16 fevereiro 2015

o título do fim

Este é o princípio do fim. Noventa porcento do tempo de intervalo desde a última vez que escrevi foi ocupado numa tarefa interminável. Terminada a tarefa, sinto-me na obrigação de justificar os outros dez porcento da ausência: sumiço de qualquer espécie de vontade de voltar aqui. Já a necessidade de justificar-me explica à roda de noventa porcento dos dez porcento supramencionados. Não quero estar aqui por obrigação, ainda que imposta por mim e por mais ninguém. Um dos vários posts que ficarão agora no eterno limbo de rascunhos dizia qualquer coisa acerca da importância de não sermos desistentes dos nossos valores, de não educarmos os nossos filhos para o relativismo. Os restantes dez por cento dos dez porcento prendiam-se de alguma forma com essa armadilha em que caí ao tentar escrever qualquer coisa coerente e verdadeira sem agredir, mas sem ceder à indefinição. De modo que espero que não se tenham perdido nas contas mas o que importa é o resultado, ao qual junto ainda um abraço e um agradecimento pela vossa visita. Contas feitas, este é o fim do fim.

03 fevereiro 2015

picos


Não basta serem super cute e gostarem imenso de bichos fofinhos. Se pensam adoptar um ouriço, caras meninas, permitam-me esclarecer que: 1) é um animal ainda mais giro ao vivo; 2) claro que nos pica às vezes; 3) mesmo quando chega aos cinco anos (hoje! parabéns, filho querido!) continua a enrolar-se numa bola em situações de desconforto; 4) gosta de mirtilos e de sementes em geral; 5) dá gargalhadas que parecem peta-zetas e arruínam qualquer intenção de nos zangarmos quando ele se porta mal. Ainda assim, recomendo vivamente. And he never poops when he runs, suas difamadoras.

02 fevereiro 2015

esta semana não ia escrever aqui porque não tenho tempo

Mas já se sabe que quanto menos tempo, mais necessidade de desperdiçá-lo. E depois, ainda por cima, deu-se o caso de aparecer um sujeito que está a tentar engatar-me através de um anúncio que coloquei no OLX (não, não vendo roupa interior), pelo que atinjo novos níveis de absurdo, hesito entre gabar os meus dotes de vendedora e a perplexidade perante a solidão alheia, e muito rapidamente volto para a estupidez de excesso de trabalho em que me enfiei porque nunca se diz não a novas oportunidades e acho que agora já está na altura de terminar esta frase.

30 janeiro 2015

o novo deus grego

Por esta altura, acho que todas as portuguesas que votam à esquerda do CDS-PP estão embeiçadas pelo Alexis. É verdade, ele é giro e eloquente. Arrasa-nos com aquela atitude robinudesca de quem se está a marimbar para as regras, que o que interessa é salvar as donzelas a saque da terrível Xerifa Nottingangela. Também estou um bocado desorientada mas temos de controlar-nos, irmãs. Nascemos ontem? É por estarmos cansadas dos políticos cinzentões que nos violentam com doses cada vez maiores de carga fiscal que nos atiramos à primeira novidade sorridente? Contenhamos o entusiasmo antes de irmos em cantigas. Irmãs, é verdade que ele é um idealista espertalhão. Sabe que a Xerifa quer ter donzelas disponíveis para outras incursões e não se importa que haja uns quantos bandidos à solta na floresta, que lhes vão fazendo a corte. Irmãs, ele é o optimista generoso com que todas sonhámos. Não tem medo da dívida que herda e ousa prometer coisas que o vão deixar, e às donzelas, ainda mais entalados. E, como tantos homens, padece de algum narcisismo. Acha-se tão extraordinário que se esquece que a floresta confina com outros potentados, também eles carregados de vítimas da Xerifa e das agruras medievais de um momento menos luminoso da História da Europa. Queridas irmãs, tenho a certeza que não preciso de recordar-vos que o lugar dos heróis é na ficção, raramente na realidade.

29 janeiro 2015

frisella

Acho que era um sábado de Junho, em Saarbrücken. Caía uma chuvinha miserável, daquelas do Verão na Alemanha. Mal saímos da estação, demos de caras com a montra de uma agência de viagens cheia de imagens de Albufeira em saldos. Desistimos do passeio pela cidade e fomos para casa de uma outra amiga italiana secar os sapatos. Deram-me a provar frisella e vinho apuliano. Um parêntesis importante para coser as pontas à história: a frisella tem de demolhar-se. E não é que, em vez de uma papa sensaborona, sai um petisco delicioso? Nem só de açorda vive uma mulher. Fim do parêntesis. Não me lembro do que elas cantavam em dialecto mas sei que, nessa altura, andava eu a ler o Dona Flor e Seus Dois Maridos. Queria era ir para casa enfiar-me na cama a ler, até me subirem os calores. Não parou de chover e regressámos a Trier no último comboio. Subi sozinha até ao campus, perguntando-me de novo o que estava ali a fazer.
Isto a propósito de mais este Janeiro interminável. É como se estivesse num elevador parado entre dois andares. Desde que uma pessoa não esteja aflita para fazer chichi, há situações mais desagradáveis. Para quem não anda com um pé-de-cabra, a solução é aguardar pelo técnico. Mesmo assim, sente-se um bocado a consciência do desperdício.

28 janeiro 2015

açorda

O pão que dá boa açorda tem de ser rústico. O homem que dá bom marido também. O sentido da rusticidade pode não ser o mais aparente, alto lá. A massa não carece da sova de um padeiro com unhas pretas, nem de cozedura em forno artesanal com temperaturas irregulares. Precisa é de boa mistura de farinhas e que o tempo de levedura seja o devido, não se deixando secar a massa (o uso de um pano húmido é uma boa opção). Os alhos, os coentros e o azeite fazem o resto da festa, como em grande parte da culinária mediterrânica. Há de haver bons maridos a partir de receitas alternativas mas eu é que sei aquilo que saboreio e bem digiro.

27 janeiro 2015

coisas salva-vidas


Quero aprender com o meu futuro astronauta a ser pragmática. Em vez de racionalizar, lidar com. Antes de nomear, deitar-lhe a mão. Em caso de emergência, de pouco vale um rebuscado enquadramento conceptual do problema. Se me proponho construir uma nave espacial e seguir em direcção às luas de Saturno – outra coisa a trabalhar, a dos objectivos ambiciosos – o melhor auxílio é o mais simples: um botão que aniquila qualquer ameaça ao sucesso da missão. Perdemos muito quando nos ensinam na escola que o caminho mais curto entre dois pontos é um segmento de recta atafulhado de interrogações.