O primo A. e a G. casaram em segredo. O primo A. é filho da minha tia-bisavó M., remadora medalhada que, reza a lenda, correu com a polícia de casa quando tentaram ir lá buscar-lhe os filhos envolvidos num desacato. O seu primogénito A., afamado psiquiatra e colaborador habitual do Aurora do Lima, pôs assim termo a mais de nove décadas de dedicação exclusiva ao estudo e a rotinas de celibatário. A G., empregada da família desde a infância, é um furacão minúsculo de alegria e trabalho. Vê assim reconhecida a dedicação ao senhor doutor este anos todos. O amor, na verdade. Com aqueles olhos azuis e aquele misto de doçura e assertividade tão próprio das minhotas, convenhamos que o pedido já veio um bocado atrasado, ó primo A. Enfim. Infelizmente, e como sempre acontece nestes casos, não tardou o choro e ranger de dentes de alguns primos que já faziam planos para a herança.
Lembro-me bem dos Verões passados na casa do primo A. na Serra d’Arga, tão húmidos que levava o resto do ano a secar os ossos. Gostava de ir para o jardim salvar as formigas que acidentalmente de propósito atirava para a fonte rodeada de erva-doce. Fascinava-me o glacê à superfície das malguinhas de marmelada da G. e como ela sossegava o Nero, ensinando-me a não ter medo dos pastores-alemães. E agradeço-lhe os pintainhos que me deixava ter antes de se transformarem em cabidela. Não consigo parar de sorrir com este desenlace tão novelesco. Só é pena estarem ambos internados desde o início do ano. Espero que os deixem almoçar juntos e passear de braço dado pelos corredores abafados do hospital.
7 comentários:
Ahahahahahah adoro quando os herdeiros se perfilam à espera do desfecho final...
E adoro ainda mais quando lhes trocam as voltas!
Que o A. e a G. sejam ainda muito felizes!
O meu avô também se casou com 82 anos. Neste caso, os herdeiros ficaram apenas preocupados com os enlevos amorosos da terceira (e avançada) idade. Eu achei delicioso.
Espero que o A. e a G. ainda tenham muitos anos de vida a dois pela frente.
É tão feio quando as pessoas se revelam desta maneira, Naná. Enfim.
Eu também espero isso, Amigo Imaginário. Aquilo é gente conservada no gelo, é bom de ver. Tipo granito.
Eu sei que é feio, muito feio!
Porque a minha avó Alzira deu o "golpe do baú" e casou aos 21 com um velhote rico de 78 e ainda teve o meu tio.
Tio esse que estava a esfregar as mãos de contente, quando a minha avó morreu 8 meses antes de eu nascer... pensava que a minha mãe não ia deixar herdeiros e quando soube que eu vinha por aí... ui ui!
Tenho tanto disso na minha família que até chateia!
Isto é ficção, ou realidade?
Em qualquer dos casos, que bonito!
Realidade à letra, calita. Maravilhoso :)
Tão, mas tão bonito que contei ao R. de lágrima no olho.
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