31 outubro 2014
prazer, uma definição
De regresso a casa, depois de jantar nos meus pais. Conduzo com uma fresta aberta e a música no mínimo. Um filho dorme na cadeirinha, honesto, e lá atrás espreita o perfil do cão. Tem as orelhas descaídas e o focinho em riste, adivinhando coelhos no parque da Bela Vista.
29 outubro 2014
os diabretes dele
A modesta audiência deste blogue também é constituída por pessoas sem filhos. É gente de extremo bom gosto, claro, que concilia bons princípios e sentido de humor, evitando tecer julgamentos apressados sobre os outros. Por isso nunca arranjei problemas por aqui, independentemente dos temas sobre os quais me apeteça dizer umas baboseiras. Por isso e porque há uma realidade incómoda que disfarço: que os filhos do meu marido são uns diabretes. De cada vez que um médico, uma professora, um merceeiro, uma tia, ou um paroquiano lhes faz uma festa na cabeça e elogia o bom comportamento, o meu marido pensa que eles são uns sabidões, mestres do disfarce. É normal e socialmente aceitável que dois rapazes se portem mal, os outros é que os apanham sempre num momento feliz. Asseguro-vos que todas as ameaças de os enviarmos para outros pais são prontamente rebatidas, não lhes batemos, e a cadeira do castigo bem que podia ser mais utilizada. Eles fazem disparates todos os dias e errar é o mano - pelo menos é o que eles acham, visto passarem a vida a fazer queixinhas um do outro. Eles lá continuam a brincar alegremente até à próxima zaragata. À mesa, é comum o choro e o ranger de dentes, mas comemos sempre juntos. Contamos a parte preferida e a parte mal preferida do dia. Eles retorcem os individuais e sofrem de amnésia repetida em relação às opções de fruta. Acordam cedo demais e vêm perturbar a paz da senhora sua mãe, enquanto tenta fazer yoga. Embicam com os brinquedos mais barulhentos e insuportáveis, desarrumam o quarto e deixam tudo perdido na escola. Tenho de reconhecer que não é uma situação propriamente insuportável mas não é muito popular. E eu preferia manter a fachada de que somos uma família perfeita.
28 outubro 2014
os meus anjos
A modesta audiência deste blogue é constituída por mães. São mães de extremo bom gosto, claro, que conciliam bons princípios e sentido de humor, evitando tecer julgamentos apressados sobre os outros. Por isso nunca arranjei problemas por aqui, independentemente dos temas sobre os quais me apeteça dizer umas baboseiras. Por isso e porque há uma realidade incómoda que disfarço: que os meus filhos são uns anjos. De cada vez que um médico, uma professora, um merceeiro, uma tia, ou um paroquiano lhes faz uma festa na cabeça e elogia o bom comportamento, estremeço. Não é normal nem socialmente aceitável que dois rapazes sejam tão atinados, de certeza que andamos a fazer qualquer coisa de errado. Asseguro-vos que não os ameaçamos, não lhes batemos, pouco os castigamos, e eu até faço questão de repetir periodicamente que toda a gente faz disparates, que errar é humano. E eles lá continuam a brincar alegremente. A vir para a mesa quando os chamamos. Bom, às vezes é preciso chamar algumas vezes. E a tratar das tarefas que lhes cabem. A falar com bons modos e a mastigar (quase sempre) de boca fechada. Raramente andam às zaragatas. Acordam e deitam-se na paz do Senhor. Inventam brinquedos com tralha antiga, arrumam o quarto e levam livros para a escola. Tenho de reconhecer que não é uma situação propriamente desagradável mas é muito impopular. É agora que vêm chamar-me nomes?
27 outubro 2014
duratrail 2014
Há quem corra por todas as razões, desde a balança, ao desafio e à superação própria. Eu corro por prazer. Sobretudo o prazer de descobrir novas paisagens. Por que não a andar? Porque demora muito e descobrem-se menos paisagens.
Feita a introdução, traço agora um retrato breve da prova de ontem, para quem queira deixar-se morder pelo bichinho.
