31 maio 2012

as palavras que não te direi


A minha Mãe e eu temos uma postura em relação ao meu blogue semelhante à que as minhas primas e a Mãe delas tinham (têm?) com o tabaco: não sei de nada, não vi nada, não comento. Por isso vou aproveitar este espaço para lhe dizer coisas de que não podemos falar, porque é assim que funcionamos há 33 anos e, olha, a coisa lá vai funcionando.

Mamã, ainda bem que nasceste neste dia. De certeza que a tua Mãe ficou muito feliz por te receber. Sei que os teus irmãos ficaram muito felizes por te receber. E sei que a infância que recordas foi feita de luto, de silêncios, de ausências, provavelmente de crianças demasiado pequeninas tentando não incomodar. Não sei, infelizmente, quais os cenários em que cresceste, aquilo a que brincavas, quem eram os teus amigos, como eram os teus dias na escola, como eram as tuas tardes de Verão. Tenho muita pena de não saber nada desse pedacinho daquela que é, também, a minha História, mas já fiz as pazes com esse desconhecimento. Sei a Mãe que sempre foste, a irmã, a mulher, a Avó, a pessoa única e imprescindível (pelo menos para mim) que és ainda hoje. Consigo imaginar a forma e a textura das tuas mãos de memória e penso em tudo o que fizeram por mim. Faz-me pensar naquilo que as minhas mãos significarão um dia para os meus filhos. Tenho muita, muita sorte em ter-te e, especialmente, em poder estar contigo hoje. Sei que somos diferentes como a água e o azeite mas sei agora que não há ninguém no mundo que aceite e ame as minhas fraquezas como tu. Sabe que também te tenho no coração dessa forma – adoptei-te um bocadinho como minha filha, espero que não te importes. Muitos parabéns, B.

29 maio 2012

a bola

Como estou em casa dos meus pais esta semana, faço coisas que já não fazia há muito tempo, como ver o noticiário à hora do jantar. Para além de constatar que aquilo continua a ser perfeitamente dispensável (como é que as pessoas ainda vêem notícias empacotadas na televisão, ao longo de mais de uma hora??), percebi que vem aí o campeonato europeu de futebol e todo o arraial que isso implica. Nunca gostei muito de futebol. O meu clube ganha sempre. Os tremoços também vão muito bem com um filme ao Domingo à noite. E quando chegamos ao ponto de dar tempo de antena a balneários, a treinadores de bancada, aos mexericos sobre a família deste ou daquele jogador (acho que já só reconheço uns três), percebo que o meu problema nos EUA com o basebol e com o futebol americano alastrou aqui a tudo o que envolva bolas. A minha única dúvida agora é: quando todos os meus colegas se estiverem a baldar ao trabalho para ver os jogos, será que posso aproveitar esse tempo para fazer outra coisa qualquer? Arranjo um cachecol verde e vermelho e lá uma daquelas cornetas, não seja por isso.

24 maio 2012

o que acontece quando, em vez da barbosa du bocage, metemos pela elias garcia?

Demoramos mais 40 minutos para estacionar. O que dá tempo para tentar explicar a infertilidade, a adopção, os conflitos e a pobreza em África, ao perguntador mais velho, enquanto o mais novo aponta para a 'mota zul!', 'mota peta!', 'mota zenta!, 'dois motas!'. É muita responsabilidade, isto de dar as primeiras noções sobre matérias complicadas. Então fazer isso, à medida que finalmente estacionamos num lugar minúsculo, é uma proeza admirável.

também tenho de falar do kevin

Porque me tocou muito fundo. Porque achei belíssima a realização da Lynne Ramsay e os desempenhos da Tilda Swinton, do John C. Reilly e do Ezra Miller (que vai passar a visitar-me nos pesadelos, ai pois vai). E porque tocou em muitos nervos estratégicos da minha vivência da maternidade. Porque eu fui muitas vezes para o armário tapar os ouvidos quando o bebé chorava horas a fio. Porque me senti desamada quando me rejeitaram a mama e o colo. Porque sei o que é pensar (ainda que erradamente) que só nós vemos o que se está a passar debaixo do nosso nariz enquanto os demais insistem nas evidências da normalidade. E nem vou voltar à questão da culpa, essa sombra siamesa de todas as mães. Todos os psicopatas deste mundo foram bebés um dia.

23 maio 2012

afectos desarrumados


Durante a adolescência alinhavada a paixões platónicas e relações impossíveis, foram várias as vezes em que o som do chuveiro me cobriu o lamento repetido: “Está bem, isto não resulta. E o que é que eu faço deste amor todo que sinto?” O tempo passou, o dramatismo anda mais disfarçado, mas vejo agora que isto não acontece só com o amor, esta espécie de tiro ao alvo falhado, uma pontaria emocional coxa, a roçar o patético. Dou por mim a não encontrar equilíbrio nem bom senso nisto das relações em geral. Mas também, se calhar, não é suposto estas coisas funcionarem segundo regras certas de contabilidade. Gostamos, e pronto. Se não sabemos como direccionar nem demonstrar devidamente esse afecto, se ele se perde no ar, se fica muitas vezes suspenso, se bate numa parede, não vem daí mal ao mundo. De certeza que há vários aforismos orientais que explicam como tudo retorna à origem, não me está é a ocorrer agora nenhum.

21 maio 2012

fim-de-semana no algarve, sem filhos

Ontem chuviscou. O resto foi tudo muito bom, obrigada.

16 maio 2012

que isto eu não faço afirmações sem fundamento (bom, quase nunca)





questão insignificante mas que me tem feito meditar

Por que é que a imagem que temos dos homens franceses é de criaturas de meia idade, franzindo o sobrolho? Suponho que a meia idade é para condizer com a gastronomia nacional; já a parte da ruga entre as sobrancelhas inquieta-me bastante.

