primos. Reaprendemos papeis, agora que a festa se faz a três gerações. Roubamos os presentes uns aos outros e falamos a mil à hora, provando aos ramos italianos da família que os portugueses conseguem ser ainda mais ruidosos do que eles. O Natal cristaliza estas relações, obriga-nos a parar e olhar uns para os outros. Reparamos em novas rugas, posturas mais curvadas, miúdos que esticaram, olhares um pouco tristonhos e preocupados, mas ficamos sempre muito felizes por estarmos juntos, por sermos cada vez mais, por termos tanta coisa por que nos sentimos agradecidos. Temos um Natal privilegiado em muitos sentidos mas o maior de todos é a graça de uma família tão grande e cheia de gente boa.
20 dezembro 2013
pequenas mas boas
A Melissa tem andado a partilhar o seu diário de gratidão e, embora não esteja com energia para aderir a esse ritual com a mesma regularidade, reconheço os benefícios da prática (às vezes, a única maneira de desenterrarmos um sorriso ao fim de mais um dia deste Dezembro que nunca mais acaba).
Quero, pois, partilhar o prazer que senti ontem com o ar fresco na cara, no meio daquele vendaval louco que passou por Lisboa. E a doçura do meu minúsculo, cativando-me às 8h com uma grande ranhoca a sair do nariz. E a alegria de ter conseguido fugir uns minutos para dançar com o maiúsculo na festa de Natal da escola. Mais o facto de ter ontem nascido uma menina linda da minha homónima. E ainda os chocolates e elogios da minha fantástica chefe. Ena, tanta coisa boa. Obrigada.
Já agora, feliz Natal! Se há sinal de esperança, é Aquele que nasce pequenino em cada ano e nos ajuda a crescer um pouco mais. Com todas as alegrias e tristezas que fazem parte do percurso.
Esforço-me tanto por criar estes títulos que podem dar azo a visitantes inexperados vindos de buscas no google e, até agora, ainda nem um maluquinho me bateu à porta. Humpf.
Quero, pois, partilhar o prazer que senti ontem com o ar fresco na cara, no meio daquele vendaval louco que passou por Lisboa. E a doçura do meu minúsculo, cativando-me às 8h com uma grande ranhoca a sair do nariz. E a alegria de ter conseguido fugir uns minutos para dançar com o maiúsculo na festa de Natal da escola. Mais o facto de ter ontem nascido uma menina linda da minha homónima. E ainda os chocolates e elogios da minha fantástica chefe. Ena, tanta coisa boa. Obrigada.
Já agora, feliz Natal! Se há sinal de esperança, é Aquele que nasce pequenino em cada ano e nos ajuda a crescer um pouco mais. Com todas as alegrias e tristezas que fazem parte do percurso.
Esforço-me tanto por criar estes títulos que podem dar azo a visitantes inexperados vindos de buscas no google e, até agora, ainda nem um maluquinho me bateu à porta. Humpf.
18 dezembro 2013
a sobreprojectização da nossa vida
Só há uma coisa mais cansativa que viver: é (tentar) cumprir projectos de vida. Nunca me hei de esquecer da aula de História em que a nossa fabulosa professora falava dos primeiros filósofos gregos, justificando a disponibilidade que tinham para se sentarem a pensar com a segurança material que aquela civilização tinha conquistado. Lembro-me disso sempre que me ponho a matutar em qualquer coisa em vez de ir mas é fazer o jantar ou pegar num livro. Não dura mais que uns segundos. Confesso-me uma primitiva incognoscente, mesmo que não tenha mais nada para fazer, evito pensar na vida e estruturar grandes planos para o futuro.
É que é só a mim que os grandes projectos parecem uma forma ingénua de enfrentar um amanhã que é bastante incerto? Até posso decidir que vou tirar aquele curso, investir naquela relação, dedicar-me a um desporto, e depois bate tudo ao lado. Se calhar, ainda bem. Tentar fixar um certo futuro é tão palerma como procurar agarrar o passado. E as frustrações e desilusões que daí advêm? Não é que não devamos acreditar que podem vir daí coisas muito boas, que não tentemos esforçar-nos por fazer o melhor possível naquilo em que nos envolvemos, mas se calhar mais valia estarmos um bocado sossegados e lidar com o que vai surgindo. Sem listas, sem esquemas, sem planos de contingência, sem nos transformarmos (e aos nossos filhos, como bem lembra a Calita) em amontoados de projectos e árvores de prioridades. Não sei, é uma ideia. Mas pode ser que seja mais preguiça do que outra coisa.
É que é só a mim que os grandes projectos parecem uma forma ingénua de enfrentar um amanhã que é bastante incerto? Até posso decidir que vou tirar aquele curso, investir naquela relação, dedicar-me a um desporto, e depois bate tudo ao lado. Se calhar, ainda bem. Tentar fixar um certo futuro é tão palerma como procurar agarrar o passado. E as frustrações e desilusões que daí advêm? Não é que não devamos acreditar que podem vir daí coisas muito boas, que não tentemos esforçar-nos por fazer o melhor possível naquilo em que nos envolvemos, mas se calhar mais valia estarmos um bocado sossegados e lidar com o que vai surgindo. Sem listas, sem esquemas, sem planos de contingência, sem nos transformarmos (e aos nossos filhos, como bem lembra a Calita) em amontoados de projectos e árvores de prioridades. Não sei, é uma ideia. Mas pode ser que seja mais preguiça do que outra coisa.
13 dezembro 2013
fluorose
Isto de usar marcas próprias em artigos fundamentais só podia dar mau resultado. Uma coisa é o esparguete e o atum, outra são os produtos que contribuem para a higiene oral dos nossos filhos. É que só pode ser devido à pasta de dentes que têm usado, com excesso de flúor ou outras substâncias estupefacientes, que se dá um processo estranhíssimo de metamorfose na hora de lavar os dentes. Num minuto, temos dois rapazes bem comportados a tomar o pequeno-almoço e a levar a louça para a cozinha; no minuto seguinte, transformam-se num par de diabos da Tasmânia que não param em frente ao lavatório, empoleiram-se e empurram-se do (único) banquinho, dançam de escova de dentes em riste, espalham baba e espuma pela roupa acabada de vestir, e dão cabo do yin-yang a uma mãe que ainda agora estava em tranquila meditação e logo tem, mais uma vez, de atirar a serenidade às urtigas para que ninguém chegue atrasado à escola.
12 dezembro 2013
o corpo ao manifesto II
Do lado de fora da minha janela está um homem a serrar umas tábuas e, neste momento, gostava mesmo de trocar de lugar com ele. Uma pessoa passa a juventude a estudar para ter “um emprego” e depois chega a esta altura da vida e, por muito gosto que tenha no que faz profissionalmente, há muitos dias em que anseia pelo repouso de um belo esforço puramente físico. Tantos anos de evolução, tanta ciência, tanta arte, mas aquilo que me apetecia agora era mesmo não ter de inventar novas fórmulas para descrever o que já foi descrito, debruçada sobre o teclado e respirando a brisa em segunda mão do ar condicionado. Já sei, já sei, que a chuva e o vento e os calos e as costas. Vá lá, por que é que acham que há tanta gente a fazer exercício físico em condições atmosféricas impróprias, trepando montanhas e descendo ondas? Não há nada que faça melhor à cabeça do que consagrá-la aos serviços mínimos enquanto o corpo dá no duro. Não é masoquismo nem revivalismo pré-industrial, é respeito próprio.
10 dezembro 2013
Uma família é uma árvore cujos ramos também são raízes. Não se pode quebrar o mais pequeno dos galhos sem que o tronco se verga dolorosamente. Cada folha é única, cada fruto perfeito e insubstituível.
Querida Cecília, nunca te conheci nem ouvi a tua voz mas rezei muito por ti e pela tua família. Hoje é um dia muito triste porque o teu espaço nunca poderá voltar a ser preenchido. Continuo a rezar pela tua mãe, pelo teu pai e pelas tuas irmãs. Não há consolo possível mas espero que a grande e corajosa árvore que são continue a crescer cheia de amor e ternura em tua homenagem. Não foste em vão, és a seiva que corre lentamente na vida de todos os que tocaste.
Querida Cecília, nunca te conheci nem ouvi a tua voz mas rezei muito por ti e pela tua família. Hoje é um dia muito triste porque o teu espaço nunca poderá voltar a ser preenchido. Continuo a rezar pela tua mãe, pelo teu pai e pelas tuas irmãs. Não há consolo possível mas espero que a grande e corajosa árvore que são continue a crescer cheia de amor e ternura em tua homenagem. Não foste em vão, és a seiva que corre lentamente na vida de todos os que tocaste.
06 dezembro 2013
perdão
Neste dia em que nos despedimos de Nelson Mandela (e agradecemos por ter vivido numa época em que testemunhámos a sua passagem incontornável pelo mundo), detenho-me um bocadinho na importância do perdão. Guardar zangas, rancores e mágoas é acumular lixo dentro de nós. Parece óbvio e, no entanto, pode ser tão difícil fazer este tipo de limpezas. Perdoar a sério é um exercício cardiovascular e emocional. É nadar contra a corrente. Contraria o instinto básico de respeito próprio. Faz-nos temer pela nossa inviolabilidade futura. É mesmo tramado.
E então como conseguimos perdoar quando aquele que falhou fomos nós próprios? Como podemos aceitar que não somos perfeitos, que não conseguimos ir a todas, que fazemos porcaria e temos de continuar a viver com isso? Sem as costas vergadas. Sem nos sentirmos um bicho rafeiro. Mas, se virmos bem as coisas, não é diferente de perdoar outra pessoa. É fechar um capítulo e acreditar que o passado não esgota a nossa definição. Também somos, todos, feitos dos nossos gestos de hoje e das nossas expectativas para o que só em pequena parte controlamos do futuro. Se conseguíssemos, de facto, perdoar quem nos fez mal e perdoar-nos pelo mal que fazemos, de certeza que haveria muito mais espaço para deixar o bem acontecer.
E então como conseguimos perdoar quando aquele que falhou fomos nós próprios? Como podemos aceitar que não somos perfeitos, que não conseguimos ir a todas, que fazemos porcaria e temos de continuar a viver com isso? Sem as costas vergadas. Sem nos sentirmos um bicho rafeiro. Mas, se virmos bem as coisas, não é diferente de perdoar outra pessoa. É fechar um capítulo e acreditar que o passado não esgota a nossa definição. Também somos, todos, feitos dos nossos gestos de hoje e das nossas expectativas para o que só em pequena parte controlamos do futuro. Se conseguíssemos, de facto, perdoar quem nos fez mal e perdoar-nos pelo mal que fazemos, de certeza que haveria muito mais espaço para deixar o bem acontecer.
04 dezembro 2013
monólogo em movimento
A D.S., inspirada pelo Mak, partilhou a sua experiência durante um treino de corrida, que eu não resisto a copiar. Não costumo propriamente conversar através dos meus ténis (nem sequer dirijo uma palavra às pernas, sou muito autoritária comigo mesma durante os treinos) mas digamos que 10 Km dão para pensar numa série de coisas.
Início: “É hoje, é hoje que bato o meu recorde de velocidade aos 10 Km. Vamos a isto, deixem passar, senhores varredores, que eu não estou para brincadeiras!”
1 Km: “O que é que hei de fazer amanhã para o jantar? O quê? Fiz esta miséria de tempo? Esta porcaria não está a apanhar bem o satélite, só pode. Está um fresquinho jeitoso, quando será que volto a sentir as mãos?”
2 Km: “O rio está tão bonito, hoje. Deve estar mesmo a nascer o sol. Olha um corvo marinho! Olá primo. Olha o senhor que corre de camisa de manga curta. Bom dia! Que engraçado, não há mais ninguém a correr nesta altura do ano, vá-se lá saber porquê…”
3 Km: “Hoje vou fazer batota e corto pelo Padrão dos Descobrimentos, quero lá saber. Não fazes batota, não, sua mariquinhas. Vamos a baixar essa média que o regresso vai ser a doer, com este vento. Não te esqueças de levar o livro do Gugas para devolver à biblioteca.”
4 Km: “Não tropeces nas raízes das árvores! Olha os buracos, olha o lancil do passeio, levanta as pernas, isto não é um sarau de patinagem artística. Oh, não, porcaria de música mais deprimente. Vê lá se actualizas as playlists no telemóvel.”
5 Km: “Oh, tão lindo, só eu e o Tejo (e os pescadores) a olhar para mim. Sim, eu sei, tenho um rabiosque muito jeitoso. Ahhhhh, VENTO. Está este vento todo contra??? Não consigo, não consigo, vou correr mais devagar. Não vais, não, sua lesma. Mexe-te e aguenta.”
6 Km: “Árvores, postes, caixotes do lixo: qualquer coisa que me abrigue deste vendaval demoníaco… Lá se vai o recorde, ainda não é hoje que baixo dos 50 minutos…”
7 Km: “Lá vêm os ciclistas todos contentes, todos cheios de gorros, luvas, casaquinhos e mochilas. Estão a gostar do passeio? E que tal experimentarem levantar o rabo desse selim? Não sejas má, gralha. Não te serviu a bicicleta quando estavas lesionada?”
8 Km: “Só faltam 2, só faltam 2. Olha a postura. Não franzas a testa, que ficas com rugas. Respira bem. Ganha energia para o último. Ultrapassa lá esse pintas que é para ele experimentar um pouco de humildade. Com licença, senhor pintas. Sim, é verdade, está a ser ultrapassado por uma mulher pequenina. Não, não estou a correr só 10 minutinhos, sou mesmo uma flecha. Ó minha grande vaidosa, vê lá se não te esqueces de ir comprar uma alface senão não há salada.”
9-10 Km: “Dá tudo! Dá tudo! Ai, dói-me a barriga, maldita adrenalina! Mais depressa, mais depressa! Paciência para o recorde, despacha-te porque ainda tens de ir apanhar uma máquina de roupa, fazer as camas, tirar a louça do pequeno-almoço, e hoje há outra vez greve e o trânsito deve estar uma desgraça. Só mais um bocadinho, só mais um bocadinho. Ahhhhh. Para a próxima é que é. Bacalhau com grão, amanhã faço bacalhau com grão.”
É verdade, é assim que alimento o meu ego. Imaginem quão insuportável ficaria se corresse mais do que duas vezes por semana.
Início: “É hoje, é hoje que bato o meu recorde de velocidade aos 10 Km. Vamos a isto, deixem passar, senhores varredores, que eu não estou para brincadeiras!”
1 Km: “O que é que hei de fazer amanhã para o jantar? O quê? Fiz esta miséria de tempo? Esta porcaria não está a apanhar bem o satélite, só pode. Está um fresquinho jeitoso, quando será que volto a sentir as mãos?”
2 Km: “O rio está tão bonito, hoje. Deve estar mesmo a nascer o sol. Olha um corvo marinho! Olá primo. Olha o senhor que corre de camisa de manga curta. Bom dia! Que engraçado, não há mais ninguém a correr nesta altura do ano, vá-se lá saber porquê…”
3 Km: “Hoje vou fazer batota e corto pelo Padrão dos Descobrimentos, quero lá saber. Não fazes batota, não, sua mariquinhas. Vamos a baixar essa média que o regresso vai ser a doer, com este vento. Não te esqueças de levar o livro do Gugas para devolver à biblioteca.”
