27 fevereiro 2014
mensagem para a gralha em 1985 que também serve para a gralha em 2015
Minha pequenina, sei que gostas muito de desenhar e deves continuar a fazê-lo. Mas esquece lá isso de vires a ser estilista. Tenho passado as últimas madrugadas a cortar e coser fatos de Carnaval para os meus filhos (sim! vais ter filhos! dois rapazes absolutamente perfeitos) e amaldiçoo o dia em que achei que isso era uma boa ideia. É chato. Aquilo não fica nada de jeito. E ando de rastos. Resumindo e concluindo: desenhar é giro, fazer roupas de raiz é péssima ideia. Ainda por cima nunca ligámos por aí além à moda, pois não? (mas imagina lá que esses teus óculos horríveis vão voltar a usar-se em 2014)
26 fevereiro 2014
venha o diabo e escolha
Tendo de optar entre o lastro de uma decisão egoísta e umas colheradas amargas de agrado a expectativas alheias, hesito. Qual o menor dos males, a culpa prolongada ou a contrariedade momentânea? Em teoria, é fácil de responder. Na prática, vou andando e arrastando, tentando convencer-me da minha emancipação, desejando que isto de ser adulto trouxesse os benefícios prometidos pela profilaxia de moralidade que tomei obedientemente desde a infância.
25 fevereiro 2014
boa esperança
Work it Brad, work it.
24 fevereiro 2014
cenários pré-viagem
Tudo corre bem: os voos são pontuais; as crianças sorriem e brincam em paz, deixando os adultos dormir/ler/estar sossegados; fazem-nos um upgrade ao carro de aluguer e o hotel de San Jose tem cortinas e fica num bairro sossegado. Cada viagem é uma nova experiência dos sentidos, a paisagem surpreende, a vida selvagem é abundante e benévola. Todos os alojamentos são pequenas e confortáveis cabanas, com fruta à descrição e anfitriões solícitos. Conseguimos ver o cume do vulcão e não caímos de nenhuma ponte suspensa. As praias são perfeitas, só nossas. O sol brilha ininterruptamente. O mar tem as ondas certas para o surf mas permite o banhar sem sobressaltos dos mais pequenos. A comida é maravilhosa e a cerveja gelada, ao fim do dia. Todos sorriem e dançam à volta de fogueiras. Sonhamos passar o resto dos nossos dias junto ao Pacífico, só para descobrir que nas Caraíbas ainda se está melhor.
Tudo corre mal: perdemos o voo de ligação e as mochilas; os putos queixam-se de 5 em 5 minutos que nunca mais chegamos e eu choro interiormente enquanto tento que durmam encavalitados nos meus ombros exaustos; não registaram a nossa reserva de aluguer e damo-nos por felizes com o único chaço que sobrava, a preço inflacionado. Depois de horas às voltas em San Jose, damos com a espelunca, onde partilhamos quarto com um casal de turistas americanos com ar duvidoso. Não dormimos com o barulho da auto-estrada contígua ao hotel, com o neon a piscar nas janelas, e com medo que nos roubem os filhos ou os rins. Achamos que chegámos ao vulcão mas não temos a certeza, porque está tudo coberto de nuvens e não vemos um palmo à frente do nariz. Chove copiosamente e os miúdos perguntam por que é que continua a ser Inverno. Perdemo-nos nos trilhos, os únicos animais avistados são uma tarântula a tentar comer-nos as sandes e uma cobra que conseguiu entrar para dentro do motor. As praias têm ondas de três metros, tubarões e bandos de pelicanos que nos roubam a mochila. Um coco cai-me na cabeça. Comemos um prato típico recheado de salmonella e o único que resiste à desgraça visceral é o mais pequeno, que se recusa a comer qualquer coisa para além de bananas e bolachas. Contorcemo-nos, dançando, à volta da sanita e não podemos beber cerveja porque só aguentamos chá e arroz no bucho. Sonhamos regressar depressa a casa, não sem antes demorar 14 horas a fazer a travessia até à costa oriental, só para descobrir que nas Caraíbas as praias estão ocupadas por uma convenção neo-rastafari cujos membros tentam oferecer cigarros de cheiro aos nossos filhos. Nós rendemo-nos e aceitamo-los de bom grado.
