Hesito antes de abrir a porta. Espreito lá para dentro e confirmo a melhor das minhas suspeitas: o caos está instalado. Fico muito mais sossegada com o futuro dos meus filhos quando encontro um de capacete de skate a declamar poesia e o outro, de bruços no chão, a desenhar e recortar moedas de papel. Dois pequenos primatas que levam a brincadeira muito a sério e no fim até arrumam tudo.
O ócio pode ser o pai de todos os vícios mas é o tédio que está na origem de muitos males - na realidade, na ficção e na linha ténue que as separa. Está no político que se envolve bacocamente nas teias da corrupção porque está maçado com a sua pasta ministerial. Empurra os miúdos suburbanos a trocar o refrão repetitivo das culturas marginais pelo recrutamento do Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Abate os jovens adultos encharcados em whisky e anti-depressivos, aborrecidos à espera que cresça a cortiça nos seus extensos montados. Até o sacana do Vronsky arruinou a vida à Karenina por puro tédio. Se esta gente toda arranjasse alguma coisa de valor com que se entreter muito mal se evitaria.
Ena, tantos assuntos num post só. Mastiguem devagarinho e digiram com moderação. Assim vos deixo para mais uma sabática blogosférica, beijinhos e abraços.
24 novembro 2014
21 novembro 2014
um novo desgosto de amor
Passada que está a fase da negação, é hora de encarar a realidade: não pode haver nada entre nós.
Há já algumas semanas que me davas a entender que precisávamos de dar um tempo. Cega pelo fogo da paixão, não quis saber de nada, pelo contrário, abraçava-me com mais intensidade, mais urgência, como se adivinhasse que o fim estava próximo. Agora acabou, mais uma vez.
Adeus planos de viagem ao Gerês. Adeus sonhos de atravessarmos a Lousã, a Madeira, quem sabe até o Monte Branco, um dia. Tu não queres compromissos dessa envergadura e eu já não me contento com breves encontros, com os mesmos percursos previsíveis. Tu segues o teu caminho, eu fico parada, envolvida num abraço de gelo azul.
Sei que a única maneira de lidar com isto é cortar todos os laços. Arrumei o equipamento. Afastei-me dos amigos que temos em comum. Desligo o rádio quando passa uma das nossas músicas e ponho os óculos escuros, engolindo as lágrimas, quando passo em Monsanto. Vai ser um resto de Outono muito escuro, sei que o frio me vai entrar até aos ossos. Que entre também nos tendões do joelho, já que não há como consertar o meu coração quebrado.
Há já algumas semanas que me davas a entender que precisávamos de dar um tempo. Cega pelo fogo da paixão, não quis saber de nada, pelo contrário, abraçava-me com mais intensidade, mais urgência, como se adivinhasse que o fim estava próximo. Agora acabou, mais uma vez.
Adeus planos de viagem ao Gerês. Adeus sonhos de atravessarmos a Lousã, a Madeira, quem sabe até o Monte Branco, um dia. Tu não queres compromissos dessa envergadura e eu já não me contento com breves encontros, com os mesmos percursos previsíveis. Tu segues o teu caminho, eu fico parada, envolvida num abraço de gelo azul.
Sei que a única maneira de lidar com isto é cortar todos os laços. Arrumei o equipamento. Afastei-me dos amigos que temos em comum. Desligo o rádio quando passa uma das nossas músicas e ponho os óculos escuros, engolindo as lágrimas, quando passo em Monsanto. Vai ser um resto de Outono muito escuro, sei que o frio me vai entrar até aos ossos. Que entre também nos tendões do joelho, já que não há como consertar o meu coração quebrado.
20 novembro 2014
monólogo conjugal das 08h14
- Sabes, estou a pensar falar àquele meu amigo fisioterapeuta.
- ...
- O Bernardo.
- ...
- Se calhar ele podia fazer-me um tratamento. Umas massagens especificas. Ou usar um daqueles aparelhos eléctricos.
- ...
- O Bernardo.
- ...