4 Km: “Não tropeces nas raízes das árvores! Olha os buracos, olha o lancil do passeio, levanta as pernas, isto não é um sarau de patinagem artística. Oh, não, porcaria de música mais deprimente. Vê lá se actualizas as playlists no telemóvel.”
5 Km: “Oh, tão lindo, só eu e o Tejo (e os pescadores) a olhar para mim. Sim, eu sei, tenho um rabiosque muito jeitoso. Ahhhhh, VENTO. Está este vento todo contra??? Não consigo, não consigo, vou correr mais devagar. Não vais, não, sua lesma. Mexe-te e aguenta.”
6 Km: “Árvores, postes, caixotes do lixo: qualquer coisa que me abrigue deste vendaval demoníaco… Lá se vai o recorde, ainda não é hoje que baixo dos 50 minutos…”
7 Km: “Lá vêm os ciclistas todos contentes, todos cheios de gorros, luvas, casaquinhos e mochilas. Estão a gostar do passeio? E que tal experimentarem levantar o rabo desse selim? Não sejas má, gralha. Não te serviu a bicicleta quando estavas lesionada?”
8 Km: “Só faltam 2, só faltam 2. Olha a postura. Não franzas a testa, que ficas com rugas. Respira bem. Ganha energia para o último. Ultrapassa lá esse pintas que é para ele experimentar um pouco de humildade. Com licença, senhor pintas. Sim, é verdade, está a ser ultrapassado por uma mulher pequenina. Não, não estou a correr só 10 minutinhos, sou mesmo uma flecha. Ó minha grande vaidosa, vê lá se não te esqueces de ir comprar uma alface senão não há salada.”
9-10 Km: “Dá tudo! Dá tudo! Ai, dói-me a barriga, maldita adrenalina! Mais depressa, mais depressa! Paciência para o recorde, despacha-te porque ainda tens de ir apanhar uma máquina de roupa, fazer as camas, tirar a louça do pequeno-almoço, e hoje há outra vez greve e o trânsito deve estar uma desgraça. Só mais um bocadinho, só mais um bocadinho. Ahhhhh. Para a próxima é que é. Bacalhau com grão, amanhã faço bacalhau com grão.”
É verdade, é assim que alimento o meu ego. Imaginem quão insuportável ficaria se corresse mais do que duas vezes por semana.
03 dezembro 2013
venham a mim, livrinhos esvoaçantes
Ho! Ho! Ho! E eis que chega a tão ansiada altura em que faço de conta que recebo subsídio de Natal e me desgraço a passar um bom bocado da lista dos to read da minha área do Goodreads para as estantes do meu serpenteante corredor. A sensação deve ser parecida com a que experimentam as meninas que se atiram aos saldos da Zara, com a diferença que elas passam a andar vestidas de acordo com a moda e eu continuo a usar as mesmas calças desde mil nove e noventa e tal (mas com muito mais ideias, dúvidas e inquietações). Aguardo agora a chegada das encomendas como uma criança na manhã de 25 de Dezembro. Obedientemente terei que esperar uns dias, já que virão ainda pela antiquada via dos correios e não de drone nem de mocho, essas novas tendências da distribuição postal que prometem comprometer o espaço aéreo internacional e provocar a morte por colisão em vôo a muitas das minhas irmãs aves.
28 novembro 2013
dando graças
Hoje vai haver disto
acompanhado disto
e finalizado com isto
E eu tenho alguma pena porque esta refeição será mais um cumprir de itens na lista de afazeres do que um momento sereno em família, para reconhecer aquilo de bom que vimos recebendo. Sei que tenho muito por que estar agradecida, tenho uma vida abençoada e muitas vezes não consigo sentir, mais do que saber, isso. Hoje dou graças, então, por haver quem me ature.
Imagens daqui, dali e de acolá.
27 novembro 2013
scrooge
Ainda nem começou o Advento e já nos andam a impingir rifas, cabazes, campanhas, barretes, promoções, calendários, polivórios, hashtags e mais o diabo a quatro. Deixem o menino Jesus em paz, qualquer dia até ele nasce prematuro e, em vez de manjedoura e pastores, faz-se um Presépio com incubadora e enfermeiras de neonatologia.
25 novembro 2013
prazeres primordiais
Venham propostas indecentes, passeios de Maserati Grancabrio nas marginais de Monte Carlo, taça de Dom Perignon numa mão, tosta coberta de ovinhos de beluga na outra, a nona sinfonia de Beethoven a iluminar ainda mais uma tarde de sol reflectida no Mediterrâneo: desdenho-as. Nada se compara ao deleite de entrar na cama com o meu pijama de peluche depois de ter enchouriçado os meus filhos, com comida boa e roupa quente, e nem uma só tossidela interrompendo o sossego de uma noite de Domingo.
22 novembro 2013
tens toda a razão, é uma grande estupidez
Mamã, isso não dói?
Dói.
E queima?
Sim.
Então por que é que fazes?
Porque não gosto dos meus pelos.
Eu gosto dos meus.
Pois.
Seguidos de 20 minutos acerca de usos, cores, acessórios, desportos, profissões e direitos de homens e mulheres, do casamento homossexual, da ordenação de mulheres, da forma como o mundo muda mas ainda há muita coisa estranha a acontecer. Porque vão ouvir muitas coisas realmente estranhas na escola em relação ao que sempre ouviram em casa. E o remate casual de um rapaz que não compreende como é que tudo isso pode ser sequer questionado: “não percebo mesmo por que é que as mulheres não hão de poder conduzir na Arábia Saudita. Têm sempre de andar à boleia?”
Dói.
E queima?
Sim.
Então por que é que fazes?
Porque não gosto dos meus pelos.
Eu gosto dos meus.
Pois.
Seguidos de 20 minutos acerca de usos, cores, acessórios, desportos, profissões e direitos de homens e mulheres, do casamento homossexual, da ordenação de mulheres, da forma como o mundo muda mas ainda há muita coisa estranha a acontecer. Porque vão ouvir muitas coisas realmente estranhas na escola em relação ao que sempre ouviram em casa. E o remate casual de um rapaz que não compreende como é que tudo isso pode ser sequer questionado: “não percebo mesmo por que é que as mulheres não hão de poder conduzir na Arábia Saudita. Têm sempre de andar à boleia?”
21 novembro 2013
(ainda?) gosto destes blogues
Aquele menu ali ao lado já mudou muito desde que o criei, em 2006. Inclusive desde o ano passado, altura em que andei a fazer estatísticas em cima do joelho para perceber o é que as pessoas com quem me cruzo pelas redes sociais dizem sobre mim. Há agora mais desempregados, mais divorciados, mais emigrados. Também tenho a sensação que há gente mais nova, parece que certa geração acaba por desligar-se destes meios. Compreendo, tenho vontade de fazer o mesmo certas vezes. A Internet também tem mudado muito, nem sempre de acordo com aquilo que me agrada. Tenho pena que muitos dos que começaram a comercializar a sua presença online tenham mudado tanto. Não condeno quem promove produtos, ainda que nem sempre o façam explicitamente. Entendo que deixem de expor determinadas opiniões pessoais para obedecer a uma linha editorial que alcance maior consenso. Sei que há temas que fazem chover hits e há muitos bancos de imagens de onde pescar a representação dos nossos desejos através de filtros simpáticos. O que me custa mesmo mais é quando alguém desaparece ou, inversamente, passa a picar ponto a toda a hora nem que seja à custa de conteúdos regurgitados de outras fontes. Sei que ninguém assina contratos de fidelização nestes meios, ninguém nos promete nada, mas não deixo de pensar que aqueles que vão permanecendo fieis a si mesmos são os únicos que merecem um lugar na nossa vida, nem que seja nos 5 minutos da pausa para café.
20 novembro 2013
curso de vôo para bípedes
As terças-feiras são os meus dias de semi-folga de mãe biológica, aqueles em que é o pai a tratar dos nossos rapazes e do jantar. São dias que começam mais cedo, para ir correr, e acabam mais tarde, muitas vezes com a barriga infeliz fruto da refeição menos bem conseguida (desculpa lá, marido, mas a cozinha não se conta entre um dos teus muitos dons) e o coração cheio de saudades dos meus pequeninos, que vejo de raspão, ao deitar. Estes dias terminam com uma sala cheia de pré-adolescentes barulhentos e animados, que demoram a deixar de lado telemóveis, queixas de excesso de trabalhos de casa e conversas de amigos, para darem espaço a algum sossego e pensarem sobre a vida e a nossa condição de filhos muito amados.
Já dou catequese há perto de 14 anos e continua a valer a pena. É muito cansativo e é muito compensador. Lido com todo o tipo de meninos, desde aos mais tímidos aos mais expansivos, dos mais humildes aos maiores fanfarrões, meninas de pulseiras até ao cotovelo e meninos com um nariz por assoar há demasiado tempo. E reconheço todos os anos como é encantador conviver com gente destas idades, já muito consciente do que se passa e ainda sem boa parte da tonteria da adolescência. Adoro as perguntas que fazem e fico incrivelmente tocada quando sinto que percebem que aquilo de que estamos a falar tem directamente a ver com a vida deles. Senão não valia a pena aquela hora semanal, subtraída ao estudo e ao tempo em família. Vê-los a crescer e a assumir a sua identidade, sem medo de ter dúvidas, sem pretensão de certezas, com auto-estima e respeito pelos outros – essa é a maior recompensa. E é incrível como, todos os anos, sinto que são um bocadinho meus e custa vê-los levantar vôo. Só que é precisamente para isso que estamos juntos, numa espécie de rampa de lançamento para a vida sem pára-quedas mas com um GPS muito especial.
Já dou catequese há perto de 14 anos e continua a valer a pena. É muito cansativo e é muito compensador. Lido com todo o tipo de meninos, desde aos mais tímidos aos mais expansivos, dos mais humildes aos maiores fanfarrões, meninas de pulseiras até ao cotovelo e meninos com um nariz por assoar há demasiado tempo. E reconheço todos os anos como é encantador conviver com gente destas idades, já muito consciente do que se passa e ainda sem boa parte da tonteria da adolescência. Adoro as perguntas que fazem e fico incrivelmente tocada quando sinto que percebem que aquilo de que estamos a falar tem directamente a ver com a vida deles. Senão não valia a pena aquela hora semanal, subtraída ao estudo e ao tempo em família. Vê-los a crescer e a assumir a sua identidade, sem medo de ter dúvidas, sem pretensão de certezas, com auto-estima e respeito pelos outros – essa é a maior recompensa. E é incrível como, todos os anos, sinto que são um bocadinho meus e custa vê-los levantar vôo. Só que é precisamente para isso que estamos juntos, numa espécie de rampa de lançamento para a vida sem pára-quedas mas com um GPS muito especial.
19 novembro 2013
um caso crónico de mãezite aguda
Fizemos tudo de acordo com os manuais. Partilhámos tarefas e colos, abolimos estigmas de género, incluímos avós, tios, amigos, animais de estimação. E tentamos, pai e mãe, estar presentes nos bons e nos maus momentos. Mas a verdade é que os nossos filhos só querem a mãe, deixando o pobre pai sempre no banco dos suplentes. Pobre, uma ova, que só eu sei o que é não conseguir ir à casa de banho sem companhia, ser chamada para todos os grandes e pequenos serviços, ser a fonte de todas as consolações e, sobretudo, ter de ouvir milhares de vezes ao dia um mamãããã balido a duas vozes. Esta mamã adora os seus ricos filhinhos mas gostava de saber quando é que vai conseguir passar uns momentos de sossego sem ser o centro do filhuniverso. Alguém sabe como se cura esta maleita? E, não, não é com uma temporada longe deles - basta ir levar o lixo sem avisar e há logo lágrimas e efeito vácuo no regresso. Ainda me vão deixando vir trabalhar mas temo que, qualquer dia, tenha de arranjar duas cadeiras em miniatura para ficarem a fazer-me perguntas e a dizerem que querem beber sumo de mamã [sic] enquanto faço revisão de textos.
Agora é aquela parte em que me caem em cima, que sou uma ingrata e vou ter saudades quando tiverem buço e estiverem no auge da parvoeira.Vocês sabem lá.
Agora é aquela parte em que me caem em cima, que sou uma ingrata e vou ter saudades quando tiverem buço e estiverem no auge da parvoeira.Vocês sabem lá.
[Imagem copiada de um tumblr fenomenal sugerido pela encantadora Carla R., sempre ao serviço das mães capotadas]
18 novembro 2013
garantias de novembro
Dormir de pantafones. Perder a vontade de saltar da cama às 6h. Resignar-me e secar o cabelo. Coleccionar receitas de tartes e bolos. Sonhar com casas novas. Passear pelos sites de lojas de decoração. Lutar contra o monstro das tosses infantis. Desejar viagens prolongadas. Contar os dias até ao solstício. Ler com as mãos escondidas nas mangas. Lembrar-me dos amigos com quem já não estou há demasiado tempo. Correr muito mais depressa para combater o frio. Desejar que as folhas das árvores caiam logo de uma vez para dar lugar aos rebentos de Fevereiro. Vivendo sempre por antecipação mas mais ainda nesta altura.
15 novembro 2013
um minuto de optimismo
O que vale é que hoje à noite vamos ganhar o Euromilhões e, quando vier trabalhar na segunda-feira, faço aviõezinhos de papel com as folhas Excel que tenho andado a debitar às dúzias. E pago as dívidas de todos os meus amigos com a corda na garganta. E compro um burro. E uma casa. Com lareira. Mas daquelas a sério, que fazer o amor à luz da chama do YouTube, parecendo que não, é menos animador do que o crepitar ao vivo de um bom bocado de azinho.
14 novembro 2013
dudu gaga
Uma amiga (olá Leonor!) trouxe para a arena do Facebook este texto do Dr. Eduardo Sá, agitando as águas desse mar imprevisível que é uma família em crescimento. Ninguém pode vir aqui culpar as minhas hormonas do facto de achar esta crónica, como muitas outras do mesmo autor, uma camada de disparates. Deixando de lado o estilo inónico-patetinha e o tom monocórdico que transborda até para os caracteres escritos, a verdade é que este senhor parte de uma premissa aparentemente universal de que o nascimento de um irmão é uma afronta para os principezinhos que regiam a dinâmica do pequeno reino familiar. É claro que há muitos casos em que o processo de adaptação a um irmão pode ser complicado, mas daí a achar que essa é a regra, ou sequer o comportamento expectável, vai uma grande distância.