Acordei às 3h30 com a excitação. Às 6h30 fui buscar a minha boleia e lá fomos para Setúbal. Levantámos os dorsais e fomos tomar café, enquanto ele me contava aventuras passadas e planos futuros (só maluquinhos da corrida aturam esta conversa mais do que 10 minutos). Às 9h foi dada a largada e, a partir daí, o prazer nunca mais terminou. O prazer de subir ao alto da serra e ver o sol a despontar por trás de Tróia. O prazer de ir fazer um chichi no meio da mata e espetar-me nuns ramos cheios de espinhos. O prazer de fazer os primeiros quilómetros a ritmo de caracol porque ia tudo em filinha - mas assim deu para tirar fotografias. O prazer de muitas subidas e descidas íngremes, daquelas em que percebemos pela primeira vez que temos determinado tipo de músculos. O prazer das melhores laranjas do mundo no primeiro abastecimento. O prazer de lidar com voluntários impecáveis, numa prova irrepreensível em termos de organização. O prazer de ser acometida de câimbras porque parei demasiado tempo a comer laranjas. O prazer de conhecer alguém que ia ao meu ritmo e puxarmos uns pelos outros (olá Márcia!). O prazer de passar pelo leito de ribeiras com água fresca pelo joelho. O prazer de escalar pequenas paredes e de descer por caminhos tão apertados que até eu tinha de ir de cócoras. O prazer de superar as câimbras e conseguir ir conquistando lugares, uns atrás dos outros. O prazer de chegar à praia e insultar quem desenhou o percurso e fez-nos correr duas vezes pela areia seca, enquanto os veraneantes apanhavam um solzinho bom. O prazer de sprintar até à meta, indiferente a tempos, a velocidades, à tosse que me fez sempre companhia, e cruzar a meta com um grande sorriso. Tanto prazer, que quase nem faz diferença ter ficado em 5º lugar do meu escalão, apesar de ter demorado o que me pareceu uma eternidade. Será que posso deixar o meu emprego e virar Carlota Sá? Umm, não me parece. Mas enquanto continuar a ter oportunidades assim, estou muito feliz :)
Feita a introdução, traço agora um retrato breve da prova de ontem, para quem queira deixar-se morder pelo bichinho.
Acordei às 3h30 com a excitação. Às 6h30 fui buscar a minha boleia e lá fomos para Setúbal. Levantámos os dorsais e fomos tomar café, enquanto ele me contava aventuras passadas e planos futuros (só maluquinhos da corrida aturam esta conversa mais do que 10 minutos). Às 9h foi dada a largada e, a partir daí, o prazer nunca mais terminou. O prazer de subir ao alto da serra e ver o sol a despontar por trás de Tróia. O prazer de ir fazer um chichi no meio da mata e espetar-me nuns ramos cheios de espinhos. O prazer de fazer os primeiros quilómetros a ritmo de caracol porque ia tudo em filinha - mas assim deu para tirar fotografias. O prazer de muitas subidas e descidas íngremes, daquelas em que percebemos pela primeira vez que temos determinado tipo de músculos. O prazer das melhores laranjas do mundo no primeiro abastecimento. O prazer de lidar com voluntários impecáveis, numa prova irrepreensível em termos de organização. O prazer de ser acometida de câimbras porque parei demasiado tempo a comer laranjas. O prazer de conhecer alguém que ia ao meu ritmo e puxarmos uns pelos outros (olá Márcia!). O prazer de passar pelo leito de ribeiras com água fresca pelo joelho. O prazer de escalar pequenas paredes e de descer por caminhos tão apertados que até eu tinha de ir de cócoras. O prazer de superar as câimbras e conseguir ir conquistando lugares, uns atrás dos outros. O prazer de chegar à praia e insultar quem desenhou o percurso e fez-nos correr duas vezes pela areia seca, enquanto os veraneantes apanhavam um solzinho bom. O prazer de sprintar até à meta, indiferente a tempos, a velocidades, à tosse que me fez sempre companhia, e cruzar a meta com um grande sorriso. Tanto prazer, que quase nem faz diferença ter ficado em 5º lugar do meu escalão, apesar de ter demorado o que me pareceu uma eternidade. Será que posso deixar o meu emprego e virar Carlota Sá? Umm, não me parece. Mas enquanto continuar a ter oportunidades assim, estou muito feliz :)
24 outubro 2014
adeus, mundo cruel
Há uma probabilidade assinalável de eu falecer amanhã, ou pelo menos de cair de uma ribanceira abaixo e ficar em tal mau estado que passo a só conseguir expressar-me com uma palhinha ligada a um computador. Deposito toda a esperança de sobrevivência na caridade de um companheiro ultramaratonista, que está coxo, e é capaz de ter piedade de mim e deixar-me segui-lo como um cachorrinho desorientado e cheio de tosse. Se mesmo assim a coisa der para o torto, aqui ficam algumas confissões que me deixam partir mais descansada:
a) Risquei um automóvel cinzento estacionado na esquina da R. Afonso Lopes Vieira com a Av. da Igreja, em 2003, salvo erro, e não deixei um papel com o meu contacto. Depois disso já risquei muitos outros carros, paredes, pilaretes e árvores mas nunca deixei de reconhecer-me culpada, ao menos isso;
b) Quando o Matias faz chichi na entrada do prédio que tem aquela porteira muito chata e mal-educada, às vezes olho para o lado;
c) Todos os panfletos e cupões publicitários que me chegam ao correio vão parar à caixa do vizinho do 1º andar, que teima em abrir a porta a toda a gente sem perguntar ao que vêm.