- Se calhar ele podia fazer-me um tratamento. Umas massagens especificas. Ou usar um daqueles aparelhos eléctricos.
19 novembro 2014
queen of pain
Só o cabelo descolorado do Sting para me fazer sorrir hoje.
E a pinta do Stewart Copeland? Drummers are the coolest.
14 novembro 2014
denúncia de contrato
Querem pôr-nos fora da nossa casa. O meu co-inquilino deita fumo das narinas, eu encolho os ombros. Já me queixei muito por aqui da nossa casa mas até gosto dela. Só que não me apego a moradas. “Não construireis casa, não semeareis, não plantareis nem possuireis vinhas, mas habitareis sempre em tendas, a fim de que, por muito tempo, possais viver numa terra onde permanecereis como estrangeiros”, já dizia o Jeremias. Nós só temos uma palmeira muito alta e resistente que pode vir connosco para qualquer lado, chega. Se esta não é a oportunidade por que esperávamos para largar tudo e ir pelo mundo, não sei qual será.
Mas é claro que depois lembro-me do que foi a vida de emigrante e deixo-me de fantasias: se souberdes de três assoalhadas simpáticas entre a segunda circular e o marquês de pombal, de preferência com um soalho bonito, muita luz e poucas infiltrações, entrai em contacto comigo através do endereço ali ao lado.
Mas é claro que depois lembro-me do que foi a vida de emigrante e deixo-me de fantasias: se souberdes de três assoalhadas simpáticas entre a segunda circular e o marquês de pombal, de preferência com um soalho bonito, muita luz e poucas infiltrações, entrai em contacto comigo através do endereço ali ao lado.
13 novembro 2014
recursos estilísticos de bolso
Por exemplo, heptaparabólises térmico-sensoriais:
[do desconforto] Sentar numa sanita com o assento tépido.
[do conforto] Lama escorrendo das pernas no duche quente.
Vamos lá ver, quem é que se sentiu tentado a googlar “heptaparabólise”, hum? Tenho ou não tenho jeito para a aldrabice com bastante credibilidade? É pena não servir para nada, só parvoeira.
[do desconforto] Sentar numa sanita com o assento tépido.
[do conforto] Lama escorrendo das pernas no duche quente.
Vamos lá ver, quem é que se sentiu tentado a googlar “heptaparabólise”, hum? Tenho ou não tenho jeito para a aldrabice com bastante credibilidade? É pena não servir para nada, só parvoeira.
12 novembro 2014
só por mera curiosidade
Sei que há várias pessoas que dizem que gostam de trabalhar sob pressão. Só gostam de trabalhar sob pressão. Alguma por aqui? Gostava que me explicassem o motivo dessa preferência. É o travo amargo da cortisona a bombar no sangue? É o risco de sair tudo uma valente trampa mas se calhar consegue-se safar? É a probabilidade de se pegarem com os colegas de trabalho? É pela sensação de poder, ao superar o que parece ser uma missão impossível? É que eu sou uma daquelas totós que prefere reservar as emoções fortes para a esfera não-laboral. Compreendo que há alturas em que não controlamos a extensão da lista de afazeres e os prazos de entrega, mas daí a achar-se que o caos e o stress são a situação ideal vai uma grande distância.
10 novembro 2014
aquilo da atenção plena
O café tem-me sabido lindamente. Que parva, tê-lo deixado durante um ano.
Ah, o David Foster Wallace. Estas próximas mil páginas a Times New Roman 10 vão fazer valer a pena as duas dioptrias extra que vou arranjar.
Um filho ainda doente mas é da maneira que comemos pipocas e vemos o McQueen até ele adormecer ao meu colo.
Não é, Melissa?
Ah, o David Foster Wallace. Estas próximas mil páginas a Times New Roman 10 vão fazer valer a pena as duas dioptrias extra que vou arranjar.
Um filho ainda doente mas é da maneira que comemos pipocas e vemos o McQueen até ele adormecer ao meu colo.
Não é, Melissa?