Pérolas como “ [a afirmação] «eles gostam muito um do outro» – tão do agrado dos pais – é slogan. (…) Como é possível não ter um ódiozinho de estimação por quem, só porque reclama o nosso brinquedo favorito com o volume no máximo, merece do pai e da mãe um meloso «deixa lá!...»? (…) uma criança não é obrigada a saber que um bebé vem equipado com tantas restrições que, em vez dele ser um presente, o transformam num encargo para toda a vida” fazem-me ter alguma vontade de dar um tautau ao Dudu. O Dudu sabe que há crianças que amam tanto os irmãos que ficam com os olhos a brilhar de orgulho quando já conseguem gatinhar? Imagina que há rapazinhos de 6 anos que tiram espontaneamente a própria roupa para agasalhar um irmão que está doente? Acredita que é mesmo possível que a filharada não se imagine a crescer uns sem os outros, com as cumplicidades, partilhas e barafundas normais que daí decorrem? O cúmulo da loucura: é mesmo verdade que alguns pais e mães conseguem desempenhar o perigosíssimo exercício de equilibrismo de integrar um novo ser e nunca deixar que o que já existia se sinta menos no topo das prioridades e dos afectos. É uma espécie de magia, Dudu, chama-se amor incondicional e boas doses de bom senso. Lamento imenso se os seus manos lhe tiraram o seu brinquedo favorito e nunca conseguiu ultrapassar o trauma.
Pérolas como “ [a afirmação] «eles gostam muito um do outro» – tão do agrado dos pais – é slogan. (…) Como é possível não ter um ódiozinho de estimação por quem, só porque reclama o nosso brinquedo favorito com o volume no máximo, merece do pai e da mãe um meloso «deixa lá!...»? (…) uma criança não é obrigada a saber que um bebé vem equipado com tantas restrições que, em vez dele ser um presente, o transformam num encargo para toda a vida” fazem-me ter alguma vontade de dar um tautau ao Dudu. O Dudu sabe que há crianças que amam tanto os irmãos que ficam com os olhos a brilhar de orgulho quando já conseguem gatinhar? Imagina que há rapazinhos de 6 anos que tiram espontaneamente a própria roupa para agasalhar um irmão que está doente? Acredita que é mesmo possível que a filharada não se imagine a crescer uns sem os outros, com as cumplicidades, partilhas e barafundas normais que daí decorrem? O cúmulo da loucura: é mesmo verdade que alguns pais e mães conseguem desempenhar o perigosíssimo exercício de equilibrismo de integrar um novo ser e nunca deixar que o que já existia se sinta menos no topo das prioridades e dos afectos. É uma espécie de magia, Dudu, chama-se amor incondicional e boas doses de bom senso. Lamento imenso se os seus manos lhe tiraram o seu brinquedo favorito e nunca conseguiu ultrapassar o trauma.
realidade ma non troppo
Digam-me que vim mal vestida, quando vim mal vestida. Confirmem-me o mau estado do penteado, ainda que com meiguice. Informem-me do par de chifres na testa, se algum dia elas despontarem. Reconheçam que a minha mousse deslaçou. Apresentem-me os resultados dos exames médicos, a carta de despedimento, a crítica mais dolorosa. Mas não me obriguem a ir ver à conta quanto é que já deixámos no mecânico este mês.
13 novembro 2013
lodo
Sabemos que estamos a entrar em queda livre quando o círculo vicioso do cansaço, da desmotivação e do desânimo, apatia e culpa, não dá mostras de ter saída. Tapamos os ouvidos às grandes tragédias do mundo e tentamos não nos perder nos nossos pequenos males, irrisórios e desprezíveis à luz da razão. Alarga-se mais a espiral da culpa, desânimo, apatia. E não há sentido que desperte com a ideia do café acabado de fazer. Não há perspectiva de horizontes por estrear. Não há sequer o consolo murcho do sarcasmo – maldita a hora em que percebemos que não passa de um jogo de espelhos – ou da falsa sensação de superioridade sobre outras vidas aparentemente absurdas e minúsculas. Ouvimos o eco das nossas orações e questionamos a Fé sob novas perspectivas. Os valores relativizam-se. Os pequenos prazeres diluem-se. A televisão de lixo já não hipnotiza e as montras electrónicas de vaidades não causam reacção. Diz que as drogas não compensam. No meio disto tudo, pouco mais há a fazer do que esperar que passe. Vai passando. Enquanto não passa, rastejamos como vermes viscosos e cinzentos, presos por correias de que não nos conseguimos libertar. Isto de viver todos os dias ao sabor da nossa própria flutuação de humores é o mais indissolúvel e involuntário dos compromissos. É uma partida da natureza que arrastamos fastidiosamente como um membro inerte. Nós, cada um com
o seu peso morto. Reparamos nisso quando escrevemos no plural e há uma sugestão
de alívio na condição colectiva de nadadores em areia movediça.
08 novembro 2013
o saldo é muito positivo
Estava para aqui a ruminar neste post da Ana C. e a pensar que tem muita razão, pois tem, a vida virtual ocupa demasiadas vezes demasiado espaço na vida real. Distrai-nos e aliena-nos mais do que gostaríamos de admitir. Mas também é facto que, se não fossem as redes sociais, nunca teria conhecido (virtual e realmente) muitas pessoas que têm marcado a minha vida, que são uma referência. Ter-me-ia sentido ainda mais sozinha quando estava nos EUA. Não saberia de tantas pessoas maravilhosas, inspiradoras, verdadeiras, corajosas, que não se cruzam comigo no trajecto casa-escolas-trabalho e, por isso, nunca teriam feito parte do que sou hoje. Na verdade, não sei quem seria hoje se estas pessoas não me tivessem dado tantos puxões de orelhas, tantos empurrões, tantos abraços virtuais - porque a realidade é que, na correria das semanas de trabalho, é muito bom poder esticar o nosso tempo e o nosso espaço, ligando-nos online a gente com quem tecemos teias de empatia sobre uma trama de partilhas corriqueiras (e não só).
Agora era a altura em que eu fazia o discurso do I would like to thank fulano e sicrano, mas isto não é a cerimónia dos Óscares. Acho que vocês, que fazem a diferença nos meus dias, sabem quem são: obrigada.
Agora era a altura em que eu fazia o discurso do I would like to thank fulano e sicrano, mas isto não é a cerimónia dos Óscares. Acho que vocês, que fazem a diferença nos meus dias, sabem quem são: obrigada.
07 novembro 2013
lista de métodos que não resultam
Nesta labuta diária de educar rapazes, há os gestos que fazemos de cor e há todos os outros que vamos ensaiando, falhando e procurando alternativas. A recém-mãe insone desespera porque, quando o bebé já aprendeu a não arrancar a própria chucha, descobre que consegue rebolar da cama até ao chão. A mãe de crianças pequenas, por seu turno, já conhece de gingeira esta capacidade que os adoráveis seres têm de crescer num piscar de olhos e baralhar as poucas certezas adquiridas. Basta que achemos que já dominámos a fera da birra, o papão dos pesadelos, a manha da sopa, e logo vem outra crise que nos faz regressar à humilde posição de eterna aprendiz. E então voltamos a experimentar.
Só que a imaginação pedagógica tem limites. Quando um filho faz fita por tudo e por nada (com ênfase no nada), vamos ao armário e, consoante os dias, sacamos dos adereços de várias personagens: a cara serena, de quem aguarda que aquilo passe por si; a cara zangada, de quem se sente abusada por um pequeno tirano; a cara assertiva, porém compreensiva, de quem sabe que todos temos dias difíceis; a cara de palhaço, de quem já está por tudo, desde que ele se distraia; a cara de vítima, de quem anseia por empatia e compreensão; a cara de desespero, de quem já não sabe para onde se virar e está a contar os minutos para o deitar. Hoje fui desencantar a cara de ternura e paciência infinitas, com uns retoques epicuristas. Parámos no meio do jardim, assoei-lhe o nariz e dei-lhe um abraço prolongado. Convidei-o a olhar para cima, a descobrirmos juntos o céu por entre as folhas amarelas das árvores. Foi um momento muito bonito. E suspendeu as lágrimas até chegarmos à escola e surgir outro pequeno drama.
Só que a imaginação pedagógica tem limites. Quando um filho faz fita por tudo e por nada (com ênfase no nada), vamos ao armário e, consoante os dias, sacamos dos adereços de várias personagens: a cara serena, de quem aguarda que aquilo passe por si; a cara zangada, de quem se sente abusada por um pequeno tirano; a cara assertiva, porém compreensiva, de quem sabe que todos temos dias difíceis; a cara de palhaço, de quem já está por tudo, desde que ele se distraia; a cara de vítima, de quem anseia por empatia e compreensão; a cara de desespero, de quem já não sabe para onde se virar e está a contar os minutos para o deitar. Hoje fui desencantar a cara de ternura e paciência infinitas, com uns retoques epicuristas. Parámos no meio do jardim, assoei-lhe o nariz e dei-lhe um abraço prolongado. Convidei-o a olhar para cima, a descobrirmos juntos o céu por entre as folhas amarelas das árvores. Foi um momento muito bonito. E suspendeu as lágrimas até chegarmos à escola e surgir outro pequeno drama.
06 novembro 2013
05 novembro 2013
o embuste do começardenovismo
Permitam-me o desabafo: estou farta daquela conversa do life coaching, do positivismo, do abraçar novos projectos a cada esquina. Gente, às vezes um obstáculo na vida é isso mesmo, um obstáculo, e não um incentivo a encontrar caminhos alternativos; um espinho não é uma coceguinha boa na criatividade, é uma coisa que pica e dói. Uma dificuldade não é um desafio à imaginação, é algo com que temos de lidar de peito aberto. Chega de nos tentarem vender que a saída é sempre em fuga para a frente. Basta de sugerirem que faz sentido abraçar empreitadas de fresco a cada segunda-feira. E que tal experimentarem um bocadinho de perseverança? Que tal ousarem a paciência para o chefe chato, para o marido de há anos, para o cão velho que já não sobe sozinho para o sofá? Toda a gente gosta de novidades mas hay que tenerlos para insistir num sonho antigo, para terminar uma tese, para ler aquele livro até ao fim, para continuar a andar mesmo nos dias em que aquilo tudo já não faz sentido nenhum. Isso é que era coisa de gente crescida: deixarem-se de mantras em letterings fofinhos e darem no duro na vida real, de todos os dias.
E, por amor de Deus, parem de viver para
04 novembro 2013
andamos a criar um capitalista
O meu filho mais velho nunca ligou bóia ao dinheiro. Tem um mealheiro para onde atira os trocos que lhe dão, e que serve para chocalhar e dançar La Cucaracha, ponto final. Vivi assim três anos na doce inocência, achando que isso do materialismo e da fuçanguice eram aquisições sociais, coisas que os miúdos aprendem dos progenitores com esse tipo de… gosto.
Ora uma pessoa está sempre a ser recordada que os miúdos são mesmo todos diferentes e já vêm com um chip que lhes programa o feitio, manias e inclinações. Tenho pois de reconhecer que o meu filho mais novo gosta mesmo de coisas. E de dinheiro. Está sempre a dizer que gostava de ter isto ou aquilo. Nós dizemos que não podemos comprar tudo o que pede, passamos a bola ao Pai Natal e sugerimos que ele arranje modos de ganhar o seu próprio estipêndio. Ele passou a receber uma moeda pela dura tarefa de me dar as molas da roupa (que demora muito mais a estender), começou a vender desenhos ao tio, e a cantar por encomenda, qual papagaio amestrado. Até o irmão se compadeceu deste espírito acumulador de pilim e prometeu partilhar com ele o conteúdo do mealheiro.
Tudo muito bonito até ao momento em que, adquirida a muito desejada flauta, esta não chegou a durar um dia antes de sucumbir perante a fervorosa paixão musical e desfazer-se em pequenas peças. Mais uma lição sobre a economia capitalista, meu filho: comprar barato e made in China não costuma compensar a longo prazo. O problema é que quem teve de ouvir uma miniatura a choramingar “quero mais dinheeeeeirooo” todo o caminho até à escola foi esta alma desprendida, que só tinha vontade de lhe atirar moedas para ver se ele se calava, destruindo toda a esforçada pedagogia do valor do trabalho e do saber dar o devido valor às coisas. Nada que não venha a acontecer de qualquer forma, assim que os avós se apiedarem do pequeno pedinte pestanudo.
Ora uma pessoa está sempre a ser recordada que os miúdos são mesmo todos diferentes e já vêm com um chip que lhes programa o feitio, manias e inclinações. Tenho pois de reconhecer que o meu filho mais novo gosta mesmo de coisas. E de dinheiro. Está sempre a dizer que gostava de ter isto ou aquilo. Nós dizemos que não podemos comprar tudo o que pede, passamos a bola ao Pai Natal e sugerimos que ele arranje modos de ganhar o seu próprio estipêndio. Ele passou a receber uma moeda pela dura tarefa de me dar as molas da roupa (que demora muito mais a estender), começou a vender desenhos ao tio, e a cantar por encomenda, qual papagaio amestrado. Até o irmão se compadeceu deste espírito acumulador de pilim e prometeu partilhar com ele o conteúdo do mealheiro.
Tudo muito bonito até ao momento em que, adquirida a muito desejada flauta, esta não chegou a durar um dia antes de sucumbir perante a fervorosa paixão musical e desfazer-se em pequenas peças. Mais uma lição sobre a economia capitalista, meu filho: comprar barato e made in China não costuma compensar a longo prazo. O problema é que quem teve de ouvir uma miniatura a choramingar “quero mais dinheeeeeirooo” todo o caminho até à escola foi esta alma desprendida, que só tinha vontade de lhe atirar moedas para ver se ele se calava, destruindo toda a esforçada pedagogia do valor do trabalho e do saber dar o devido valor às coisas. Nada que não venha a acontecer de qualquer forma, assim que os avós se apiedarem do pequeno pedinte pestanudo.
01 novembro 2013
31 outubro 2013
haverá choro e ranger de dentes
Das poucas coisas que trouxemos na mala de cartão (de regresso), veio um dólar amarfanhado, para nos lembrar da riqueza acumulada, e a tradição do Halloween. Infelizmente, como disse no ano passado, não há meio desta festa ganhar adeptos na nossa zona, pelo que temos de fazê-la dentro dos doze metros quadrados da nossa sala. Paciência, o que conta é a intenção. E a intenção é essencialmente aproveitar este dia para dar largas ao dramatismo e ao feitio de bruxa que tem de ser ocultado no resto do ano. Hoje, não. Hoje não tenho de fazer de conta que sou uma mãe boazinha que nunca se enerva mesmo quando eles espalham pegadas de plasticina pelo corredor. Hoje posso ser má e falar com um tom de voz cavernoso. Hoje é aceitável chegar ao fim da tarde com o rímel esborratado e com o cabelo desgrenhado (o que só vem provar que as bruxas sempre foram mulheres bastante sensatas no que toca às prioridades de vida, dedicando-se mais ao estudo do que ao aprumo do visual).
Meus meninos, a ementa está preparada: sopa de ratazanas em sangue, pizza de aranhas e, à sobremesa, fantasmas de banana com gelado. Falta pendurar as teias de aranha, acender as velas e pôr a banda sonora do Les Revenants a tocar. Só faltam quatro horas para o pôr do sol, muahahah!
Depois, se eles não conseguirem dormir, o papá que vá aconchegar-lhes os cobertores.
Meus meninos, a ementa está preparada: sopa de ratazanas em sangue, pizza de aranhas e, à sobremesa, fantasmas de banana com gelado. Falta pendurar as teias de aranha, acender as velas e pôr a banda sonora do Les Revenants a tocar. Só faltam quatro horas para o pôr do sol, muahahah!