Beijnhos e sejam felizes.
a) Risquei um automóvel cinzento estacionado na esquina da R. Afonso Lopes Vieira com a Av. da Igreja, em 2003, salvo erro, e não deixei um papel com o meu contacto. Depois disso já risquei muitos outros carros, paredes, pilaretes e árvores mas nunca deixei de reconhecer-me culpada, ao menos isso;
b) Quando o Matias faz chichi na entrada do prédio que tem aquela porteira muito chata e mal-educada, às vezes olho para o lado;
c) Todos os panfletos e cupões publicitários que me chegam ao correio vão parar à caixa do vizinho do 1º andar, que teima em abrir a porta a toda a gente sem perguntar ao que vêm.
Beijnhos e sejam felizes.
23 outubro 2014
estou cheia de avessos
Dia de ser o pai a tratar deles. Mesmo antes de ir para a escola, ouço o mais novo queixar-se de não conseguir dobrar o pijama, que está todo cheio de avesso. Pouso a caneca de chá, dobro o canto da página e fecho o livro, com um sorriso. Aparentemente, isto dos filhos, do livro e do chá fazem de mim uma impossibilidade ontológica, mas sobre isso já alguém disse aqui o que eu penso sobre o assunto.
Sem o saber, o meu filho acabara de descrever o meu estado de alma nos últimos tempos. Nunca escapo às minhas próprias armadilhas. Era previsível o falhanço de alguém que se sustenta na aparente solidez de determinadas premissas obviamente perecíveis. De entranhas reviradas, sem voz, arrasto os pés pelos dias fora. Nem força há para resmungar decentemente. Mais do que nunca, as orações são lançadas como garrafas de náufrago. Sempre com esperança de salvação, sempre com medo de apanhar com a garrafa de volta no toutiço. Antes de saírem, os meus rapazes passam por mim e beijam-me em sítios inauditos, com medo do contágio. Tenho um cotovelo, uma nuca e um umbigo cheios de sorte. Posso estar de pernas para o ar, mas estou em boa companhia.
Andei esta semana a escrever num .doc o que antes fazia aqui. Este exercício diário pode não servir um fim maior do que o meio, mas faz-me falta. Quem quiser ler, que leia. E agora vou ali comprar um apito.
Andei esta semana a escrever num .doc o que antes fazia aqui. Este exercício diário pode não servir um fim maior do que o meio, mas faz-me falta. Quem quiser ler, que leia. E agora vou ali comprar um apito.
17 outubro 2014
este estabelecimento está encerrado para balanço
A verborreia não é sinónimo de uma mente cheia de ideias. Nem o silêncio implica ausência de opinião. A actividade frenética não é genialidade incontida e a contenção nem sempre é falta de coragem. Dizer muito, falar muito, opinar muito não esgota os argumentos, porque estes são como a água e regressam sempre à nascente. Mas há torrentes de palavras que ensopam espaços de sequeiro que precisam de apanhar ar. A inundação constante apodrece as sementes de novas ideias. Haja vazio, algum tento na língua. E menos ego, menos.