Tudo corre mal: perdemos o voo de ligação e as mochilas; os putos queixam-se de 5 em 5 minutos que nunca mais chegamos e eu choro interiormente enquanto tento que durmam encavalitados nos meus ombros exaustos; não registaram a nossa reserva de aluguer e damo-nos por felizes com o único chaço que sobrava, a preço inflacionado. Depois de horas às voltas em San Jose, damos com a espelunca, onde partilhamos quarto com um casal de turistas americanos com ar duvidoso. Não dormimos com o barulho da auto-estrada contígua ao hotel, com o neon a piscar nas janelas, e com medo que nos roubem os filhos ou os rins. Achamos que chegámos ao vulcão mas não temos a certeza, porque está tudo coberto de nuvens e não vemos um palmo à frente do nariz. Chove copiosamente e os miúdos perguntam por que é que continua a ser Inverno. Perdemo-nos nos trilhos, os únicos animais avistados são uma tarântula a tentar comer-nos as sandes e uma cobra que conseguiu entrar para dentro do motor. As praias têm ondas de três metros, tubarões e bandos de pelicanos que nos roubam a mochila. Um coco cai-me na cabeça. Comemos um prato típico recheado de salmonella e o único que resiste à desgraça visceral é o mais pequeno, que se recusa a comer qualquer coisa para além de bananas e bolachas. Contorcemo-nos, dançando, à volta da sanita e não podemos beber cerveja porque só aguentamos chá e arroz no bucho. Sonhamos regressar depressa a casa, não sem antes demorar 14 horas a fazer a travessia até à costa oriental, só para descobrir que nas Caraíbas as praias estão ocupadas por uma convenção neo-rastafari cujos membros tentam oferecer cigarros de cheiro aos nossos filhos. Nós rendemo-nos e aceitamo-los de bom grado.
21 fevereiro 2014
vigília
Respiração acelerada, curta, superficial. Muita tosse e um sono perturbado por crocodilos, ladrões, piratas, maus. A febre sempre à espreita. E eu ali ao lado, a velar-lhe as horas nocturnas. À espera que melhore, minuto a minuto. Como é difícil não fazer nada, não poder resolver. Para esta minha geração de pais, tão informada e pró-activa, é quase uma tortura não ter uma solução rápida para tudo à distância de um clique e de 5 ml de qualquer poção mágica. Mas há mesmo curas que se fazem apenas com o tempo e uma presença silenciosa. Pensando bem, se calhar isso também se aplica a tantas outras urgências da vida.
20 fevereiro 2014
a dura realidade
É que não basta desejar, projectar, desprender-se, arriscar, começar a correr, fazer dieta.
Se for eu a escrever mais um post sobre isto ainda me vêm chamar nomes. Mas, que querem, estes quixotismos vendidos às massas fazem-me espécie.
Se for eu a escrever mais um post sobre isto ainda me vêm chamar nomes. Mas, que querem, estes quixotismos vendidos às massas fazem-me espécie.
19 fevereiro 2014
pérola
E depois há aquele dia em que, após vários meses a semear amor, compreensão, ternura, paciência, e a Palavra oportuna, a semente desfaz-se da sua cobertura de disparates, provocações, hiperactividade e atropelos. Abre o coração e deixa voar um bando de andorezinhas aprisionadas. Devolve-nos tudo o que demos a dobrar e sabemos que, independentemente das muitas pedras no caminho, dali sairá bom fruto.
18 fevereiro 2014
conciliar
Identifico-me com os princípios do minimalismo mas colecciono recordações. Professo o ideal clean* porém rendo-me à inverosimilhança de uma existência sem nódoas. Gosto de pessoas e das suas peculiaridades mas preciso da solidão e do silêncio. Quero superar-me e quero dar-me um desconto. Inflexível é mau. Volúvel é pior. Seduzem-me facilmente os lados opostos de um argumento. Sou uma ponte suspensa entre desejos multiplicados e um futuro incerto. Oscilo de passo firme e deixo-me embalar ao ritmo das escolhas e dos condicionalismos. Crescer não ensina a decidir mas ajuda a aceitar a impossibilidade de percorrer todos os caminhos. E a calar a culpa, essa corrupção da consciência.