07 novembro 2014
tu és mesmo especial para mim
A semente da Fé. O laço que nos traz cativos. A esperança de um lugar em comum, onde repousar. Um abraço ao fim do dia. Dois olhos pequeninos que se acendem ao ver-nos. Empatia. Telepatia. A urgência de partilhar a novidade. O medo de perder esse estatuto. Encontrar quem nos faça realmente sentir isso, não é o que todos procuramos?
06 novembro 2014
semmãetecto
É comum a ideia de que uma das marcas do cristão é a culpa. Não é hoje que vou entrar na discussão do que é, na verdade, um cristão, mas gostava de deixar a nota que, mais perniciosa do que o cordão mental do cilício, com que se envolvem ainda muitos crentes mais old school, é a tendência para o paternalismo.
Se calhar o paternalismo até tem tudo a ver com culpa. Pode ser mais uma manobra de evitamento. Em todo o caso, é cair na tentação de julgar as limitações do outro e, resistindo à crítica aberta, abafar o que vemos de errado com um manto de justificações aparentemente piedosas e conciliatórias. Dar a moeda ao pobrezinho que não larga os degraus da igreja em vez de ir antes para o guiché do Centro de Emprego. Acenar e simular atenção aos queixumes da senhora idosa que nos massacra a paciência, mas há que fazê-lo porque um dia também lá chegaremos.
Onde é que quero chegar com isto? Não sei bem. Mas deve ser mais um mea culpa bastante esfarrapado (olha, afinal, a culpa!). Porque, ao que consta, Jesus nunca falou de cima para baixo a ninguém, seja com palavras agrestes ou com gestos de mavioso moralismo. Um dos problemas dos cristãos tipo eu é terem fraca memória da Palavra que vão lendo e rezando, compensando a trapalhice com a habilidade de virar de pernas para o ar o sentido da verdadeira compaixão.
Se calhar o paternalismo até tem tudo a ver com culpa. Pode ser mais uma manobra de evitamento. Em todo o caso, é cair na tentação de julgar as limitações do outro e, resistindo à crítica aberta, abafar o que vemos de errado com um manto de justificações aparentemente piedosas e conciliatórias. Dar a moeda ao pobrezinho que não larga os degraus da igreja em vez de ir antes para o guiché do Centro de Emprego. Acenar e simular atenção aos queixumes da senhora idosa que nos massacra a paciência, mas há que fazê-lo porque um dia também lá chegaremos.
Onde é que quero chegar com isto? Não sei bem. Mas deve ser mais um mea culpa bastante esfarrapado (olha, afinal, a culpa!). Porque, ao que consta, Jesus nunca falou de cima para baixo a ninguém, seja com palavras agrestes ou com gestos de mavioso moralismo. Um dos problemas dos cristãos tipo eu é terem fraca memória da Palavra que vão lendo e rezando, compensando a trapalhice com a habilidade de virar de pernas para o ar o sentido da verdadeira compaixão.
05 novembro 2014
a partilha de tarefas domésticas é pouco produtiva
As semanas que o meu marido passa na Alemanha são as mais silenciosas. Silêncio do vazio de uma voz que me chame à razão quando preciso. E também de quem se sobreponha em alguns responsos curtos e graves à chinfrineira infantil. Podia repetir queixas de solidão nocturna e de sobrecarga nos afazeres da casa, mas hoje prefiro reconhecer as vantagens da gestão centralizada. Do alto da minha autocracia temporária, tudo se faz ao ritmo e do jeito que imponho. E é claro que assim é mais fácil. Cansa muito mais debater argumentos do que estender máquinas de roupa a solo. É por isso que é urgente reconhecer esta realidade: uma vida a dois (ou a três, quatro, etc.) não se faz por conforto, tem de fazer-se por prazer. E a vida do casal em que ambos têm um trabalho fora de casa porque assim o desejam é muitas vezes um desafio à organização de horários mas sobretudo de métodos, de prioridades, de valores. No entanto, em sendo encontrado o equilíbrio, não deixa de ser uma manifestação belíssima do encontro de liberdades individuais que se complementam. E agora que toda a gente já chamou os nomes que eu também poderia chamar ao António José Saraiva, deixo-vos apenas com este pequeno desabafo.