16 outubro 2014
aceitar que se é uma pessoa extremamente irritante
Os meus pais nunca me levaram ao psicólogo e por isso ainda não descobri ao certo a origem dos meus problemas de sociabilidade. Durante algum tempo achei que era por não ser do tipo disruptivo e gostar de aprender coisas, ao passo que os outros preferiam baldar-se às aulas, comentar quem não usava calças Uniform e ouvir aquela música insuportavelmente nasalada, acho que era Britpop. Depois fiquei estúpida e perdi a memória de curto prazo com as gravidezes (nunca passou). Continuei a não estar à vontade no meio de pessoas com mais de dez anos de idade. Mas não é por falta de afinidades com a população não infantil, há muitos adultos que não gostam do mesmo que eu, se bem que seja mais difícil encontrar quem goste do mesmo, sobretudo no plano ideológico-desportivo-confessional. Enfim, até há indivíduos tolerantes que suportam a convivência com beatas frenéticas feministas. A dissonância cognitiva tem o seu quê de atraente no primeiro embate, pode demorar um bocado até fartar.
Finalmente acho que estou na pista certa para diagnosticar o problema: de todos os meus defeitos mais ou menos admissíveis, o que não se aguenta é esta mania de acordar cedo e bem disposta. De uma forma genuína e não só a fingir, para ilustrar instagrames de pequenos-almoços. Isso ofende. É uma maneira muito feia de apontar o dedo à cara de cada cidadão honesto que se levanta a rosnar e leva o seu tempo a ficar de bem com a vida. Viver todos os dias é difícil, é preciso muita arrogância para achar que se pode começar logo a abrir. Compreendo-vos, pessoas. Se conhecesse alguém como eu também tinha alguma vontade que lhe caísse uma bigorna na cabeça. Já tentei deitar-me tarde e consumir substâncias inebriantes, para ver se isto amansava. Acordei cedo na mesma, rabugenta, e não fiz um único amigo nesse dia. Não há nada a fazer, não nasci para ser socialmente aceitável.
Finalmente acho que estou na pista certa para diagnosticar o problema: de todos os meus defeitos mais ou menos admissíveis, o que não se aguenta é esta mania de acordar cedo e bem disposta. De uma forma genuína e não só a fingir, para ilustrar instagrames de pequenos-almoços. Isso ofende. É uma maneira muito feia de apontar o dedo à cara de cada cidadão honesto que se levanta a rosnar e leva o seu tempo a ficar de bem com a vida. Viver todos os dias é difícil, é preciso muita arrogância para achar que se pode começar logo a abrir. Compreendo-vos, pessoas. Se conhecesse alguém como eu também tinha alguma vontade que lhe caísse uma bigorna na cabeça. Já tentei deitar-me tarde e consumir substâncias inebriantes, para ver se isto amansava. Acordei cedo na mesma, rabugenta, e não fiz um único amigo nesse dia. Não há nada a fazer, não nasci para ser socialmente aceitável.
15 outubro 2014
fw 2014-2015
Os modelitos da estação, sem ordem definida. Como sempre, sem grande coerência estilística ou temática. O Clarice é o meu vestidinho preto, que nunca compromete. O Joyce, a gabardina bege que me desfavorece a tez mas protege da degeneração das sinopses afectadas por aquela coisa previsivelmente pirosérrima dos Beautiful Forevers. Não falta o outfit de desporto nem as últimas tendências pulitzerianas e newyorktimianas. Assumo o risco de não serem o mais adequado ao meu biótipo mas a pressão social é grande, como a porcaria das skinnies que nunca mais se vai embora de uma vez por todas.
14 outubro 2014
paliativos
Aquilo de gostar do frio e da chuva porque uma pessoa se enrosca nas mantinhas, nos gatos, nas chávenas de chá, nos chanatos, no namorado, e fica toda consolada.
Ou
Ter uma dor de cabeça lancinante, o jantar para fazer, os miúdos a gritar-nos aos ouvidos, e tomar uma aspirina, encomendar pizza e calar as criaturas com o Mickey em loop, respirando de alívio.
Igual.
Prefiro calor, sol, jantar numa esplanada com o namorado e qualquer enrolanço posterior não ser apenas um gesto de conforto rotineiro.