Depois, se eles não conseguirem dormir, o papá que vá aconchegar-lhes os cobertores.
29 outubro 2013
também na senda da boa vizinhança
Finalmente o Estado resolveu chamar a si a responsabilidade de gerir a vida doméstica dos cidadãos. Em boa hora se abandona o laxismo democrático e se endireita à força as vidas deste povo libertino e porcalhão. Já chega de famílias com mais de dois cães, quatro gatos, cinco filhos, dez bonsais, vinte moscas da fruta e cem pontos de QI per capita. Se me é permitida a proposta de alargamento deste oportuno decreto, sugiro:
Que seja proibido andar de sapatos pela casa;
Que se ouça música entre as 20h e as 19h, sobretudo se não for da que eu gosto;
Que se fume à janela;
Que se copule acima dos 20 decibéis de contentamento;
Que se tenha filhos que choram (independentemente do número);
Que se abra/feche estores entre as 6h e as 18h;
Que se veja telenovelas com o som tão alto que faça tremer candeeiros;
Que se abra a porta aos distribuidores de publicidade;
Que se ande a cuscar na janela da cozinha quando eu passo por lá em roupa interior;
Que se ria às gargalhadas quando eu não estou de bom humor.
Que seja proibido andar de sapatos pela casa;
Que se ouça música entre as 20h e as 19h, sobretudo se não for da que eu gosto;
Que se fume à janela;
Que se copule acima dos 20 decibéis de contentamento;
Que se tenha filhos que choram (independentemente do número);
Que se abra/feche estores entre as 6h e as 18h;
Que se veja telenovelas com o som tão alto que faça tremer candeeiros;
Que se abra a porta aos distribuidores de publicidade;
Que se ande a cuscar na janela da cozinha quando eu passo por lá em roupa interior;
Que se ria às gargalhadas quando eu não estou de bom humor.
28 outubro 2013
mata pequena
Juntam-se dezassete amigos e respectivos filhos, ocupam uma fileira de casinhas lindas e prolongam dias de sol e brincadeira ao ar livre com noites demasiado animadas para o avançado da idade. Misturam isso tudo com pão quente, queijo, vinho, castanhas, chouriço, sopa passada, brinquedos espalhados por todo o lado e gatos atrevidos que entram sabe-se lá por onde. Ganham em gargalhadas o que perdem em horas de sono. E conhecem outras dimensões da amizade e de si próprios enquanto pais. Não sei se é preciso uma aldeia para criar uma criança mas ficou provado que, numa aldeia, até a criança mais mal-criada tem sempre um terreiro onde gastar energia e um rancho de tios, primos e galinhas que lhe ganham aos pontos no campeonato da barulheira e do disparate.
25 outubro 2013
isto é tão bom, tenho de partilhar
Ó p'ra mim a publicar imagens de comida. Mas a verdade é que gostamos tanto disto lá por casa que era injusto que o resto do mundo não pudesse prová-lo. É o meu tabouleh com nozes e rabanetes. Ide já comprar os ingredientes, afiai o cutelo, e tende um bom fim-de-semana.
A foto está amarela porque eu tenho muito jeito com isto dos filtros mas garanto que não leva caril nem açafrão, leva:
500 gr. couscous
2 limões
2 laranjas
Azeite
1 cebola
1 pepino
2/3 tomates
1 molho grande de coentros
Sal e pimenta q.b.
Rabanetes e nozes para guarnecer
Mãos à obra: Ralar a casca dos limões, espremê-los e às laranjas. Adicionar a mesma quantidade de azeite, acrescentar pimenta e mexer. Deitar o couscous seco num pirex, verter aquela sumenga lá para cima e envolver bem com um garfo. Depois vem a trabalheira de cortar bem fininhos a cebola, o pepino e os coentros. Juntar ao couscous e envolver. A seguir, ir fazer o jantar porque este prato tem de ficar a cozer de uma noite para a outra, pelo que devem guardá-lo no frio, coberto de película aderente. No dia seguinte falta só cortar e adicionar o tomate, temperando com sal e rectificando a quantidade de azeite. Depois, acrescentar os rabanetes e as nozes, e abrir uma garrafita de Monte das Servas branco 2009, que vai muito bem com aquela sinfonia cítrica. E ajuda a não reparar nos bocados de couscous que vão sendo deixados cair à volta da mesa pelos comensais mais incompetentes. Bom apetite!
A foto está amarela porque eu tenho muito jeito com isto dos filtros mas garanto que não leva caril nem açafrão, leva:
500 gr. couscous
2 limões
2 laranjas
Azeite
1 cebola
1 pepino
2/3 tomates
1 molho grande de coentros
Sal e pimenta q.b.
Rabanetes e nozes para guarnecer
Mãos à obra: Ralar a casca dos limões, espremê-los e às laranjas. Adicionar a mesma quantidade de azeite, acrescentar pimenta e mexer. Deitar o couscous seco num pirex, verter aquela sumenga lá para cima e envolver bem com um garfo. Depois vem a trabalheira de cortar bem fininhos a cebola, o pepino e os coentros. Juntar ao couscous e envolver. A seguir, ir fazer o jantar porque este prato tem de ficar a cozer de uma noite para a outra, pelo que devem guardá-lo no frio, coberto de película aderente. No dia seguinte falta só cortar e adicionar o tomate, temperando com sal e rectificando a quantidade de azeite. Depois, acrescentar os rabanetes e as nozes, e abrir uma garrafita de Monte das Servas branco 2009, que vai muito bem com aquela sinfonia cítrica. E ajuda a não reparar nos bocados de couscous que vão sendo deixados cair à volta da mesa pelos comensais mais incompetentes. Bom apetite!
Vṛkṣāsana
Pé ante pé, sinto
a aproximar-se pelo corredor escuro nem um metro de gente, acordado bem antes
da hora. Enquanto faço de conta que não reparo, mantendo irrepreensivelmente o
equilíbrio do meu Asana, ele senta-se
no sofá, embrulha-se no meu roupão e observa-me. “Parece um triângulo”. Desfaço
o pose, dou-lhe um beijinho, estico os braços e elevo uma perna. É cedo e
estamos ambos bem despertos. Reparo mais uma vez como é tão parecido comigo e perdoo-lhe a subtracção daqueles momentos que gosto de reservar para mim.
Hoje não leio ao pequeno-almoço: conversamos em surdina. “Não foi minha por
causa que acordei, mamã, foi por causa do senhor vizinho”. Bem sei, é um dos
encantos de se viver num prédio quase centenário. Vamos fazer chá, torradas com
mel e canela, e esperamos que o resto da casa acorde.
Reparem no esforço para encontrar coisas boas desta altura do ano, reparem! Pronto, não me queixo mais.
Reparem no esforço para encontrar coisas boas desta altura do ano, reparem! Pronto, não me queixo mais.
24 outubro 2013
se desejares uma coisa com muita força, ela acontece
Há quem sonhe com um corpo escultural. Quem idealize sonos retemperadores de apenas duas horas diárias. Aqueles que desejam um sorriso imaculado e os que só pedem que o tempo não multiplique os efeitos da força da gravidade. Eu gostava muito de gostar de chuva. Mas não há meio, senhores, não há meio.
23 outubro 2013
coisas que não sei explicar
Este post da S. voltou a escavar no abismo que há em mim e provavelmente em muitas mulheres, que separa aquilo que tentamos ser racionalmente e o que fazemos movidas sabe-se lá por que motivos emocionais/biológicos/societais (seleccione a opção desejada). Afinal de onde vem a decisão de ter filhos, pelo menos para aquelas que o decidem conscientemente? Para as outras pessoas, não sei. E respeito em absoluto as razões de cada um. Para mim é claro como água: é para poder gostar deles, ponto final. Objectivo mais egoísta era difícil.
O que é mesmo estranho é que eu já desconfiava que ia gostar assim deles antes de os ter. Como é que eu sabia isto? Como é que, desde pequenina, tenho cá dentro um novelo anafado de amor infinito para desembrulhar? Não sei, mas tenho. Da mesma maneira que ao ter o segundo filho sabia que não o amaria menos do que o primeiro. Ou terceiro, quarto, quinto, quantos viessem. Da mesma forma que me sinto profundamente amada desde tenra idade, antes de o verbalizar ou de compreender o que é isto de ser filha nas suas várias implicações. Será que há pessoas que nascem com tão grande superavit de afecto que não concebem guardá-lo todo cá dentro? E por que é que esse amor há de ser direccionado para aqueles que geramos ou adoptamos como nossos? Amores há muitos mas este é mesmo diferente. A verdade é que faz sentido que quem não tem filhos não possa adivinhar na sua totalidade, com o mero uso da razão, a dimensão incomparável deste amor.
Não sei se há mais quem tenha esta minha espécie de convicção tão segura como irracional. Se tiver, a intuição dessa promessa de amor é mais forte do que fome e sede. É urgente. E então passa por cima dos obstáculos previsíveis e imprevisíveis, do bom senso, dos medos, e faz do ventre coração para, de um amor, criar uma vida única e um bocadinho nossa. Pelo menos de empréstimo.
O que é mesmo estranho é que eu já desconfiava que ia gostar assim deles antes de os ter. Como é que eu sabia isto? Como é que, desde pequenina, tenho cá dentro um novelo anafado de amor infinito para desembrulhar? Não sei, mas tenho. Da mesma maneira que ao ter o segundo filho sabia que não o amaria menos do que o primeiro. Ou terceiro, quarto, quinto, quantos viessem. Da mesma forma que me sinto profundamente amada desde tenra idade, antes de o verbalizar ou de compreender o que é isto de ser filha nas suas várias implicações. Será que há pessoas que nascem com tão grande superavit de afecto que não concebem guardá-lo todo cá dentro? E por que é que esse amor há de ser direccionado para aqueles que geramos ou adoptamos como nossos? Amores há muitos mas este é mesmo diferente. A verdade é que faz sentido que quem não tem filhos não possa adivinhar na sua totalidade, com o mero uso da razão, a dimensão incomparável deste amor.
Não sei se há mais quem tenha esta minha espécie de convicção tão segura como irracional. Se tiver, a intuição dessa promessa de amor é mais forte do que fome e sede. É urgente. E então passa por cima dos obstáculos previsíveis e imprevisíveis, do bom senso, dos medos, e faz do ventre coração para, de um amor, criar uma vida única e um bocadinho nossa. Pelo menos de empréstimo.
22 outubro 2013
nos bastidores da academia
Não sei por que é que a Shonda Rhimes e seus sucedâneos insistem na fórmula dos hospitais e escritórios de advogados para tecer as suas teias de intriga. Caramba, há um número limitado de maneiras como um médico se pode meter com uma enfermeira, que anda a papar o fisioterapeuta casado com a advogada que ganha os casos na antecâmara do juíz, que é irmão do médico (mas eles não sabem disso, chiuuu). Guionistas do algodão doce e do kleenex de lavanda: vocês não sabem o que andam a perder no mundo das universidades.
É um privilégio trabalhar numa universidade. Não só contactamos diariamente com pessoas inteligentes, interessantes, empenhadas e com espírito crítico como temos oportunidade de aprender imenso, de aceder a conteúdos reservados, de assistir em directo à produção de ciência. Por outro lado, também temos de lidar com as maiores prima donnas. Com profissionais do turismo académico. Com seres que são a definição de inépcia social. Com oportunistas maquiavélicos. Com assistentes subservientes. E com uma grande endogamia profissional que resulta em casamentos, descasamentos, casos e suspeitas ao maior estilo telefilmesco. Pelo meio, tenta-se fazer investigação e levar conhecimento à sociedade. Diz que também andam para lá umas criaturas semi-imberbes a fazer, como é que se chama mesmo?, uma licenciatura. Mas desde que sossegaram lá com aquilo das capas e das pandeiretas, uma pessoa até pode quase ignorar a sua presença.
É um privilégio trabalhar numa universidade. Não só contactamos diariamente com pessoas inteligentes, interessantes, empenhadas e com espírito crítico como temos oportunidade de aprender imenso, de aceder a conteúdos reservados, de assistir em directo à produção de ciência. Por outro lado, também temos de lidar com as maiores prima donnas. Com profissionais do turismo académico. Com seres que são a definição de inépcia social. Com oportunistas maquiavélicos. Com assistentes subservientes. E com uma grande endogamia profissional que resulta em casamentos, descasamentos, casos e suspeitas ao maior estilo telefilmesco. Pelo meio, tenta-se fazer investigação e levar conhecimento à sociedade. Diz que também andam para lá umas criaturas semi-imberbes a fazer, como é que se chama mesmo?, uma licenciatura. Mas desde que sossegaram lá com aquilo das capas e das pandeiretas, uma pessoa até pode quase ignorar a sua presença.
21 outubro 2013
5/37 castanho sensual
Pintei o cabelo num tom tão escuro que se me apagou a luz da alma. Foram-se as recordações do Verão nas pontas naturalmente californianas e fez-se noite ártica na minha melena e no meu estado de espírito. Como se não bastasse o chove-não-chove, os filmes de cocó que tenho visto e até o mais recente do Mia Couto, que não anda a cumprir. Como é que uma pessoa aguenta agora estes meses em que tem no desumidificador o seu melhor amigo? É que nem me apetece comer. Só me apetece dormir. A sério, por que é que há quem troque a energia das madrugadas luminosas pelo consolo chocho de mantas e tisanas? O que vale é que já só faltam dois meses para os dias voltarem a crescer.
17 outubro 2013
os meus filhos são sobredotados
Um passa o dia inteiro a assobiar o Rolling in the Deep, da Adele, que é uma perfeição. Será que aqueles programas de televisão de prodígios aceitam esta categoria artística? Não é tanto pelas luzes da ribalta, é mais para dar um bocadinho de sossego aos ouvidos do resto da família.
O outro lembrou-se de imitar a Ana Moura, mesmo com jeitinho de fadista. Lá ar gingão nunca lhe faltou. Isto devia dar para rentabilizar de alguma forma mas não estou a lembrar-me de nenhuma, assim de repente.
O outro lembrou-se de imitar a Ana Moura, mesmo com jeitinho de fadista. Lá ar gingão nunca lhe faltou. Isto devia dar para rentabilizar de alguma forma mas não estou a lembrar-me de nenhuma, assim de repente.
16 outubro 2013
o silêncio dos inocentes
Há crianças muito mazinhas. E adolescentes ainda piores. Ou então há simplesmente miúdos que andam um bocado desorientados enquanto crescem e descobrem quem são, o que às vezes tem consequências complicadas. Acho que não andava desorientada e ainda assim, quando era miúda, tive a minha quota parte de responsabilidade nesse departamento. Sim, eu fui uma pequena terrorista psicológica para alguns colegas de escola e até, por vezes, para o meu irmão. Não me orgulho nada disso. Também fui alvo de provocações e empurrões de algumas miúdas mais velhas. Não foi por falta de afecto parental que andei a azucrinar aquelas almas e também não foi por negligência ou insegurança que me deixei cair no papel de vítima. Nada foi excessivo, felizmente.
