É cada vez mais ténue, neste mundo tão mediatizado, a fronteira entre as esferas pública e privada. Contra mim falo quando digo que nos apropriamos com grande à-vontade de pessoas e acontecimentos públicos, como se comentássemos uma paisagem, ou um grupo de animais em cativeiro. Se o acontecimento é do conhecimento geral, está aberta a feira das opiniões, com descontos, saldos, destaques inflacionados, à vontade do freguês. Completamente à revelia dos sentimentos daqueles que estão, de facto, directamente envolvidos na ocorrência.
Só que aquilo que acontece à vista de todos é, antes de mais, uma situação pessoal e íntima, tratando-se de uma celebração ou de uma tragédia. E devíamos ter algum pudor antes de tecer observações à distância, por melhor que seja a nossa intenção. É triste que tenha sido a morte do filho de uma figura pública, mas que era também amigo do meu irmão, que me tenha feito sentir na pele o asco pela mediatização de tudo, a todo o custo. Não é justo forçar a passagem para o que é privado pelo fascínio mórbido de quem arrasta o olhar sobre um acidente na estrada, porque gosta de ser recordado da pequenez da nossa humanidade. Digno do Homem que passa em diante, respeitando, e reservando em silêncio discursos que ninguém encomendou.
4 comentários:
senti esse mesmo asco quando morreu o pai de uma amiga minha, que era também um antigo ministro dos tempos logo-após-revolucionários. Custou-me muito ler nos comentários à notícia em jornais online, pessoas que confundem o momento de reserva da vida íntima de alguém que é certo é uma figura pública (e talvez controversa na opinião pública) mas que também tem família, esposa, filhos... custou-me muito saber que a minha amiga não poderia deixar de ter contacto com aquelas opiniões inflamadas de laivos politizados, como se aqueles tempos (que já lá vão há mais trinta anos) ainda fossem motivo para tanta revolta amarga de tanta gente. Mas ao mesmo tempo fez-me uma certa confusão, no funeral, ver que essa parte íntima fica completamente diluída pela presença dos políticos daquele tempo, e (o senhor era militar) pela parafernália da solenidade militar.
(os meus sentimentos pela tua perda)
Tens razão sim. Acho impossível que o choque/empatia não sejam manifestados quando os rostos são conhecidos mas infelizmente estas coisas resvalam sempre para onde não deviam. E desde a rotina de andar pela rua sem a liberdade do anonimato até momentos tão trágicos como este, calculo que seja demasiado duro. E também suponho que as estratégias de defesa já sejam enormes em quem conhece muito bem a devassa e as consequências do mediatismo.
Hoje, de facto fez-me um bocado de confusão tudo o que li... :(
Dou por mim a pensar se cada uma das pessoas que tem escrito sobre isto parou para pensar se gostaria de ler o que escreveram, se fossem a mãe do rapaz.
Porque não há, na verdade, nada que lhe digam que ajude. Os abraços terão de vir de quem lhe é próximo. Nós, os outros, devíamos só estar calados. Mais nada.
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