Aviso: este post pode conter *spoilers*. Mais para quem achar que os filmes de animação são uma questão estritamente de narrativa e não sobretudo de estética, mas pronto.
Fui ao cinema ver o Como Treinar o Seu Dragão 2. A grande “surpresa”: uma mãe heroína, mas de uma heroicidade pouco ortodoxa – quantas vezes temos figuras maternais que são anti-heróis, caídas em desgraça e resgatadas do fundo do poço? Esse costuma ser o papel reservado a agentes do FBI, espiões britânicos e, na loucura, vulgares pais ausentes. Mas aqui encontramos uma mãe que abandonou (!) a família em virtude das suas convicções e que, no entanto, é resgatada no coração da sua gente e do público em geral.
À primeira vista, isto contribui para convencer-me que as princesas de hoje já não são as indefesas donzelas de antigamente. Tal como aconteceu no Frozen (e até no Cars, para citar alguns dos preferidos dos meus filhos), personagens femininas agarram no seu destino pelas rédeas e os seus companheiros masculinos que se esforcem por acompanhar tanta pedalada. Mas logo retraio a impulsiva exclamação: “vês, filho? esta princesa é forte e corajosa como a mãe”. Abate-se sobre mim um cinismo primordial, aquele que vê neste exemplo mais uma revelação do actual reinado do politicamente correcto nos mass media de entretenimento.
Sim, senhor(a), há cada vez mais mulheres a fazer papel de gente e não de anémona, mas será que isso não corresponde à moda de dar sobredimensionado destaque às "coitadinhas" das minorias? Afinal, quando foi a última vez que vimos uma princesa Disney caucasiana (tirando a Elsa e a Merida, já sei), depois de um desfile de adoráveis meninas árabes, nativas-americanas, chinesas e afro-americanas? E por que é que agora todas as séries norte-americanas têm de picar o ponto nas personagens latino-americanas, afro-americanas, sino-americanas, não heterossexuais, e mais todos os outros nichos de eleitorado e mercado (que agora me escapam porque felizmente já não não tenho de gramar a horrenda publicidade made by Tio Sam há quase três anos)? Minha boa gente, não me entendam mal: é óbvio que eu acho que a ficção deve reflectir a diversidade da vida real, o que me chateia é que se use a colagem muitas vezes forçada dessa diversidade em prol de uma agenda comercial. Não quero ver princesas destemidas, com vontade própria, só porque isso vende mais tiaras de diamantes; quero vê-las porque só assim conseguem a identificação de novas gerações de meninas libertas da ditadura cor-de-rosa. E quero continuar a ver príncipes valentes a par dos seus sucedâneos inseguros e trapalhões, já agora. As neo-princesas também gostam deles assim e há emprego para todos no mundo encantado da animação.
3 comentários:
A minha veia mais cínica também veio ao de cima quando vi o Frozen, segundo filme seguido da Disney que vejo com heroínas fortes e credenciais feministas aceitáveis. A Disney descobriu que meter raparigas como personagens principais de direito próprio afinal dá dinheiro. Eu dou graças que isso dê dinheiro e fico mesmo contente que se torne uma coisa mainstream, desde que, como dizes, não distorçam as personagens para coisas sexualizadas, como fizeram com a Mérida (falei disto aqui há uns meses: http://emterrasdarainha.blogspot.be/2013/05/disney-cobardolas.html)
Não tinha lido esse teu post, D.S., que vergonha realmente. Mas, pronto, é a Disney, aquele espinho cravado no meu coração - gosto tanto e irrita-me tanto o factor corporativo.
Compreendo relações de amor-ódio com a Disney perfeitamente :)
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