Todo o ser humano deve ser respeitado e ver garantida a sua dignidade. Esse direito a caminhar direito, nem superior nem inferior aos seus pares, é um princípio tão simples e que falha por um sem fim de razões. A par desta dignidade, todos precisamos também de ver asseguradas outras dignidadezinhas. São peças aparentemente insignificantes da infraestrutura da nossa verticalidade, porém não devem ser menosprezadas.
Concretizo: é tentador criticar a família carenciada que vai tomar o pequeno-almoço ao café da esquina enquanto nós comemos as papas de aveia preparadas de véspera. Ah, com que superioridade moral apontamos o dedo àqueles irresponsáveis, que estão mesmo a pedir brincadeira com os seus (certamente numerosos) credores enquanto caminham a direito para a obesidade do refrigerante e do rissol das 9 da manhã. Mas a verdade é que todos temos estes hábitos peculiares que nos confortam, que dão algum contentamento no meio de tudo o que nos negamos, e que fazem parte da nossa identidade. Seja a pessoa conscienciosa que não abdica dos produtos biológicos mesmo que não possa jantar fora, seja aquela que mantém a manicure irrepreensível das suas unhas de gel enquanto espreme a carteira para pagar o passe social, seja a que aspira a um determinado estatuto cultural subscrevendo anualmente a assinatura nas melhores salas de concerto do país. A penúria é sempre relativa, assim como o são os pequenos luxos.
8 comentários:
Obrigada, Gralha. Nem sabes como este teu texto veio mesmo no momento certo. Ganhei o dia. :)
A mim choca-me a pobreza de espririto e o egoismo...
O rissol e o refrigerante de manhã ou o galão e a tosta enquanto os filhos vão sem pequeno almoço para a escola e levam na mochila um bolicao...e tantas outras...
As unhas de gel e o espremer a carteira para o passe não me chateia...
Tenho uma amiga que so compra marcas caras para vestir...e já me confessou que nao se importa de passar o mês a comer sopa - problema dela - vive sozinha! Mas situações que envolvem negligencia com os miudos isso sim encaganita-me!
Não sei se te lembras de um trabalho que apresentámos com a Prof. M.ª Dores sobre igualdade de género em que mostrei um livro da minha mãe sobre economia doméstica. A querida Prof. pediu-me depois o livro emprestado para tirar umas cópias para dar formação num projecto que tinha num bairro social. Cópias de páginas que ensinavam a passar a ferro, a arrumar a roupa passada nas prateleiras, a fazer listas de compras...
Eu que até tinha levado o livro apenas para mostrar que as mulheres tinham aquela formação, a da economia doméstica, e os homens aprendiam a pregar pregos, foi interessante perceber não só o interesse do livro como a sua necessidade prática junto de um grupo que não, não tinha essa formação.
Há situações que sim, me custam, e tendo a julgar especialmente se há negligência com crianças mas, de facto, é preciso perceber os porquês... e os porquês vêm de uma história, acontecem num contexto e passam pelo tempo, imutáveis, quando tudo no mundo evolui, porque não se tem acesso a outro conhecimento/formação...
No fundo, o que eu queria dizer é que não devemos julgar ninguém. Cada um sabe de si e da sua vida, muito de acordo com a educação que teve, claro. A segurança e o bem-estar de crianças, que devem sempre ser salvaguardadas, é um assunto completamente à parte. Por exemplo: é melhor trabalhar 60 horas por semana e ser sempre a empregada a dar sopinha biológica ao filho do que passar mais tempo com o filho e deixá-lo comer mais doces do que o recomendável? É melhor passar mais tempo com o filho, mas sempre a resmungar e aos gritos, do que passar menos e dar-lhe mais possibilidades de educação e acesso a cuidados de saúde? Não sei.
E, Amigo Imaginário, bem sei como pesas as (imensas) prioridades e és perita nesses malabarismos.
E o pior é que por estes dias todos parecem olhar para o que o vizinho faz, nem que seja só para apontar o dedo e criticar esses pequenos luxos...
E estás certa, todos temos direito às nossas manias! Há quem fique sem comer, mas vá de férias, porque isso os enriquece. E quem pode condenar?!
Como dizes, cada um sabe de si!
Dona da Mota, esse livro deve ser uma pérola :-)
Gralha,
Amei o teu texto e revi-me até ao tutano no teu comentário.
Acho que eu caio frequentemente na crítica e é com igual frequência que me auto-censuro. Costumo dizer que é uma questão de prioridades e, desde que as necessidades básicas estejam asseguradas, a andar violeta com os nossos pequenos mimos. O que eu dava agora por um bom rissol...
Sorriso!
Enviar um comentário