É comum a ideia de que uma das marcas do cristão é a culpa. Não é hoje que vou entrar na discussão do que é, na verdade, um cristão, mas gostava de deixar a nota que, mais perniciosa do que o cordão mental do cilício, com que se envolvem ainda muitos crentes mais old school, é a tendência para o paternalismo.
Se calhar o paternalismo até tem tudo a ver com culpa. Pode ser mais uma manobra de evitamento. Em todo o caso, é cair na tentação de julgar as limitações do outro e, resistindo à crítica aberta, abafar o que vemos de errado com um manto de justificações aparentemente piedosas e conciliatórias. Dar a moeda ao pobrezinho que não larga os degraus da igreja em vez de ir antes para o guiché do Centro de Emprego. Acenar e simular atenção aos queixumes da senhora idosa que nos massacra a paciência, mas há que fazê-lo porque um dia também lá chegaremos.
Onde é que quero chegar com isto? Não sei bem. Mas deve ser mais um mea culpa bastante esfarrapado (olha, afinal, a culpa!). Porque, ao que consta, Jesus nunca falou de cima para baixo a ninguém, seja com palavras agrestes ou com gestos de mavioso moralismo. Um dos problemas dos cristãos tipo eu é terem fraca memória da Palavra que vão lendo e rezando, compensando a trapalhice com a habilidade de virar de pernas para o ar o sentido da verdadeira compaixão.
4 comentários:
Já agora uma clarificação: o paternalismo não deve ser uma característica do cristão, é um defeito de alguns. Passo a vida a falar das minhas falhas como cristã, qualquer dia tenho de arranjar coragem e falar das coisas boas.
Tendo eu sido educacada na religião católica e mais tarde tendo passado a sentir-me mais cristã que católica, muito cedo percebi que não preciso da Palavra, do paternalismo ou da culpa para ser "boa cristã" de facto.
O nosso "cristianismo", digo eu, está nas nossas acções e palavras, naquelas que fazemos de coração aberto.
Por isso tenho um certo fastio perante os que batem no peito para mostrar o quão cristão são, mas na realidade não o praticam como deve ser...
Deu para perceber que este é um assunto que me mexe com os fusíveis?!
Deu, Naná. Mas sabes que acho que esse não é um problema exclusivo desta ou daquela confissão. É de todos aqueles que se agarram ao seu estandarte e se esquecem de olhar à volta com atenção.
Mas depois também há o problema inverso, o dos indiferentes, o dos "tanto faz", que não se comprometem com nada. Este mundo precisa tanto de gente comprometida.
Como te percebo...
Há dias em que gostava de me livrar da minha consciência cristã e dizer a algumas pessoas exactamente o que penso delas. Mas não consigo. E depois dou por mim a pensar se é mesmo a consciência cristã, se é culpa, ou se é orgulho (orgulho em ser boazinha). Nos dias mais negros, acho-me péssima. Nos mais luminosos, penso que o importante é continuar sempre a interrogar-me.
Quanto à Palavra, é verdadeiramente o que me torna cristã. A dificuldade, para cada cristão, é obviamente cumprir a Palavra e agir segundo ela. Os cristãos devem distinguir-se pelos seus actos, não é? Pois. Mas isso é que é difícil. Resta-nos ir tentando.
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