07 fevereiro 2025

Espelho meu

Se um ovo consegue equilibrar-se num muro, não vão ser as minhas vertigens a evitar a mesma habilidade. Este princípio resume uma abordagem bastante ingénua perante a vida. É o tipo de postura que nos salva por estes dias, vão por mim. Insisto militantemente na esperança e no absurdo.

Por cima da cómoda MALM de quatro gavetas, código 704.035.74, que está ao lado da minha cama e que serve de stand up desk nos dias de teletrabalho, fica um espelho retangular sem código nem nome, foi uma tia que o ofereceu. De tempos a tempo, o meu olhar foge do ecrã do portátil para lá. Sou uma ótima colega de trabalho de mim própria: elogio a colega (apesar do cabelo sempre despenteado), deixo-a comer as melhores bolachas, sou a primeira a sugerir uma pausa. Evito os mexericos mas o convívio constante com o meu reflexo obriga-me a enfrentar a dura realidade de estar ali. Queria passar para o outro lado do espelho. Deixava as pantufas arrumadinhas, as mensagens de correio eletrónico por responder, e alçava a perna. O meu espelho não devolve uma imagem do que já não é, convida às possibilidades do que ainda não foi. É o único lago onde não consigo mergulhar. E há tanto, tanto mundo que ainda quero ver.

As restantes espelhadas estão aqui: A Gata Christie, Boas Intenções, O Blog Azul Turquesa, Panados e arroz de tomate (em atualização)


31 janeiro 2025

Espalhar-se ao comprido

Esta noite, espalhei-me ao comprido na cama porque tinha calor e frio e calor e frio, cabelos na cara, pés gelados, nariz pingão. Aquela luta viral que combatemos desde o primeiro contágio na creche até ao fim das forças do nosso sistema imunitário. "Viral" mudou pelo menos duas vezes de sentido desde que aqui escrevi pela última vez. Numa, passou a sinónimo do que se propaga na Internet, espaço de desconhecidos, algoritmos e velocidades estonteantes. Noutra, quando ficámos todos em casa a fazer pão e a bater palmas, numa distopia sobre a qual ainda é prematuro falar.

Como não dormi grande coisa, idealizei listas de compras, programei máquinas de roupa em dívida, fui fazer um chá. Ou seja, a noite poupou-me um pouco o dia. Ao dia, roubo uns minutos para regressar aqui, empurrada pela Carla e acompanhada por quem mais se dispõe a estatelar-se de novo neste formato. Outras se espalharam também, como a Joana e a Calita.