É só quando somos pais que estórias como esta nos deixam realmente mal-dispostos. Quantas vítimas há aqui? A menina que foi perseguida, certamente. E a melhor amiga, que passou para o outro lado da barricada para não ser, ela própria, alvo? E a perseguidora, que não teve melhor orientação de pais e professores para compreender que o que estava a fazer podia ter consequências graves – não só para a outra mas para ela, que carregará esta culpa o resto da vida? E os pais, que criam estas doces meninas, que tão depressa coleccionam autocolantes como passam a viver quase 24/7 na base dos smartphones e das redes sociais? Como é que podemos evitar que os nossos filhos sejam vítimas ou carrascos? É uma responsabilidade do caraças e, no entanto, há tanta coisa que escapa ao nosso controlo.
É só quando somos pais que estórias como esta nos deixam realmente mal-dispostos. Quantas vítimas há aqui? A menina que foi perseguida, certamente. E a melhor amiga, que passou para o outro lado da barricada para não ser, ela própria, alvo? E a perseguidora, que não teve melhor orientação de pais e professores para compreender que o que estava a fazer podia ter consequências graves – não só para a outra mas para ela, que carregará esta culpa o resto da vida? E os pais, que criam estas doces meninas, que tão depressa coleccionam autocolantes como passam a viver quase 24/7 na base dos smartphones e das redes sociais? Como é que podemos evitar que os nossos filhos sejam vítimas ou carrascos? É uma responsabilidade do caraças e, no entanto, há tanta coisa que escapa ao nosso controlo.
15 outubro 2013
o não consumidor pagador
Agora que já toda a gente saiu de fininho da marcha de protestos contra os cortes nas pensões de sobrevivência (porque só se aplicam aos ricos que ganham mais de 2 mil euros e bem que podem deixar de ir ao Pap’Açorda sempre que lhes apetece, aqueles grandes manganões!), gostava de saber quem posso conquistar para as minhas hostes sob o estandarte do “taxa de audiovisual? Mas se já vai para 7 anos que nem sei quem é o pivô do telejornal”.
É que se nos sentimos revoltados por nos irem ao bolso, ao fruto do nosso trabalho, àquilo que merecemos ao fim de uma vida de contribuições, como não havemos de sentir-nos se nos fazem pagar por algo que não consumimos? Eu gosto muito de lavagante de Sesimbra, daquele com uma maionese venenosa e pãozinho torrado, mas ninguém me faz pagar por ele sempre que me limito a passar por aquela bela localidade. Também me agrada apanhar o pôr-do-sol na esplanada do Hotel do Bairro Alto; contudo, a única coisa listada na conta costuma ser o mojito e não uma taxa sobre a captação de raios UV. Se o objectivo é financiar meios audiovisuais para o público, que tal o público ter uma palavra a dizer sobre o que quer audiovisualizar? Tratem-no com um grupo heterogéneo de seres dotados de inteligência e não como uma massa de totós, aí contem com a minha audiência. Caso contrário, não só não pago como exijo de volta o que já levaram, que já chegava para o almoço em Sesimbra coroado pelo fim de tarde no Chiado.
É que se nos sentimos revoltados por nos irem ao bolso, ao fruto do nosso trabalho, àquilo que merecemos ao fim de uma vida de contribuições, como não havemos de sentir-nos se nos fazem pagar por algo que não consumimos? Eu gosto muito de lavagante de Sesimbra, daquele com uma maionese venenosa e pãozinho torrado, mas ninguém me faz pagar por ele sempre que me limito a passar por aquela bela localidade. Também me agrada apanhar o pôr-do-sol na esplanada do Hotel do Bairro Alto; contudo, a única coisa listada na conta costuma ser o mojito e não uma taxa sobre a captação de raios UV. Se o objectivo é financiar meios audiovisuais para o público, que tal o público ter uma palavra a dizer sobre o que quer audiovisualizar? Tratem-no com um grupo heterogéneo de seres dotados de inteligência e não como uma massa de totós, aí contem com a minha audiência. Caso contrário, não só não pago como exijo de volta o que já levaram, que já chegava para o almoço em Sesimbra coroado pelo fim de tarde no Chiado.
14 outubro 2013
entre conventos, sinagogas e seminários
Comi tanto,
tanto, tanto. Mas por que é que a norte das linhas de Torres as doses são
obrigatoriamente imensas? E bebi tão bem, coisas tão boas e a fazer caminha
para as doses imensas. Trepei muralhas, descobri passagens secretas, acordei
com o grasnar dos patos e não dormi grande coisa com a tosse dos filhos, mas
vamos deixar de lado essa nota menos romântica deste fim-de-semana de pronto-outono-anda-lá.
O melhor disto tudo é que, na realidade, nenhum destes verbos se conjugou na primeira pessoa
mas a três gerações, família de sempre e família que cresce. Temos tanta, tanta
sorte.
10 outubro 2013
à volta da mesa
A Pólo Norte dividiu o mundo (desta vez) entre os que comem à mesa da sala e os que o fazem na cozinha. Confesso-me estupefacta com a maioria que revela fazê-lo na cozinha já que sempre o fiz na sala. Acho que isso tem a ver com o facto de não associar a cozinha a um espaço onde gosto de estar mas apenas a uma divisão utilitária que, num mundo perfeito, eu só visitaria para ir pilhar chocolates a meio da noite. Se é importante começar bem o dia, um final de dia perfeito é à volta da mesa da sala, com a minha família. Não importa muito o que comemos mas antes que possamos estar finalmente a quatro, a conversar. E a apanhar a comida que um deles atirou ao chão, a mandá-los comer com a boca fechada, a negociar mais um bocado de carne em troco das últimas fatias de pepino, a desabafar irritações laborais e a ouvir música. E a dançar um bocadinho, quando o ritmo pede e enquanto o pai vai buscar a fruta. Estar à mesa, para nós, é estar em família. Deus me livre de fazê-lo rodeada de electrodomésticos, roupa estendida e a permanente recordação de que a seguir vem a louça para lavar. Mesmo que tivesse uma daquelas cozinhas de capa de revista, nada bate a declaração de guerra às lides domésticas que é ocupar a sala para nos juntarmos a comer. Ainda que seja efectivamente o único uso que damos à sala.
06 outubro 2013
a minha primeira maratona
É verdade: fintei as probabilidades, fui contra todo o bom senso e hoje apresentei-me na partida, em Cascais, para correr os 42,195 Km da 1ª edição da Rock n' Roll Maratona de Lisboa. E corri-os! Sempre com um sorriso na cara e a deliciar-me com a beleza do percurso. Porque o mero facto de ter começado foi uma dádiva, mas a possibilidade de continuar a correr até ao fim só se deu com muita fé em mim e uma grande Fé em Quem me acompanhou em todo o caminho. A sensação de cruzar a meta, com a minha família ali a torcer por mim, foi das coisas mais maravilhosas que já experimentei.
E agora podem fechar o browser se não tiverem paciência para longas descrições de corridas - mas eu vou descrever na mesma porque quero guardar a recordação para sempre.
Passei a noite e a madrugada ansiosíssima. Dormi pouco. Tomei um hiper-calórico pequeno-almoço de sandes tripla de manteiga de amendoim e doce, acompanhada de batido de chocolate, banana e manteiga de amendoim. Preparei o meu camelback com água e as poucas coisas que levava e lá fomos nós. Antes de apanhar o comboio para Cascais, deixando os meus amores para trás, estava tão nervosa que até chorei. É que eu nunca tinha corrido mais do que 21 Km e estou ainda a recuperar de uma lesão, que me arruinou os treinos. Nem sequer contei antes aos meus pais que ia participar, porque foi mesmo uma grande insconsciência.
A verdade é que estava um dia maravilhoso em Cascais e havia "só" 2500 pessoas, todas muito animadas. Passaram-me os nervos e senti, desde o sinal da partida, que ia conseguir terminar. Estava mesmo feliz por estar ali. Resolvi dividir mentalmente a prova em fracções de 10 Km, para parecer mais fácil (resultou até aos 30). Os primeiros 10 foram uma doçura. Esteve sempre muito calor mas despejei várias garrafas de água sobre a cabeça e nunca cheguei a aquecer. Não faço ideia do ritmo a que ia (aliás, ainda não sei o meu tempo final) porque só queria sentir-me confortável e terminar. Os 10 km seguintes também não me custaram (se exceptuarmos a passagem pela Câmara de Oeiras, que me deu algumas náuseas - mas isso deve-se ao que aconteceu no Domingo passado e não neste). Aos 15 Km engoli o primeiro gel energético, o que repeti aos 25 e aos 35. À passagem da meia-maratona pensei "só falta metade!" e continuei cheia de confiança. Aos 22 Km começaram a doer-me as pernas. Foram 20 Km a arrastar umas pernas em dor, mas era gerível e fui alongando e suportando (nisto acho que as mulheres que já deram à luz sem epidural levam vantagem!). Foi importante chegar a Lisboa, do ponto de vista psicológico, e depois foi sempre a gerir os "só mais X Km até chegar ao próximo abastecimento", onde me molhava, bebia e esticava os pobres gémeos massacrados. Quando cheguei aos 35 Km tive a certeza que ia acabar e liguei ao L. para irem receber-me à meta. A partir daí já me custava mesmo correr, as pernas estavam pesadíssimas e a gralha virou tartaruga. Essa foi a fase em que mais contou o apoio do público, incentivando-nos a continuar (infelizmente, não havia muito e as pessoas estavam mais a admirar os maluquinhos a correr do que a gritar por nós, mas houve muitas fantásticas excepções). Os atletas também iam sempre puxando uns pelos outros, isso é certamente das coisas mais bonitas da corrida. Aos 39 Km tive mesmo de andar até chegar quase aos 40, mas sei que o fiz porque queria chegar a correr, cheia de energia. Quando recomecei, passou-me todo o cansaço e estava com muita vontade de ver a carinha linda do meu Gugas, cheio de orgulho em mim. Ao fundo, a meta: dei corda aos sapatos e, mesmo antes de passar, vi-os. Levei as mãos ao céu e senti uma enorme gratidão e um enorme orgulho em mim própria. Caraças, se eu consegui isto, depois do percurso dos últimos 4 meses, consigo qualquer coisa. Sou uma maratonista!
Depois recebi a medalha e fui pô-la ao pescoço do meu filho mais velho (o mais novo estava a dormir a sesta, vê-me para a próxima). Vim para casa, tomei um longo duche e agora basicamente não me mexo, mas não há de ser nada! A única mazela visível que tenho é uma bolha aberta na mão... De abrir as garrafas de água. Obrigada aos somíticos dos fabricantes de garrafas que fazem tampas cada vez mais estreitinhas.
Finalmente, quero destacar o enorme apoio do meu querido marido, que acreditou em mim desde o princípio e possibilitou que eu andasse a treinar 3 vezes por semana ao longo de tanto tempo. Agora vou descansar durante umas semanas. De louvar também a organização do evento, que esteve impecável. Não faço ideia de como foram os concertos em Lisboa mas também os dispensava bem e acho que até corri um pouco mais devagar só para não ter de ouvir os Xutos & Pontapés.
E agora? Agora vou encher o bandulho de sushi para repor os sais minerais. E vou descansar durante uns tempos. Não sei se voltarei a fazer uma maratona, sobretudo devido ao que implica em termos de treino, complicado para quem tem já uma vida bem preenchida. Mas é claro que vou continuar a correr. Quem sabe, talvez um dia aproveite a experiência que esta lesão me trouxe em natação e bicicleta e me aventure no triatlo :)
Actualização: Demorei 4h37'm44s, segundo o meu chip. E fiquei em 1403º lugar (131º entre as mulheres)
E agora podem fechar o browser se não tiverem paciência para longas descrições de corridas - mas eu vou descrever na mesma porque quero guardar a recordação para sempre.
Passei a noite e a madrugada ansiosíssima. Dormi pouco. Tomei um hiper-calórico pequeno-almoço de sandes tripla de manteiga de amendoim e doce, acompanhada de batido de chocolate, banana e manteiga de amendoim. Preparei o meu camelback com água e as poucas coisas que levava e lá fomos nós. Antes de apanhar o comboio para Cascais, deixando os meus amores para trás, estava tão nervosa que até chorei. É que eu nunca tinha corrido mais do que 21 Km e estou ainda a recuperar de uma lesão, que me arruinou os treinos. Nem sequer contei antes aos meus pais que ia participar, porque foi mesmo uma grande insconsciência.
A verdade é que estava um dia maravilhoso em Cascais e havia "só" 2500 pessoas, todas muito animadas. Passaram-me os nervos e senti, desde o sinal da partida, que ia conseguir terminar. Estava mesmo feliz por estar ali. Resolvi dividir mentalmente a prova em fracções de 10 Km, para parecer mais fácil (resultou até aos 30). Os primeiros 10 foram uma doçura. Esteve sempre muito calor mas despejei várias garrafas de água sobre a cabeça e nunca cheguei a aquecer. Não faço ideia do ritmo a que ia (aliás, ainda não sei o meu tempo final) porque só queria sentir-me confortável e terminar. Os 10 km seguintes também não me custaram (se exceptuarmos a passagem pela Câmara de Oeiras, que me deu algumas náuseas - mas isso deve-se ao que aconteceu no Domingo passado e não neste). Aos 15 Km engoli o primeiro gel energético, o que repeti aos 25 e aos 35. À passagem da meia-maratona pensei "só falta metade!" e continuei cheia de confiança. Aos 22 Km começaram a doer-me as pernas. Foram 20 Km a arrastar umas pernas em dor, mas era gerível e fui alongando e suportando (nisto acho que as mulheres que já deram à luz sem epidural levam vantagem!). Foi importante chegar a Lisboa, do ponto de vista psicológico, e depois foi sempre a gerir os "só mais X Km até chegar ao próximo abastecimento", onde me molhava, bebia e esticava os pobres gémeos massacrados. Quando cheguei aos 35 Km tive a certeza que ia acabar e liguei ao L. para irem receber-me à meta. A partir daí já me custava mesmo correr, as pernas estavam pesadíssimas e a gralha virou tartaruga. Essa foi a fase em que mais contou o apoio do público, incentivando-nos a continuar (infelizmente, não havia muito e as pessoas estavam mais a admirar os maluquinhos a correr do que a gritar por nós, mas houve muitas fantásticas excepções). Os atletas também iam sempre puxando uns pelos outros, isso é certamente das coisas mais bonitas da corrida. Aos 39 Km tive mesmo de andar até chegar quase aos 40, mas sei que o fiz porque queria chegar a correr, cheia de energia. Quando recomecei, passou-me todo o cansaço e estava com muita vontade de ver a carinha linda do meu Gugas, cheio de orgulho em mim. Ao fundo, a meta: dei corda aos sapatos e, mesmo antes de passar, vi-os. Levei as mãos ao céu e senti uma enorme gratidão e um enorme orgulho em mim própria. Caraças, se eu consegui isto, depois do percurso dos últimos 4 meses, consigo qualquer coisa. Sou uma maratonista!