04 novembro 2014
não é fome, é apetite. não, afinal é fome
Não sei como é que vocês fazem isso das dietas e dos regimes alimentares. Estou há cinco dias com um post it de cinco singelas regras* colado no frigorífico e já nem posso abrir o Pinterest, que me babo toda**. A sério, a negação dos instintos básicos é uma coisa que não me assiste. E não era suposto o jejum elevar-nos o espírito? Nunca senti tanto a urgência do consolo físico da próxima refeição como agora. O que vale é que depois vem Dezembro e vai ser só deitar abaixo rabanadas.
* Antecipando a questão: não, não quero emagrecer. Mas preciso de "secar" para enfrentar uma montanha que me espera no fim deste mês.
** Ultimamente tenho falado muito de baba. Será que me babo assim tanto? Bom, quando estava grávida era uma coisa por demais.
* Antecipando a questão: não, não quero emagrecer. Mas preciso de "secar" para enfrentar uma montanha que me espera no fim deste mês.
** Ultimamente tenho falado muito de baba. Será que me babo assim tanto? Bom, quando estava grávida era uma coisa por demais.
03 novembro 2014
afinal o poço ainda não secou
Tinha para aqui em rascunho um post a fazer queixinhas de como a ficção televisiva parecia ter esgotado os argumentos, mas depois apareceu o Transparent. Já lá vamos. Antes disso, depois de uns primeiros episódios felizes do The Knick, reparei no tom displicente e sou-coitadinho-mas-não-tenham-pena-de-mim do Clive Owen. Dá-me ideia de já ter visto um médico drogado e bruto em qualquer lado. E o pior de tudo: o pessoal hospitalar anda todo enrolado ao quinto episódio (spoiler alert, ahah). Por que é que a Shonda Rhymes tem de meter o bedelho em tudo quanto é série? Os canais mainstream já comeram a carne e roeram o osso, agora ainda acham que conseguem chupar o tutano do personagem problemático e socialmente inconveniente que é, na verdade, um grande herói dotado de superior sentido de humor e irresistível sex appeal. Caramba, deixam-me tão agastada que desato a multiplicar adjectivos e estrangeirismos, e eu que andava a esforçar-me tanto por me deixar disso. Só quero uma coisa bonita para ver antes de começar a babar a almofada.
E chegamos então ao Transparent, pela mão da Leididi - por falar nisso, já conhecem a Cardinal, uma revista assim toda very nice? - Ora, Transparent não me faz babar a almofada, é bastante disfuncional, mas é mesmo bonita. Até o genérico, e toda a gente sabe como o genérico é importante. O The Knick não tem genérico. Afinal ainda não tinha acabado a maledicência. Já o Transparent é uma daquelas séries muito me, me, me e now, now, now. O pessoal acelerado e egocêntrico (como eu) poderá ir além do que é aparentemente uma bela tragicomédia de costumes e parar para pensar um bocado na vida, e em como já ia sendo boa ideia desacelerar e reparar nos outros. Enfim, se calhar estou a ir longe demais, é só uma série, não merece tanto entusiasmo. Nota-se muito que voltei a beber café?
E chegamos então ao Transparent, pela mão da Leididi - por falar nisso, já conhecem a Cardinal, uma revista assim toda very nice? - Ora, Transparent não me faz babar a almofada, é bastante disfuncional, mas é mesmo bonita. Até o genérico, e toda a gente sabe como o genérico é importante. O The Knick não tem genérico. Afinal ainda não tinha acabado a maledicência. Já o Transparent é uma daquelas séries muito me, me, me e now, now, now. O pessoal acelerado e egocêntrico (como eu) poderá ir além do que é aparentemente uma bela tragicomédia de costumes e parar para pensar um bocado na vida, e em como já ia sendo boa ideia desacelerar e reparar nos outros. Enfim, se calhar estou a ir longe demais, é só uma série, não merece tanto entusiasmo. Nota-se muito que voltei a beber café?
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