* Mais um prego no caixão do "asseado"
* Mais um prego no caixão do "asseado"
14 fevereiro 2014
dois corações batendo a compasso
Quem é que leu o título e achou que daqui ia sair uma coisa fofinha? Ah, ah, ah. Como já deviam saber, não há um único osso romântico nas minhas asas. Ainda assim, sinto-me compelida pela sociedade a comemorar este dia de S. Vomitim, mas à nossa maneira (sim, amor, não vamos contentar-nos com aquele beijo que me deste às 7h48 entre as cortinas de roupa estendida e húmida há 3 dias). É por isso que amanhã vamos participar na Corrida dos Namorados 2014 e, mesmo que não ganhemos um dos jantares no restaurante O Cartaxeiro (fazendo figas!), já está garantido o prémio para aquele que, entre nós os dois, fizer mais depressa os respectivos 6 Km: se ele ganhar, tem direito a… isso mesmo que vocês estão a imaginar; se eu ganhar, ele vai limpar o frigorífico e acabar com o glaciar que ameaça expulsar as couvetes. Está-se mesmo a ver que vamos poder abastecer-nos de congelados para o próximo mês. E depois ainda dizem que as relações amorosas já não são como antigamente, suas almas descrentes.
Se interessar a alguém, fiquem sabendo que temos agora o frigorífico mais resplandecente do que uma aurora na Antártida :)
Curiosamente, à nossa maneira, a corrida acabou mesmo por ser um momento romântico. Nunca corremos juntos (alguém tem de ficar com os miúdos) e foi giro participar numa prova em que nos apoiámos mesmo um ao outro. <3
Se interessar a alguém, fiquem sabendo que temos agora o frigorífico mais resplandecente do que uma aurora na Antártida :)
Curiosamente, à nossa maneira, a corrida acabou mesmo por ser um momento romântico. Nunca corremos juntos (alguém tem de ficar com os miúdos) e foi giro participar numa prova em que nos apoiámos mesmo um ao outro. <3
13 fevereiro 2014
palavras órfãs
Queque. Auscultadores. Gabardina. Cor-de-vinho. Cereais. Senha. Lista de desejos. Conjunto. Aplicação. Correr. Antiquado. Descarregamento. Digitalização. Seminário. Esparguete. Pressentimento. Batido. Gratidão. Extraterrestre. Cuecas. Purgante. Rábula. Concentração. Capuz. Toucinho. Venham a mim, pequeninas, eu continuo a usar-vos ainda que todos vos deslocalizem para as profundezas da memória linguística.
10 fevereiro 2014
de pernas para o ar
Agora és mãe. Se eras uma mulher metódica e organizada, tens de habituar-te ao caos e ao improviso. Se eras descontraída e espontânea, tens de dobrar-te às rotinas e às obrigações regulares. Desejas uma coisa
e tens outra (ainda melhor). Sentes dores alheias como próprias. Apagas fogos em
bochechas febris com beijinhos. És acrobata e rochedo, ninho e combustível. Redescobres
tantas coisas melhor do que da primeira vez. Vives infâncias de empréstimo e
assumes responsabilidades com a insegurança de quem nem sempre vê um adulto ao
espelho. Dizes muitos sins, muitos nãos, demasiados an-hans. Distribuis abraços
em abundância e recebes a dobrar. És a pessoa mais importante do mundo para
alguém pequenino e preparas o coração para o dia em que deixares de o ser. Hoje ainda não, amanhã talvez.
Para a minha motoqueira, que me inspirou logo pela fresquinha.