Depois recebi a medalha e fui pô-la ao pescoço do meu filho mais velho (o mais novo estava a dormir a sesta, vê-me para a próxima). Vim para casa, tomei um longo duche e agora basicamente não me mexo, mas não há de ser nada! A única mazela visível que tenho é uma bolha aberta na mão... De abrir as garrafas de água. Obrigada aos somíticos dos fabricantes de garrafas que fazem tampas cada vez mais estreitinhas.
Finalmente, quero destacar o enorme apoio do meu querido marido, que acreditou em mim desde o princípio e possibilitou que eu andasse a treinar 3 vezes por semana ao longo de tanto tempo. Agora vou descansar durante umas semanas. De louvar também a organização do evento, que esteve impecável. Não faço ideia de como foram os concertos em Lisboa mas também os dispensava bem e acho que até corri um pouco mais devagar só para não ter de ouvir os Xutos & Pontapés.
E agora? Agora vou encher o bandulho de sushi para repor os sais minerais. E vou descansar durante uns tempos. Não sei se voltarei a fazer uma maratona, sobretudo devido ao que implica em termos de treino, complicado para quem tem já uma vida bem preenchida. Mas é claro que vou continuar a correr. Quem sabe, talvez um dia aproveite a experiência que esta lesão me trouxe em natação e bicicleta e me aventure no triatlo :)
Actualização: Demorei 4h37'm44s, segundo o meu chip. E fiquei em 1403º lugar (131º entre as mulheres)
02 outubro 2013
do fundo de uma chávena de chá
Sou altamente apologista de quem procura retirar lições de vida a partir de pequenas circunstâncias que podiam parecer, à primeira vista, inocentes e aleatórias. Mesmo que as previsões meteorológicas falhem, que as estrelas não se alinhem, que as borras de café prometam e não cumpram, alguém que entrevê premonições (acha que) sabe a quantas anda e para onde vai. A determinação é o biocombustível do sucesso.
Infelizmente não acredito no destino. Faço o possível e também tento descobrir padrões, tendências, o código por que se rege o esquema do universo. Daí ver-me obrigada a concluir que, se volta a estar na moda a saia que dei no ano passado, se agora preciso de um recibo que atirei para a reciclagem anteontem, se vou ter de recuperar os dados que já tinha compilado e que apaguei, sem possibilidade de Ctrl+z,
Será que ando a desistir prematuramente das coisas?
Será que a febre do minimalismo e do não-deu-paciencismo se apoderaram de mim sem clemência? Quanto terei já desperdiçado porque ando sempre a mil, sem dar segundas oportunidades a objectos, pessoas, planos? Por outro lado, não podemos viver sempre na mesma poça de lama, repetindo erros e acreditando em hipóteses improváveis. Isso do optimismo ocupa imenso espaço e dá uma trabalheira, por muito que nos poupe em anti-rugas (além de que não se vende em comprimidos). Ah, se ao menos vivesse há uns séculos atrás e tivesse os homens para decidirem o meu rumo e arcarem com as culpas.
Infelizmente não acredito no destino. Faço o possível e também tento descobrir padrões, tendências, o código por que se rege o esquema do universo. Daí ver-me obrigada a concluir que, se volta a estar na moda a saia que dei no ano passado, se agora preciso de um recibo que atirei para a reciclagem anteontem, se vou ter de recuperar os dados que já tinha compilado e que apaguei, sem possibilidade de Ctrl+z,
Será que ando a desistir prematuramente das coisas?
Será que a febre do minimalismo e do não-deu-paciencismo se apoderaram de mim sem clemência? Quanto terei já desperdiçado porque ando sempre a mil, sem dar segundas oportunidades a objectos, pessoas, planos? Por outro lado, não podemos viver sempre na mesma poça de lama, repetindo erros e acreditando em hipóteses improváveis. Isso do optimismo ocupa imenso espaço e dá uma trabalheira, por muito que nos poupe em anti-rugas (além de que não se vende em comprimidos). Ah, se ao menos vivesse há uns séculos atrás e tivesse os homens para decidirem o meu rumo e arcarem com as culpas.
26 setembro 2013
apurando sabores
Tenho reparado que o cansaço é uma espécie de destempero secreto neste complexo cozinhado que é a educação que tentamos dar aos filhos. Quando estamos de rastos, afinam-se os nossos piores defeitos e estraga-se a harmonia de um prato que se quer nutritivo e saboroso. Nesses dias, eu torno-me ainda mais permissiva e deixo passar uma quantidade pouco recomendável de disparates, bufando qual panela de pressão a tentar não rebentar; já ele perde a mão à temperança e abusa dos indigestos castigos e do tom exaltado. Somos todos humanos e somo-lo ainda mais quando já nos arrastamos ao fim da tarde. Num mundo perfeito, todas as famílias cozinhariam a quatro mãos, um daria conta da entrada e da sobremesa, o outro do prato principal e das bebidas, equilibrando ingredientes e mantendo o fogo em lume brando. Nos dias de cansaço é quando mais sinto admiração por quem tem de cozinhar sempre sozinho, tantas vezes para uma clientela mais exigente do que um batalhão de críticos culinários.
25 setembro 2013
projectos para o outono
Dado o estrondoso sucesso que foram os meus projectos para o Verão (só escaparam os pontos 4 e 10), e num esforço um bocadinho desesperado para encarar os próximos meses de humidade, chuva batida a vento, nariz pingão, noite às seis da tarde glorioso ocaso dos dias, aqui vão os fresquíssimos objectivos para o tempo que aí vem.
1. Começar a pesquisa e escrever um artigo
1. Começar a pesquisa e escrever um artigo
2. Descobrir mais
receitas de comida de conforto que não vá ao forno;
3. Marcar a
viagem para a Costa Rica;
4. Telefonar mais
vezes à minha avó e à minha mãe;
5. Organizar mais
um fabuloso jantar de Halloween;
6. Organizar um
jantar de Dia de Acção de Graças (desta vez com peru e não frango);
7. Continuar o
projecto fotográfico da nossa família;
8. Comer
castanhas assadas e beber jeropiga;
9. Lembrar-me de borboletas esvoaçantes quando forem 18h, estiver a chover, um trânsito descomunal e não
conseguir arranjar lugar para estacionar perto de casa;
10. Fazer fondue
de chocolate (e paciência para as dedadas castanhas pela sala fora);
11. Substituir os
desenhos nas molduras do quarto dos meninos;
12. Abastecer-me
de livros;
13. Visitar os
museus de Lisboa que nos faltam, ao Domingo;
14. Ir ao
concerto do Rodrigo Leão;
15. Continuar a
treinar de forma equilibrada;
16. Rever o vídeo
das férias;
17. Comprar
pijamas quentinhos e polares para os miúdos;
18. Fazer batido
de manteiga de amendoim, chocolate e banana;
19. Limpar os
armários da cozinha;
20. Comprar um
par de botas pretas.
Está visto que vai ser um Outono a encher o bandulho. Para a próxima, deixassem-me viver no Senegal.
24 setembro 2013
isto das correrias
A dona da mota desafiou-me a dar algumas dicas para iniciantes de corrida. Eu não percebo nada de planos de corrida, não tenho nenhuma formação nessa área e acho que quem nunca correu deve aconselhar-se com um especialista. Para quem não quer/ não pode inscrever-se num ginásio ou arranjar um personal trainer, há muitos sites que dão algumas luzes sobre esta modalidade, mas cada um vai por sua conta e risco. Veja-se o que me aconteceu, não é?
Mesmo assim, deixem-me só partilhar algumas lições que aprendi:
1. Fazer muito bem os alongamentos, antes e depois do treino;
2. Fazer outra actividade para além da corrida, para fortalecer todos os grupos musculares e não saturar sempre os mesmos;
3. A mais importante: ouvir o nosso corpo! Se eu tivesse parado quando me começou a doer o joelho (e não tivesse corrido mais 10 km em sofrimento), a coisa tinha sido menos má. Quando dói, é para parar. E aplicar gelo. E esperar pacientemente que o corpo recupere.
Caras amigas, se quereis começar a correr, fazei-o pelas razões certas e não pelas erradas. Como dizia alguém no outro dia (não me lembro da fonte, lamento), o exercício não deve ser uma forma de castigo para obrigar o nosso corpo a ajustar-se à imagem que sonhamos; deve ser uma forma de recompensa, para nos encher de endorfinas, bem-estar e energia para enfrentar o resto da vida. Boas corridas!
Mesmo assim, deixem-me só partilhar algumas lições que aprendi:
1. Fazer muito bem os alongamentos, antes e depois do treino;
2. Fazer outra actividade para além da corrida, para fortalecer todos os grupos musculares e não saturar sempre os mesmos;
3. A mais importante: ouvir o nosso corpo! Se eu tivesse parado quando me começou a doer o joelho (e não tivesse corrido mais 10 km em sofrimento), a coisa tinha sido menos má. Quando dói, é para parar. E aplicar gelo. E esperar pacientemente que o corpo recupere.
Caras amigas, se quereis começar a correr, fazei-o pelas razões certas e não pelas erradas. Como dizia alguém no outro dia (não me lembro da fonte, lamento), o exercício não deve ser uma forma de castigo para obrigar o nosso corpo a ajustar-se à imagem que sonhamos; deve ser uma forma de recompensa, para nos encher de endorfinas, bem-estar e energia para enfrentar o resto da vida. Boas corridas!
19 setembro 2013
recomeçar devagarinho
Hoje voltei a correr. A medo, mas sem dor. Estou com um sorriso parvo de quem tem novo namorado.
Imagem de Ph Peixoto.
18 setembro 2013
talhando as novas rotinas
Setembro, doce Setembro, que ainda não fazes frio apesar de já se ter ido o bronzeado. Setembro, duro Setembro, em que lidamos com angústias e lágrimas e medos, tentamos ser fortes e polivalentes, omnipresentes, e fazemos o melhor que podemos. O melhor que conseguimos. É tempo de adaptação para todos. Esticamos calendários e agendas para caberem as nossas vivências enquanto indivíduos, membros de uma família, de uma comunidade e de uma equipa de trabalho e as peças lá vão encaixando, mesmo que custe limar algumas arestas.
É assim, agora: levanto-me cedo para o tempo para mim, com oração, yoga e pequeno-almoço indolente enquanto leio um bocadinho. Depois vem todo o dia que dou aos outros (e dou-o de coração). Mimos, narizes assoados, lembretes, entregas, abraços, saudades, trabalho, reencontros, partilhas, brincadeiras, banhos, jantares e, de preferência, que chegue um bocadinho para o outro adulto da casa, que afinal foi aquele com quem decidimos passar a vida (e que também passa a vida nestes malabarismos). Cada um de nós recomeça a vida em Setembro à sua maneira. Gosto da nossa, com todos estes pequenos momentos, mesmo os que não se enquadram em paisagens bucólicas de anúncio de detergente.
É assim, agora: levanto-me cedo para o tempo para mim, com oração, yoga e pequeno-almoço indolente enquanto leio um bocadinho. Depois vem todo o dia que dou aos outros (e dou-o de coração). Mimos, narizes assoados, lembretes, entregas, abraços, saudades, trabalho, reencontros, partilhas, brincadeiras, banhos, jantares e, de preferência, que chegue um bocadinho para o outro adulto da casa, que afinal foi aquele com quem decidimos passar a vida (e que também passa a vida nestes malabarismos). Cada um de nós recomeça a vida em Setembro à sua maneira. Gosto da nossa, com todos estes pequenos momentos, mesmo os que não se enquadram em paisagens bucólicas de anúncio de detergente.
16 setembro 2013
o primeiro dia do resto da vida dele
Lá foi hoje, o nosso Gugas, semi-vergado por uma mochila gigantesca, para a escola primária. Silencioso mas sereno. Curioso mas reservado. Quem me dera ser mosca para ter ficado lá a fazer parte de um dos dias que recordará para sempre. Mas não fiquei, é mais um corte no cordão umbilical. Este não custou nada: estou muito tranquila e confiante com esta escola e com a professora. Resta ver como serão os colegas. Tão crescido e tão lindo, o meu filho <3
13 setembro 2013
dois lá, dois cá
Faz hoje dois anos que regressámos dos EUA, sensivelmente o mesmo tempo que lá passámos. Obviamente que este último período passou muito mais depressa. E continuo a achar que foi uma das decisões mais acertadas da minha vida. Não é à toa que muitos dos nossos amigos que emigram para os EUA acabam por regressar. Acho mesmo difícil para um europeu urbano com uma vida simpática aderir ao sonho americano*. A menos que seja por amor, mas os meus amores e eu andamos atrelados.
E então, gralha, não sentes saudades de nada? Sinto, pois sim, senhores. Ora lá ver:
1. Do clima. Muito melhor do que esta porcaria húmida de Inverno que temos;
2. De ter uma floresta nas traseiras de casa;
3. Das burocracias funcionarem decentemente;
4. Da informalidade;
5. Das porcarias para comer (anotado: tenho mesmo de ir comprar Reese's à loja americana de S. Sebastião)
E pronto, é isto. Não, não tenho saudades de Nova Iorque. Mas os miúdos têm. Daqui a uns anos, quando eu já não estiver traumatizada com a travessia do Atlântico, temos de levá-los lá para o Diogo ir à terra, que também tem direito.
* Já para não falar da real tanga que é o sonho americano, quando muito uma realidade para os imigrantes de segunda geração.
E então, gralha, não sentes saudades de nada? Sinto, pois sim, senhores. Ora lá ver:
1. Do clima. Muito melhor do que esta porcaria húmida de Inverno que temos;
2. De ter uma floresta nas traseiras de casa;
3. Das burocracias funcionarem decentemente;
4. Da informalidade;
5. Das porcarias para comer (anotado: tenho mesmo de ir comprar Reese's à loja americana de S. Sebastião)
E pronto, é isto. Não, não tenho saudades de Nova Iorque. Mas os miúdos têm. Daqui a uns anos, quando eu já não estiver traumatizada com a travessia do Atlântico, temos de levá-los lá para o Diogo ir à terra, que também tem direito.
* Já para não falar da real tanga que é o sonho americano, quando muito uma realidade para os imigrantes de segunda geração.
12 setembro 2013
falemos de dinheiro. e de pessoas
A pouco e pouco, fui deixando de gastar dinheiro. Em numerário, claro, porque ainda não me tornei eremita e as contas continuam a ter de ser pagas. Em quase todo o lado se aceita cartão de débito e o que não aceita já não faz parte da minha esfera de consumo. O último café que bebi, em Junho, levou com ele os derradeiros cobres que guardava no porta-moedas para uso pessoal. As minhas moedas já não compram nada, dou-as a quem precisa. Ainda não é o mundo sem dinheiro com que sonho, mas é um primeiro passo.