14 maio 2012

chá e torradinhas: não, obrigada

Existem três tipos de pessoas: as que gostam de frio, as que gostam de calor e as que tanto faz. A nós, não tanto faz. E também passamos bem sem as temporadas sombrias debaixo de mantas, por muito bons que sejam os bolos da mãe ou os abraços febris dos filhos constantemente adoentados. Nós, lá por casa, gostamos de muito calor. Gostamos de sair, de brincar na relva, de perseguir lagartixas, de ir para a praia, de fazer piqueniques, de comer saladas frescas e de beber cerveja com tremoços (os miúdos limitam-se a assobiar nas garrafas vazias, mas o princípio é o mesmo). Nós somos Verão e precisamos de Verão. Pelo que este fim-de-semana foi maravilhoso.

11 maio 2012

baixa pressão

Cada um viaja para seu lado quando o tempo muda. Eu vou para o outro lado do mar, para a época dos furacões e as sextas-feiras com deep-fried donuts, duas camadas de cobertura de açúcar e geleia, e uma bebida na varanda antes do jantar, para cumprir os nossos cinco minutos de fim-de-semana. Os grilos já devem estar a fazer uma barulheira, por lá. Depois regresso a este lado, à minha madrugada junto ao rio, o sol presumindo-se que a nascer e eu a tentar evitar que o cacilheiro me ultrapassasse, junto à Estação de Belém. É óbvio que há coisas maravilhosas e únicas dos dois lados, basta estar atenta. Acontece que aqui tenho mesmo mais condições para parar e atentar nessas pequenas coisas.

10 maio 2012

torcer-lhes o pipo e depois espremê-los contra o peito

Não sei se é só comigo que isto da maternidade tem muito de bipolar (se calhar já tenho inclinação natural). As minhas crias não me dão azo a um amor sereninho, mar de tranquilidade. Não, a coisa é sempre intempestiva e imprevisível. Num minuto há uma rabujice sem fim nem motivo, seguida do maior gesto de ternura e de grandes provas de maturidade. No segundo depois de ligar a máquina de roupa (ou geralmente por volta das 18h37, quando estou de roda dos tachos) há uma mega-cocozada nas cuecas, que se espalha pela roupa, pernas, a casa toda (enfim...), para depois haver festinhas muito meiguinhas e um 'pulpa Mamã...' que derretem as últimas neves do Kilimanjaro. É uma misturada de ralhetes e abraços, isto. É uma coisa muito pouco aconselhável a cardíacos.

09 maio 2012

gritar, espernear, dizer asneiras, ficar em silêncio

Devia vir na declaração dos Direitos Humanos que toda a gente tem direito a um quotidiano normal, que todos podemos acreditar que as coisas boas podem sempre acontecer. Toda a gente, especialmente as pessoas verdadeiras, inteligentes, corajosas e que já levaram pontapés da vida que cheguem, como a Silvina.

esta semana, de corrida

Vi dois filmes muito bons (pode ser que poste sobre isso noutra altura);
Tenho o mais crescido em casa há 3 dias (já não há 'assistência à família' que aguente o último mês);
Estou praticamente zarolha, de conjuntivite;
Estou a comer uma francezinha supremamente deliciosa, que me está a sujar os dedos, mas não faz mal porque estou a escrever no teclado do trabalho.

03 maio 2012

o meu coração tem quatro cores

Azul, vermelho e branco. Rio baixinho da habitual procrastinação e desorganização portuguesas, que deixam tudo para o último minuto.
Verde e vermelho. Sorrio e aplaudo a nossa criatividade e capacidade de encontrar alternativas improváveis e contactos informais para resolver os problemas.

As candidaturas de projectos à FCT fecham hoje e o website está em baixo desde ontem à noite. Ontem houve tornado em Sesimbra, hoje há aviso de furacão por aqui.

02 maio 2012

etnografia do consumo

Para determinar o seu estatuto socioeconómico, por favor escolha a hipótese mais adequada:

a) O meu Pingo Doce estava um inferno, vi gente a lamber gelados das arcas frigoríficas e a polícia tinha medo de entrar;
b) O meu Pingo Doce tinha filas intermináveis mas consegui apanhar alguma coisa e fugir a sete pés (espero que repitam a promoção);
c) Ontem fui ao Pingo Doce e havia mais velhinhas do que é costume na caixa prioritária;
d) Ontem fui ao Supercór e trouxe um Pêra Manca 2003 que é uma maravilha.

Perdi uma belíssima oportunidade de fazer observação participante, ontem, com o caso do Pingo Doce. É por estas e por outras que a minha carreira académica nunca foi a lado nenhum.

01 maio 2012

carne


Arranco-te lascas mornas e elas cedem a intervalos. Fumegas e deitas um cheiro insuportável: gordura, sangue, membros com cartilagens soltas. Puxo-te nervos, escalpo-te peles, escorro-te o tutano que se desfaz dentro dos ossos. Fico com as mãos sebosas e perco qualquer sugestão de apetite. De animal, transformo-te em jantar e arrependo-me ao longo de cada um daqueles minutos de carnificina post mortem. Abutro-te e atiro-te para o tacho, borrego que me foste oferecido. As minhas crias têm fome.

Por muito que goste de desempenhar o papel da dona-de-casa vintage, não consigo lidar com isto de mexer em animais inteiros. Nunca amanhei um peixe. Murmuro o hino nacional para rechear um peru. Não volto a desfazer um bicho que já correu pelos prados - ou mesmo só por entre os 2 metros quadrados de um redil de produção em série. Sou uma fraude, as minhas inclinações vegetarianas não são de origem moral, são só uma maneira de fugir à repulsa primordial de consumir outro ser.