Ou
Ter uma dor de cabeça lancinante, o jantar para fazer, os miúdos a gritar-nos aos ouvidos, e tomar uma aspirina, encomendar pizza e calar as criaturas com o Mickey em loop, respirando de alívio.
Igual.
Prefiro calor, sol, jantar numa esplanada com o namorado e qualquer enrolanço posterior não ser apenas um gesto de conforto rotineiro.
13 outubro 2014
porto
Descobrir alguma coisa em conjunto, em havendo atenção, é alcançar a sinestesia. Um delicia-se com a melhor confeitaria do mundo e tem de inventar apetite para acomodar a francesinha do almoço. Outro anda à escuta de fantasmas na secção de poesia da Lello & Irmão, a única livre dos turistas que zumbem em redor dos escaparates à entrada. O outro admite que, sim, afinal via-se a viver no meio daquela deliciosa falta de rigor urbanístico e com a simpatia genuína dos autóctones, “só é pena dizerem tantas asneiras, mamã”. Eu recorro à estratégia infalível de calçar as sapatilhas ir ver as vistas a onze quilómetros/hora. Respiro o cheiro setentrional das ruas cobertas de granito e aceno aos velhotes de Miragaia. Dizem-me que eu sou a máior e eu acredito. Afinal, estou numa cidade que inflaciona despudoradamente a fé no melhor que há nos céus e na terra. (ouvi dizer que em Lisboa chovia. Estava-se muito bem ao sol nos jardins de Serralves e os miúdos apanharam dezoito castanhas)
10 outubro 2014
remediando uma educação negligente
Sou adepta da pedagogia pelo exemplo e pela prática. Isto já não podia continuar assim. Anos a fio a convencê-los demonstrar com simplicidade que vale a pena torcer pelo azul e branco, tarefa particularmente complicada nos últimos tempos, já fazia falta uma visita de estudo há muito devida. Que isto de criar portistas em Lisboa não pode ser só para ganharem carácter e estarem habituados a remar contra a maré, por muito importantes que sejam essas competências. Mais que adeptos de um clube, quero-os amantes de uma região, de uma latitude onde também têm raízes. Hoje vamos subir por essa A1 acima e só paramos depois de atravessar aquele rio doce como o vinho que dele bebe.
09 outubro 2014
altas pressões
Hoje estou a ter um dia tão stressante, tão stressante, tão stressante que até sou capaz de fazer subir a pressão atmosférica de Portugal Continental ao ponto de obrigar a chuva a voltar para as nuvens. Isso e também se dá aquele efeito de cansaço que me faz dizer piadas imbecis destas, como quando já bebi muito mais do que a conta. Segundo me lembro, porque já não acontece há que tempos.
08 outubro 2014
o meu único problema
Não conseguir, de facto, encarar-me com sentido de humor. Uma coisa é rirmo-nos das nossas falhas e fragilidades, o que esperam que façamos para demonstrar maturidade. Outra coisa é conseguir realmente a distância necessária para perceber a pequenez dessas coisas e ficar de bem com a vida. Que fique claro: as piadas que faço à minha custa são ainda mais retóricas do que aquelas perguntas com que confrontamos os amigos íntimos, esperando a confirmação de alguma coisa que já temos como certa. No dia em que me livrar da melancolia e achar graça à minha finitude, serei livre. Provavelmente no caminho da senilidade.
07 outubro 2014
as mentiras das pessoas
Falamos sempre sobre os nossos desejos, e tentamos esconder-nos desesperada e inconscientemente. A vida torna-se quase interessante, quando já aprendeste as mentiras das pessoas, e começas a desfrutar e a notar que dizem sempre uma coisa diferente daquilo que pensam e querem realmente. Sim, um dia chega o reconhecimento da verdade: e isso significa a velhice e a morte. Mas então isso já não dói.
in Sándor Márai, As velas ardem até ao fim
in Sándor Márai, As velas ardem até ao fim
06 outubro 2014
a cada um a sua meta
Ontem o meu marido correu a sua primeira maratona. Neste momento está ainda mais contente do que empenado, e olhem que parece um morto-vivo de um filme de série B. Um lindo morto-vivo com um sorriso contagiante. Coloquei tanta fé nele que até me fui embora antes de ele cruzar a meta, por estar convencida que já o tinha feito há imenso tempo de certeza absoluta (estava incontactável). Bela mulher que lhe saiu na rifa, não haja dúvida.