Se toda a gente for como eu isto significa, contudo, que há menos emprego em bancos, cafés, tabacarias, cabeleireiros e guichés da mais variada espécie (o texto até aqui foi um bocado pretexto para usar a palavra guiché, que me faz sorrir, como todas as palavras acabadas em é). Mas claro que precisamos todos de continuar a alimentar o corpo e a alma, a vestir-nos e a fazer vida de gente grande. É verdade que passei a internalizar muitas das tarefas que antes pagava a alguém para desempenharem, ao contrário das empresas que se concentram no seu núcleo de negócio e lançam designers, informáticos, empregadas de limpeza, contabilistas, juristas e copywriters para o oceano nos recibos verdes. Mas também é verdade que estou cada vez mais a personalizar a escolha daqueles cujos serviços ainda não dou conta porque não posso. Ou não quero. A minha merceeira tem nome, história e espaço na minha vida. O meu fotógrafo conhece a família e faz sugestões apropriadas. As nossas cuidadoras têm uma identidade concreta e moldamos convivências de acordo com isso. Não preciso de mais relações anónimas no meio de uma cidade com tantas caras desconhecidas. A minha revolta contra o sistema não é uma revolução, é uma teimosia em perceber que precisamos muito menos de coisas e muito mais de gente, em concreto.
Se toda a gente for como eu isto significa, contudo, que há menos emprego em bancos, cafés, tabacarias, cabeleireiros e guichés da mais variada espécie (o texto até aqui foi um bocado pretexto para usar a palavra guiché, que me faz sorrir, como todas as palavras acabadas em é). Mas claro que precisamos todos de continuar a alimentar o corpo e a alma, a vestir-nos e a fazer vida de gente grande. É verdade que passei a internalizar muitas das tarefas que antes pagava a alguém para desempenharem, ao contrário das empresas que se concentram no seu núcleo de negócio e lançam designers, informáticos, empregadas de limpeza, contabilistas, juristas e copywriters para o oceano nos recibos verdes. Mas também é verdade que estou cada vez mais a personalizar a escolha daqueles cujos serviços ainda não dou conta porque não posso. Ou não quero. A minha merceeira tem nome, história e espaço na minha vida. O meu fotógrafo conhece a família e faz sugestões apropriadas. As nossas cuidadoras têm uma identidade concreta e moldamos convivências de acordo com isso. Não preciso de mais relações anónimas no meio de uma cidade com tantas caras desconhecidas. A minha revolta contra o sistema não é uma revolução, é uma teimosia em perceber que precisamos muito menos de coisas e muito mais de gente, em concreto.
03 setembro 2013
acerca do 'custa-nos mais a nós do que a eles'
E o meu matulão a agarrar-se à t-shirt da escola antiga (que eu queria passar para o irmão), e a dizer que quer ficar com ela para sempre? Glup. Como é que se abraça um ser que já pesa mais de metade de nós e se explica que crescer é giro? Hoje caiu nele: vai para a escola primária e acabou-se o Jardim de Infância onde tudo era familiar e doce. Apesar da tranquilidade de sabê-lo colocado na pequenina escola de bairro que desejáramos, sei que vêm aí quatro anos de desconhecido. Filho grande, filho querido, é nestas alturas que espero ter conseguido encher o teu baldinho de auto-estima. Que saibas sempre que, apesar de todas as mudanças, serás sempre muito amado e respeitado exactamente como és. Vai correr bem, filho. Vai correr bem.
02 setembro 2013
inspiração
Uma das coisas que me dão mais gozo, como mãe, é inspirar os meus filhos. Fazer alguma coisa que os leva a parar e deixar a imaginação ganhar asas. Isso pode ser o filme caseiro das férias na praia, que lhes dá vontade de pegar na câmara e começar a filmar todos os fait divers. Ou uma estória, que serve de mote a uma brincadeira dali a uns tempos. Ou, como hoje, uma visita à Estufa Fria, na sequência da qual chegaram a casa e pediram papel, pinceis e aguarelas para plasmar folhas, grutas e pedras que andaram a descobrir umas horas antes. Não tenho pretenções artísticas mas acho que abrir horizontes e provocar os sentidos é uma das maiores dádivas que podemos dedicar a alguém. Esta parte de ser mãe é um privilégio gigantesco e sei apreciá-la pela raridade que é. Porque também sei que isto acontece porque consigo aquele frágil e precioso equilíbrio do tempo passado longe deles e do tempo com eles.
Sei que não há receitas para isto mas eis como a coisa resulta sinfonicamente connosco: um tempo para eu ser só eu e um tempo para ser mãe deles de todo o coração. Se tivesse optado por uma "carreira" ia sentir-me permanentemente culpada pelas ausências regulares, por não acompanhar o trivial mas tão importante na soma dos dias; se tivesse decidido entregar-me à maternidade 24/7, iria deixar-me afundar no cheiro da sopa, na roupa por dobrar, nas solicitações constantes, e não teria a capacidade de me dar por inteiro a estes momentos que partilhamos. A verdade é que não me é fácil sorrir perante uma mesa pintalgada, um quarto em pantanas, quando isso é a realidade diária e não a feliz excepção deste doce fim de férias. Cada mãe tem o seu equilíbrio (ou merece encontrá-lo...), este é o meu.
Sei que não há receitas para isto mas eis como a coisa resulta sinfonicamente connosco: um tempo para eu ser só eu e um tempo para ser mãe deles de todo o coração. Se tivesse optado por uma "carreira" ia sentir-me permanentemente culpada pelas ausências regulares, por não acompanhar o trivial mas tão importante na soma dos dias; se tivesse decidido entregar-me à maternidade 24/7, iria deixar-me afundar no cheiro da sopa, na roupa por dobrar, nas solicitações constantes, e não teria a capacidade de me dar por inteiro a estes momentos que partilhamos. A verdade é que não me é fácil sorrir perante uma mesa pintalgada, um quarto em pantanas, quando isso é a realidade diária e não a feliz excepção deste doce fim de férias. Cada mãe tem o seu equilíbrio (ou merece encontrá-lo...), este é o meu.
29 agosto 2013
já não tenho bebés
Despachámos fraldas, pote, bodies, louça de plástico, pente minúsculo (falta a tesoura das unhas). Somos uma família desbebezada e com orgulho. Apesar de adorar bebés, não nego a maravilha que é a liberdade de uma família com miúdos "crescidos", em que podemos pegar neles a qualquer hora e fazer quase tudo o que nos apetece. Sinto que eles estão no ponto, fruta madura ainda sem mácula, ultrapassaram as birras sem explicação e ainda não se lembraram de achar que os pais são caretas. Apetece-me tê-los sempre assim, roê-los e prolongar eternamente este Verão.
A meio da noite, o Diogo costuma vir ter comigo, pé ante pé, para o levar à casa-de-banho. Tem só um bocadinho de medo do escuro. Dou-lhe a mão e vamos em silêncio pelo corredor. Nessas alturas, reparo como tem a pele ainda tão macia, o braço gordinho de bebezão. E sorrio.
Depois passa-me o sorriso quando não consigo voltar a adormecer durante várias horas mas a culpa não é dele, é das chatas das insónias.
A meio da noite, o Diogo costuma vir ter comigo, pé ante pé, para o levar à casa-de-banho. Tem só um bocadinho de medo do escuro. Dou-lhe a mão e vamos em silêncio pelo corredor. Nessas alturas, reparo como tem a pele ainda tão macia, o braço gordinho de bebezão. E sorrio.
Depois passa-me o sorriso quando não consigo voltar a adormecer durante várias horas mas a culpa não é dele, é das chatas das insónias.
28 agosto 2013
tempestade no levante
A avaliar pela subida dos preços do petróleo, parece garantido que vem aí intervenção armada na Síria. Cada nova guerra que nos é noticiada à distância é vivida de acordo com a nossa maturidade no momento mas a verdade é que sempre detestei tudo o que tem a ver com esta estúpida movimentação (des)organizada para provocar a morte e a destruição. Ainda assim, não encontro facilmente respostas ou alternativas. É óbvio que tem de se travar um regime que massacra o seu povo. E a dinastia Assad nunca primou pela diplomacia desinteressada nem pela moderação nos actos. Estamos a falar de um daqueles países onde há uma estátua gigante do Grande Líder a cada esquina, onde não há liberdade de expressão, e onde uma civilização milenar e multicultural nunca conheceu realmente a paz e a democracia. No livro que estou a ler agora, numa estranha coincidência, o autor passeia-se entre Alepo e Damasco, maravilhando-se com as paisagens férteis, as gentes educadas e prestáveis e todos os contrastes de um dos vértices da humanidade. Fico com muita vontade de conhecer este país e tenho muita pena que isso não venha a ser possível nos próximos tempos. Muito mais triste é a tragédia pessoal de cada uma daquelas pessoas, que promete ganhar novos contornos de horror muito em breve.
27 agosto 2013
animalia avulsa
Todos os dias vejo pombos mortos nos passeios, nas bermas da estrada. Não sei se faz parte das mais recentes iniciativas camarárias mas gostava que me esclarecessem (isso pode determinar o meu voto). Se os ingleses andam a matar texugos, tão mais giros do que as ratazanas aladas, e não se inibem de o anunciar, há qualquer coisa de muito complexado continental neste tabu do controlo eugénico de espécies não humanas.
Já o meu cão desatou recentemente a fazer chichis por todo o lado, a toda a hora. Vaticinei logo o fim iminente. Mas era só birra de fim de férias. Eu também voltei ao trabalho e ninguém me vai perdoar se começar a deixar poças no linóleo azul do gabinete, quem é que este canídeo pensa que é?
Por outro lado, verifico que a vida selvagem pulsa em força durante as minhas horas de expediente. Há uma cigarra que faz uma chinfrineira indescritível, mesmo aqui junto à janela. Às 12h, cala-se. Retoma por volta das 13h. É uma cigarra que vive num estabelecimento de ensino superior público, está bem de ver. Gosto muito da companhia que me faz e detesto pensar que, em breve, vai calar-se. E ser substituída pelo ruído das praxes, que agora duram todo o ano lectivo.
Já o meu cão desatou recentemente a fazer chichis por todo o lado, a toda a hora. Vaticinei logo o fim iminente. Mas era só birra de fim de férias. Eu também voltei ao trabalho e ninguém me vai perdoar se começar a deixar poças no linóleo azul do gabinete, quem é que este canídeo pensa que é?
Por outro lado, verifico que a vida selvagem pulsa em força durante as minhas horas de expediente. Há uma cigarra que faz uma chinfrineira indescritível, mesmo aqui junto à janela. Às 12h, cala-se. Retoma por volta das 13h. É uma cigarra que vive num estabelecimento de ensino superior público, está bem de ver. Gosto muito da companhia que me faz e detesto pensar que, em breve, vai calar-se. E ser substituída pelo ruído das praxes, que agora duram todo o ano lectivo.
eleições autárquicas
Se conseguirmos ultrapassar o ridículo dos cartazes eleitorais, como bem lembra a Ana C., os custos das campanhas para o erário público (pensei que não havia papel, afinal como é que é?), e descontarmos o facto de já ninguém acreditar no valor social da política, vamos chegar à conclusão que as eleições são uma coisa espectacular. Ou antes, o período antes das eleições. O jardim perto de nossa casa foi todo levantado e replantado, há de resistir umas boas semanas às investidas dos pombos alimentados a papo-secos pelas velhinhas do bairro. O asfalto das ruas anda a ser arrancado e substituído, uma grande melhoria face ao hábito de remendar buracos, que não resolve nada. Os prédios devolutos que se desfazem aos bocadinhos com a chuva do Inverno andam a ser alvo de obras a sério. Caramba, qualquer dia perdem a cabeça e começam a limpar os grafitti das paredes, para grande irritação dos grupos neo-nazis e anti-fascistas que se degladiam no silêncio da tinta em spray. O que vale é que já falta pouco para as eleições senão, qualquer dia, ainda começávamos a parecer uma cidade do norte da Europa.
23 agosto 2013
o fim* de um sonho
Eu sei que isto se tratava de um pequeno passo para a humanidade, ainda que fosse um grande salto para mim. Como justificar, portanto, a imensa tristeza que sinto? Podemos avançar com algumas explicações:
A económica: um investimento considerável, em treino e no que abdiquei, que não deu retorno.
A biológica: uma quebra súbita na produção de endorfinas.
A sociológica: a dissociação identitária, a exclusão do grupo de referência.
A psicológica: a revolta, a angústia, um pontapé implacável nos tim-tins da auto-estima.
A antropológica: a confirmação do estigma de fragilidade feminina.
Todas as ciências podem reunir-se para racionalizar sobre a caganita mole que me sinto nestas últimas semanas e, ainda assim, isso não me serve de nada. O simples facto incontornável é que me lesionei e não vou poder correr a maratona de Outubro. Para compreenderem o que sinto, imaginem um daqueles namoros da adolescência em que tudo ia bem até ele vos dar com os pés e vos trocar pela vossa melhor amiga. Já não estou na adolescência, como bem me recordou o malfadado tendão do joelho direito, e já não tenho desculpa para passar as noites a chorar, abraçada à almofada. Mas era o que me apetecia.
Passadas quase três semanas já estou a sair do modo Calimero e vou a uma consulta na próxima semana. Não sei se alguma vez vou poder correr uma maratona mas nunca como agora tive a certeza que, enquanto tiver pernas, terei o desejo ardente de cumprir esse objectivo.
* fim do sonho de correr de Cascais a Lisboa a 6 de Outubro de 2013. Outras oportunidades haverá, se Deus quiser.
Adenda: Para quem duvidava da minha essência avicular, tenho uma 'tendinite pata de ganso'. A pata da gralha terá assim de repousar umas semanas, fazer gelo e anti-inflamatório, e esperar que não seja preciso fisioterapia depois disso.
A económica: um investimento considerável, em treino e no que abdiquei, que não deu retorno.
A biológica: uma quebra súbita na produção de endorfinas.
A sociológica: a dissociação identitária, a exclusão do grupo de referência.
A psicológica: a revolta, a angústia, um pontapé implacável nos tim-tins da auto-estima.
A antropológica: a confirmação do estigma de fragilidade feminina.
Todas as ciências podem reunir-se para racionalizar sobre a caganita mole que me sinto nestas últimas semanas e, ainda assim, isso não me serve de nada. O simples facto incontornável é que me lesionei e não vou poder correr a maratona de Outubro. Para compreenderem o que sinto, imaginem um daqueles namoros da adolescência em que tudo ia bem até ele vos dar com os pés e vos trocar pela vossa melhor amiga. Já não estou na adolescência, como bem me recordou o malfadado tendão do joelho direito, e já não tenho desculpa para passar as noites a chorar, abraçada à almofada. Mas era o que me apetecia.
Passadas quase três semanas já estou a sair do modo Calimero e vou a uma consulta na próxima semana. Não sei se alguma vez vou poder correr uma maratona mas nunca como agora tive a certeza que, enquanto tiver pernas, terei o desejo ardente de cumprir esse objectivo.
* fim do sonho de correr de Cascais a Lisboa a 6 de Outubro de 2013. Outras oportunidades haverá, se Deus quiser.
Adenda: Para quem duvidava da minha essência avicular, tenho uma 'tendinite pata de ganso'. A pata da gralha terá assim de repousar umas semanas, fazer gelo e anti-inflamatório, e esperar que não seja preciso fisioterapia depois disso.
18 agosto 2013
sozinha
Pela primeira vez em trinta e quatro anos de vida estou sozinha na minha casa.
