19 junho 2025

Caramelo

É mais difícil acertar no ponto do caramelo, agora que estraguei o termómetro de cozinha, mas continuo a prepará-lo de cada vez que terminamos uma temporada de uma das séries que vemos em família. Requer paciência, raspar os grãos de açúcar que ficaram acima da linha de água, no tacho, ir mexendo sem perturbar a superfície até chegar à altura de juntar a manteiga, o sal e as natas frias (uso iogurte grego). Criei esta tradição do caramelo porque sou gulosa e porque acabo por inventar trabalho na cozinha, apesar da minha parca domesticidade. Nem sequer tenho assim tanto amor à rotina. Preciso que estas coisas pequenas, mas previsíveis, ocupem espaço na história da minha família. Não quero correr o risco de olhar para trás e ver só divórcio, confinamentos, doenças, mortes, os fantasmas da quase guerra. Se calhar é por ler demasiados romances que não consigo não ter uma noção de narrativa do dia-a-dia. Cada vez me interesso menos pelo que não é ficção. Faço caramelo salgado para cobrir pipocas e sento-me no chão da sala enquanto os de sempre lutam pelo canto do sofá. Nessa altura, está tudo no seu lugar. No filme 'Adaptation', que vi recentemente, um guru do guinismo alertava contra as histórias sem drama e resolução. Pois sim, este é o meu enredo e será tão previsível e sem sobressaltos quanto estiver nas minhas mãos.

As outras doçuras:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Panados e arroz de tomate

Quinta da Cruz da Pedra

13 junho 2025

Não somos iguais

Bem-aventurados os vulneráveis, porque lhes será estendida uma mão. Bem-aventurados os curiosos, a quem será dada a eterna descoberta. Bem-aventurados os perseguidos, possam logo crescer-lhes asas. Bem-aventurados os tontos de amor, a quem será dada a comunhão. Bem-aventurados os que têm fome e sede de quem grite onde todos fazem silêncio. Bem-aventurados seremos quando, incompreendidos, banidos das redes sociais e dos jantares de família, não compactuarmos com as vozes que teimam que não somos iguais, porque a igualdade não está na origem, mas no cumprimento do sonho.

Todas diferentes, todas semelhantes:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Panados e arroz de tomate

Quinta da Cruz da Pedra

06 junho 2025

Terra (e criança)

Uma criança brinca sozinha, de cócoras, enquanto esgravata o solo. Risca e alisa, ignora que, no final do dia, lhe vão esfregar as unhas a escova e sabão. É a mesma criança que se há de deitar na terra a olhar para as nuvens. Faz a experiência ancestral do conhecimento pelo toque. Testa a textura dos torrões, tenta pinçar uma formiga. Coleciona sementes, faz festinhas na erva. Bichos-de-conta para tantas horas de recreio, uma vida novinha em folha. Ser terra-a-terra é não deixar que o vento disperse essa herança. A corrente que prende a âncora de um navio ao fundo do mar precisa de ser móbil mas sólida. A corrente que prende a divagação à essência do que somos agarra-se à terra com mãos e pés que aprenderam desde cedo a dar de si, ou a enfiar os dedos mais fundo, quando é preciso.

Outras terráquias de cabeça no ar:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Panados e arroz de tomate

Quinta da Cruz da Pedra