Ontem o meu filho mais velho completou a sua primeira mini-maratona. E ficou quase tão coxo e feliz como o pai. Recebeu a medalha com a solenidade de um pódio dos Jogos Olímpicos. Coisa que acontecerá um dia, não duvido – provavelmente noutra modalidade.
Ontem o meu filho mais novo esteve refastelado no tabuleiro da ponte Vasco da Gama enquanto lhe faziam massagens. Foi levado de carrinho e ganhou um gelado mais duas medalhas. Como é que algum dia há de perceber que o esforço compensa, isso já não sei.
Ontem fui só espectadora. Gritei, bati palmas, dei tantos high-fives que tenho um dedo inchado. E percebi como é complicado conciliar dois papeis que mantenho separados, o de atleta e o de mãe. Enquanto tentávamos, a custo, ultrapassar as massas de excursionistas que desfrutavam do passeio domingueiro sobre o Tejo, invocava todas as fadinhas da Floribela para não mandar dois berros ao miúdo de sete anos que tentava acompanhar-me, de língua de fora.
Há que aceitar o que é irreconciliável: a mãe boa e paciente precisa de manter-se longe da mulher dura e lutadora. A primeira retira energia da segunda, e esta alimenta-se da paz da primeira. Mais vale dar espaço ao triunfo discreto de cada uma do que aspirar à perfeição completa e virar mumzilla.
Ontem o meu filho mais velho completou a sua primeira mini-maratona. E ficou quase tão coxo e feliz como o pai. Recebeu a medalha com a solenidade de um pódio dos Jogos Olímpicos. Coisa que acontecerá um dia, não duvido – provavelmente noutra modalidade.
Ontem o meu filho mais novo esteve refastelado no tabuleiro da ponte Vasco da Gama enquanto lhe faziam massagens. Foi levado de carrinho e ganhou um gelado mais duas medalhas. Como é que algum dia há de perceber que o esforço compensa, isso já não sei.
Ontem fui só espectadora. Gritei, bati palmas, dei tantos high-fives que tenho um dedo inchado. E percebi como é complicado conciliar dois papeis que mantenho separados, o de atleta e o de mãe. Enquanto tentávamos, a custo, ultrapassar as massas de excursionistas que desfrutavam do passeio domingueiro sobre o Tejo, invocava todas as fadinhas da Floribela para não mandar dois berros ao miúdo de sete anos que tentava acompanhar-me, de língua de fora.
Há que aceitar o que é irreconciliável: a mãe boa e paciente precisa de manter-se longe da mulher dura e lutadora. A primeira retira energia da segunda, e esta alimenta-se da paz da primeira. Mais vale dar espaço ao triunfo discreto de cada uma do que aspirar à perfeição completa e virar mumzilla.
03 outubro 2014
chanoyu
A poeira toda de Atacama* levantou-se esta noite, pegou nas saias e entrou-me sorrateiramente pelas fossas nasais, assentando na minha garganta. Arde e está seca. Então calo-me. Se as palavras são inevitáveis, deixo-as sair com a parcimónia e delicadeza de quem serve o chá a preceito. Devia ser sempre assim. Falar como dádiva e não como imposição. Sussurrando, ouvem-me com cuidado. E regressam à zona de ruído com a serenidade de quem acabou de emergir de um mergulho prolongado.
* Sempre fonte de
inspiração, Capotada.
02 outubro 2014
lista de actividades voluntárias que nunca vão constar do meu currículo
1. Dirigente de Associação de Pais.
(esta lista nem vou fingir que vou continuar um dia, mas explico: todo o meu voluntarismo, que até é em grau generoso, tropeça, cai, rebola e foge perante situações que envolvam muitas mãezinhas juntas a lutar furiosamente pelos seus petizes, cruzes credo. Sim, dona da mota, acho que és um bocado doida por te meteres nisso. Mas já te achava um bocado doida de qualquer forma)
01 outubro 2014
lista de expressões paternalistas que me enervam
1. "As gentes de (inserir nome de terra do interior)"
(em actualização)
(em actualização)
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