(o parágrafo extra foi para vos ajudar a interiorizar devidamente o peso da frase antecedente)
Tenho quatro dias para descobrir o que são as saudades deles os três. E também para fazer uniquixclusivamente o que me apetecer. Dormir de barriga para o ar. Ouvir Samuel Úria enquanto danço em cuecas peo corredor. Ir ao cinema. Ir outra vez ao cinema. Ler no jardim (mais do que uma página sem que alguém me puxe para jogar à bola). Comer pequeno-almoço a todas as refeições. Experimentar as receitas mais escandalosamente calóricas do Pinterest. Pensar na vida. Ah, e já agora trabalhar - enquanto eles continuam a Sul.
(o parágrafo extra foi para vos ajudar a interiorizar devidamente o peso da frase antecedente)
Tenho quatro dias para descobrir o que são as saudades deles os três. E também para fazer uniquixclusivamente o que me apetecer. Dormir de barriga para o ar. Ouvir Samuel Úria enquanto danço em cuecas peo corredor. Ir ao cinema. Ir outra vez ao cinema. Ler no jardim (mais do que uma página sem que alguém me puxe para jogar à bola). Comer pequeno-almoço a todas as refeições. Experimentar as receitas mais escandalosamente calóricas do Pinterest. Pensar na vida. Ah, e já agora trabalhar - enquanto eles continuam a Sul.
quatro semanas de praia
Parar. Absorver luz do sol para o resto do ano. Deliciarmo-nos com as conquistas e (tentar) lidar com as derrotas. Deixar crescer demais o cabelo e fazer esticar os chinelos onde já não cabem os pés. Barriga cheia de peixe, de coisas boas e de outras menos boas, mas nada se compara ao privilégio de podermos gozar este tempo juntos.
17 julho 2013
sumariamente
Não escrevo porque não se passa nada de relevante e estou cansada dos dias e noites a puxar a carroça sozinha até às merecidas férias. Ou então é porque o que se passa é tão importante que tenho de deter-me a contemplá-lo, guardar tudo preciosamente, com pudor, evitando diminuí-lo nestes caracteres insuficientes. É uma coisa e a outra, nem mais nem menos.
Se fosse há uns anos atrás dizia que o blogue acabava aqui. Mas deve ser só mais uma daquelas fases.
Se fosse há uns anos atrás dizia que o blogue acabava aqui. Mas deve ser só mais uma daquelas fases.
11 julho 2013
por exemplo
Filho 1: Mãe, mãe! O mano destruiu o meu castelo de Lego.
Filho 2: O mano é mau, não me deixa ser eu o rei do castelo. Buááá.
Mãe em silêncio.
Filho 1: Mãe, mãe! O mano puxou-me o cabelo!
Filho 2: O mano é mau, não quer brincar comigo.
Mãe em silêncio.
Filho 1: Mãe, mãe! O mano está a puxar-me a camisa e já me arrancou três botões. Mas eu vou brincar com ele que é para ele não ficar triste.
Filho 2: Só se me deixares ser eu o rei do castelo!
Mãe: Meus queridos filhos, se eu não tivesse o lombo a assar no forno, cinco camisas para passar e o arroz que se me está a colar ao tacho, punha-vos em ordem. Sendo assim, sejam amigos e depois do jantar eu logo vos ponho de castigo e decido se afinal vos entrego ou não para adopção.
Adenda: Visto que o meu sarcasmo pode ser demasiado subtil, aqui vai o aviso que este post NÃO versa sobre os meus filhos. Era só o que me faltava, criar pirralhos desta espécie e, em vez de mãe, ser anémona.
Filho 2: O mano é mau, não me deixa ser eu o rei do castelo. Buááá.
Mãe em silêncio.
Filho 1: Mãe, mãe! O mano puxou-me o cabelo!
Filho 2: O mano é mau, não quer brincar comigo.
Mãe em silêncio.
Filho 1: Mãe, mãe! O mano está a puxar-me a camisa e já me arrancou três botões. Mas eu vou brincar com ele que é para ele não ficar triste.
Filho 2: Só se me deixares ser eu o rei do castelo!
Mãe: Meus queridos filhos, se eu não tivesse o lombo a assar no forno, cinco camisas para passar e o arroz que se me está a colar ao tacho, punha-vos em ordem. Sendo assim, sejam amigos e depois do jantar eu logo vos ponho de castigo e decido se afinal vos entrego ou não para adopção.
Adenda: Visto que o meu sarcasmo pode ser demasiado subtil, aqui vai o aviso que este post NÃO versa sobre os meus filhos. Era só o que me faltava, criar pirralhos desta espécie e, em vez de mãe, ser anémona.
04 julho 2013
ra-ta-tarararara-ta-tara
Nesta semana, gostei muito mais da segunda e da terça-feira do que da quarta e da quinta. O que me faz temer um pouco a chegada da sexta. De início, desabaram alegremente castelos de cartas e fizeram-se piadas a um ritmo não visto desde a última grande tragédia mundial, que sempre estimula o sentido de humor lusitano. Agora até a palhaçada já está a perder a graça. A sério? A sério que me vão conseguir obrigar a premir as teclas para falar de política em Julho? Será que podemos mandar vir charters do Brasil para trazer alguma massa crítica que desequilibre esta balança que teima em fingir-se equilibrada? Parece-me que isto já é demais.
01 julho 2013
contagem decrescente para as férias
O Diogo não anda, flutua de orgulho por ter mudado para a cama dos crescidos e ter largado a fralda para dormir.
O Gugas descobriu a playstation do tio. Eu sabia que este dia havia de chegar (suspiro).
Não me apetece cozinhar. Nem comer. Nem mexer-me. Menos correr e dançar nos bailaricos.
Por falar em bailaricos, fomos ao (provavelmente) último arraial do ano e quase me meti à bulha com uma velha pequenina que devia ter passado a tarde na pinga. Vou tentar ignorar a mensagem que isto envia ao meu subconsciente.
Estou a ler um livro muito bom que me está a reconciliar com o valor das frases despidas e das estórias breves que nos deixam a pensar o resto do dia. E é isto este Verão: corridas longas e narrativas sumárias.
O Gugas descobriu a playstation do tio. Eu sabia que este dia havia de chegar (suspiro).
Não me apetece cozinhar. Nem comer. Nem mexer-me. Menos correr e dançar nos bailaricos.
Por falar em bailaricos, fomos ao (provavelmente) último arraial do ano e quase me meti à bulha com uma velha pequenina que devia ter passado a tarde na pinga. Vou tentar ignorar a mensagem que isto envia ao meu subconsciente.
Estou a ler um livro muito bom que me está a reconciliar com o valor das frases despidas e das estórias breves que nos deixam a pensar o resto do dia. E é isto este Verão: corridas longas e narrativas sumárias.
25 junho 2013
areia por todo o lado
Em dois dias foi-se a duas festas de aniversário, uma piscina, uma praia, uma beira-rio, um supermercado, dois pinhais, um bairro antigo, e várias casas de banho de estabelecimentos de restauração. Passou-se a noite de sábado em pouco mais de 3 metros quadrados e, não vou mentir, o haver uma lua gigante, morcegos atrevidos e ondas enormes lá fora ajudou muito a esquecer a dureza do chão e o vomitanço de filho para mãe lá para as quatro da matina. Mas o que me encheu mesmo o coração, percebendo que as coisas estão onde deviam estar, que temos uma sorte do caracinhas com a vida, a família, o amor que temos, foi acordar às 7h30 - ser a última a acordar! - e ter três caras sorridentes a olhar para mim porque, sim, finalmente tínhamos ido acampar pela primeira vez.
Dormir na minha suave caminha foi uma experiência maravilhosa, depois disso. Sim, que o co-sleeping é uma ideia muito ternurenta mas eu tenho dificuldade em repousar com pequenos seres a nadar crawl em cima de mim toda a santa noite.
Dormir na minha suave caminha foi uma experiência maravilhosa, depois disso. Sim, que o co-sleeping é uma ideia muito ternurenta mas eu tenho dificuldade em repousar com pequenos seres a nadar crawl em cima de mim toda a santa noite.
21 junho 2013
comunhão de adquiridos
Um deseja. O outro acompanha. Um propõe. O outro contesta. Define-se devagar um caminho em comum e dão-se os primeiros passos. Moldam-se expectativas. Os obstáculos surgem e as mãos dadas, até então, esticam-se para dar conta dos ritmos diferentes. As vontades são elásticas e as prioridades são diferentes. Conversa-se. Cala-se e pensa-se. Muda-se de ideias. Teme-se desiludir. Teme-se. E avança-se, sempre com a consciência de que há uma grande dose de imprevisibilidade. Há que engoli-la às colheres, tapando o nariz. Enfrentá-la com a única segurança: que não há nada mais poderoso e resistente do que as mãos que continuam dadas ao longo do caminho. Curioso, isto dos casamentos.
19 junho 2013
dando uso ao bom senso
Às vezes tenho a sensação que este mundo de hiperinformação em que vivemos presume que o pessoal está todo a ficar imbecil. Se calhar, está, não sei. Eu também gosto muito de googlar cada dúvida que me assalta, de tentar descobrir o que está por trás de um sintoma físico, de antever as implicações do consumo de determinados alimentos, de estimar as probabilidades de ainda virmos a ter Verão este ano, e por aí fora. Mas espero nunca me esquecer de ligar o cérebro quando se trata de tomar decisões.
Qual é o espanto de a indústria alimentar cada vez mais baseada em elementos artificiais, e servindo empresas que procuram o lucro, fornecer refeições com recheios improváveis? Quem é que não esperava que comprar t-shirts a dois euros feitas do outro lado do mundo significa que essas pessoas são mal pagas? Onde está a novidade no facto de uma dieta à base de restrições estrambólicas, mas em que o organismo não se habitua a gastar mais do que consome, não ir resultar? Ouvimos tantas teorias, anotamos tantas dicas, pinamos tantas receitas, decoramos tantas verdades vendidas pelos media que nos esquecemos de parar e pensar por nós próprios. Descansa-nos um pouco, esta ligeira desresponsabilização pelas nossas escolhas, sustentadas em longas pesquisas internéticas. Esquecemo-nos que, ao final do dia, é o nosso corpo que vive com as consequências do que comemos, é a nossa família que vive na comunidade que criamos e é a nossa gente que é governada pelos líderes em que votamos. Isto da liberdade e da informação é giro: promete devolver-nos o poder mas temos de ser nós a aceitá-lo e a dar-lhe bom uso.
17 junho 2013
os quarenta e dois
A dificuldade começa no facto de eu não acreditar realmente que seja possível. Que sou baixinha. Que o rabo pesa. Que não aguento o calor. Que mais ninguém acredita que eu consigo. Mais ninguém menos esta boa criatura com quem partilho a cama e as contas - mas ele acredita em mim de olhos fechados (benzódeus).
O que é que pode explicar a irracionalidade de tentarmos convencer o nosso corpo a começar a correr e só parar quarenta e dois quilómetros depois? Não sei. É que é para além de difícil, é longamente violento. Dores. Tédio. Quatro horas de solidão penosa, sem fim. É muito, muito estúpido. E, no entanto, lá me inscrevi eu para correr do Guincho ao Parque das Nações, em Outubro. É profundamente absurdo, mas vou gastar as articulações (que hão de fazer-me falta na velhice, como é óbvio) a treinar para aquele dia. Não há explicação lógica. Mas também não há explicação lógica para muitas das decisões realmente importantes que tomamos na vida, não é?
O que é que pode explicar a irracionalidade de tentarmos convencer o nosso corpo a começar a correr e só parar quarenta e dois quilómetros depois? Não sei. É que é para além de difícil, é longamente violento. Dores. Tédio. Quatro horas de solidão penosa, sem fim. É muito, muito estúpido. E, no entanto, lá me inscrevi eu para correr do Guincho ao Parque das Nações, em Outubro. É profundamente absurdo, mas vou gastar as articulações (que hão de fazer-me falta na velhice, como é óbvio) a treinar para aquele dia. Não há explicação lógica. Mas também não há explicação lógica para muitas das decisões realmente importantes que tomamos na vida, não é?
14 junho 2013
apontamentos santantoninos
Os meus rapazes mergulharam no modo lesboeta: fizeram chichi para as árvores da Avenida da Liberdade (pensei usar o copo vazio da minha Superbock mas tive medo que alguém encontrasse e pensasse que era grátes). Fizeram festas aos manjericos e espalharam algodão doce pela cara toda. Acharam que aquilo não era música, que era barulheira, mas dançaram na mesma. Aliás, bailaram e muito. Comigo e um com o outro. A custo, lá houve umas meninas que os levaram para o palco enquanto Os Peitos da Cabritinha abanavam nas colunas de som. As sardinhas não cabiam no pão e eu não cabia em mim de contente, vendo-os assim ramboieiros como a mãe, disfrutando desta cidade que é tão nossa. Tão de todos. Tão linda. Faltaste tu, Vera, para subirmos até à igreja de Santo António e acendermos uma vela. Venham para o ano – suspeito que os teus rapazes também gostarão da festa.
06 junho 2013
o pai-nosso ao vigário
Ler certas divagações de certas pessoas que eu cá sei acerca do que farão quando tiverem filhos faz-me pensar que deve ser assim que se sente o Gordon Ramsay quando lhe aparece uma maçarica a proclamar que o arroz dela nunca cola ao tacho porque descobriu que pode dar-lhe um cheirinho de azeite e alho antes de atirar para lá a água a ferver. E é pena, porque eu também já fui uma maçarica a fazer essas grandes descobertas. Para além de não ser o Gordon Ramsay. Em podendo escolher, e prolongando a metáfora, esforço-me por chegar ao dia em que acolherei as certezas destas quase-mães com a benevolência de uma Barefoot Contessa, por exemplo. Já que estamos a entrar numa de surrealismo culinário, gostava de aproveitar esta oportunidade para viajar no tempo e espetar com uma tarte de natas na cara da gralha de 2006, que achava que nunca faria uma série de coisas e já teria quatro filhos e uma carreira de sucesso por esta altura.
03 junho 2013
aprender a ser filha (também é todos os dias)
Passeávamos alegremente pelo Chiado, entrando e saindo de lojas, lagartando ao sol com gelados, quando a ouvi responder a uma funcionária que "já era uma sexagenária". Pontuando com uma risadinha. Não achei muita graça àquilo. Como é óbvio, a minha mãe anda na casa dos trinta. A minha mãe é rapidíssima. Tem energia de manhã à noite e os olhos verdes mais verdes do mundo. Não estou bem preparada para que vá ficando mais velha, como eu fico mais velha, e acho que era melhor para ambas que envelhecessemos juntas. Está provado que nos damos melhor à mesa de chá e scones do que em qualquer outro cenário. Sei que é um privilégio supremo ter a minha mãe comigo, à distância de meia dúzia de estações de metropolitano. É a avó que desejei para os meus filhos, até lhe perdoo os ovos Kinder e tudo. Mas a minha mãe não é sexagenária, não senhora. Será sempre a minha mãe na casa dos trinta, a conduzir o jipe que eu conduzo agora e a usar bikini com mais propriedade que a filha (que saiu ao Pai, coitadinha).
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