07 fevereiro 2014
ao cuidado do comité olímpico internacional
Caros senhores,
Interpela-vos uma cidadã anónima, amante do desporto (desde que não envolva bolas) e fervorosa defensora do espírito olímpico: como é possível que tenham critérios duplos na organização das vossas provas, contrariando toda a mensagem de compreensão mútua, amizade e solidariedade que afirmam encabeçar? Por um lado, permitem que este mítico evento quadrienal se realize num país que não respeita os direitos humanos mais fundamentais; por outro, só contemplam modalidades praticadas por uma minoria elitista, desvalorizando o esforço de milhões e milhões de desportistas que não vêem a sua excelência reconhecida nos pódios de referência planetária.
Concretizo: desde que um país tenha dinheiro para montar a festa, assobia-se para o lado enquanto se chacina animais, exerce censura ou oprime cidadãos não heterossexuais. Mas se outro país quer participar nos Jogos de “Inverno”, é bom que tenha neve e gelo em abundância. Isto é o absoluto desrespeito pelos países cujo Inverno consiste em temperaturas menos extremas e condições atmosféricas menos postalescas. Onde está o atletismo com rajadas de vento de 120 Km/hora? Onde está a natação em que se sai da piscina para o exterior e se apanha um resfriado com a amplitude térmica? Cadê o salto em comprimento sobre as poças no passeio? E o lançamento de chapéu-de-chuva desvaretado para o caxote de lixo? Porquê ignorar os campeões de resistência à concentração de maus odores corporais em espaços não arejados? Para quando a inclusão do slalom entre goteiras impiedosas nas zonas urbanas mais antigas? E, se insistem no fetiche da neve, onde está o muito amado sku em saco plástico? Há todo um mundo de vivências invernais bastante infernais que não está a ser tido em conta e uma pessoa, parecendo que não, sentir-se-ia reconfortada com o miminho de uma medalha. O chá e os biscoitos já estão um bocado batidos nesse departamento.
Atenciosamente,
Uma gralha encharcada
Interpela-vos uma cidadã anónima, amante do desporto (desde que não envolva bolas) e fervorosa defensora do espírito olímpico: como é possível que tenham critérios duplos na organização das vossas provas, contrariando toda a mensagem de compreensão mútua, amizade e solidariedade que afirmam encabeçar? Por um lado, permitem que este mítico evento quadrienal se realize num país que não respeita os direitos humanos mais fundamentais; por outro, só contemplam modalidades praticadas por uma minoria elitista, desvalorizando o esforço de milhões e milhões de desportistas que não vêem a sua excelência reconhecida nos pódios de referência planetária.
Concretizo: desde que um país tenha dinheiro para montar a festa, assobia-se para o lado enquanto se chacina animais, exerce censura ou oprime cidadãos não heterossexuais. Mas se outro país quer participar nos Jogos de “Inverno”, é bom que tenha neve e gelo em abundância. Isto é o absoluto desrespeito pelos países cujo Inverno consiste em temperaturas menos extremas e condições atmosféricas menos postalescas. Onde está o atletismo com rajadas de vento de 120 Km/hora? Onde está a natação em que se sai da piscina para o exterior e se apanha um resfriado com a amplitude térmica? Cadê o salto em comprimento sobre as poças no passeio? E o lançamento de chapéu-de-chuva desvaretado para o caxote de lixo? Porquê ignorar os campeões de resistência à concentração de maus odores corporais em espaços não arejados? Para quando a inclusão do slalom entre goteiras impiedosas nas zonas urbanas mais antigas? E, se insistem no fetiche da neve, onde está o muito amado sku em saco plástico? Há todo um mundo de vivências invernais bastante infernais que não está a ser tido em conta e uma pessoa, parecendo que não, sentir-se-ia reconfortada com o miminho de uma medalha. O chá e os biscoitos já estão um bocado batidos nesse departamento.
Atenciosamente,
Uma gralha encharcada
03 fevereiro 2014
um dois três quatro!
Visto que não é possível ficar a roer estas bochechas de pêssego durante o resto dos meus dias, consolo-me com a incomensurável alegria de ver-te crescido, bom, espertalhão, meiguinho, tão, tão parecido comigo, meu filho (desculpa lá), uma mão quase cheia de anos e o meu coração a transbordar de amor. Parabéns, Diogo :)
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