31 janeiro 2013

mesmo assim tem um je ne sais quoi

Todos temos necessidade de personalizar as nossas irritações e revoltas, seja sobre o imbecil que conduz a dez à hora quando estamos atrasados, seja sobre esse clássico que é o Primeiro-Ministro (um qualquer, desde sempre). Esta semana, tenho andado a tentar com muita força centrar o meu fel anti-máquina-capitalista sobre o António Mexia. Aparentemente, tarefa fácil. A EDP faz-me dormir com frio no Inverno. Impede-me de fazer mais vezes biscoitos. Obriga-me a maquilhar-me na penumbra, com as consequências óbvias. Condena-me ao uso sobrerepetido da mesma roupa, para limitar lavagens. Amplia-me as dioptrias, de ler ao lusco-fusco. Com um grande catatau, ontem acendi velas em casa e não foi por estar a preparar um jantar romântico. E mesmo assim apresentam-nos uma factura de acerto que me leva meio ordenado. A EDP condena-me a uma vida na Idade Média mas visita-me a conta bancária como se habitassemos uma nave espacial a caminho de Marte. Expliquem-me então como é que eu vejo as fotografias do senhor presidente do Conselho de Administração da EDP e não consigo deixar de reparar como ele é giro? Só pode ser uma espécie de Síndrome de Estocolmo aplicada a assaltantes de colarinho branco.

25 janeiro 2013

forever five

Estou a comer a porcaria do peixe que trouxe para o almoço (feito por mim, óbvio), a fazer bola, a não saber onde esconder a bola porque estou no local de trabalho, e as lágrimas vindo-me aos olhos, reminiscências de quando tinha de emborcar toda a sopa de nabiças, as ovas, a pescada frita, a cenoura cozida, as couves de bruxelas, a jardineira, os carapaus grelhados,a  corvina estufada com ervilhas, e podia ficar para aqui o resto da tarde a explicar por que é que aos 8 anos ainda pesava 20 quilos. 33 anos e não ouso quebrar as leis da nutrição-ou-sei-lá-o-quê, em vez de ir comprar um croissant com chocolate.

24 janeiro 2013

as bodas

Tenho um amigo que vai casar para a semana e que está tão nervoso, tão nervoso, que hoje chegou aqui para pagar cafés ao pessoal e tirou três chazinhos de limão, um a um, que foi uma limpeza. Fico emocionada que ainda haja quem tenha alguma deferência pelo matrimónio. Mesmo que garanta, de cara séria, que é um dia igual aos outros.

Um dia, volto a casar-me com o meu marido. Ainda não sei qual é o dia (mas estou danadinha, quanto mais não seja para fazer uma montagem em Photoshop daquela publicidade dos pacotes de açucar).

junto à serra do pilar

Em não podendo ir ao Porto,

(e para quem só chegou aqui agora e não sabe, eu sou uma minhota-alentejana que nasceu em Lisboa porque em 1979 ainda não havia A10 e, sendo assim, foi mesmo na capital que a portentosa semente e o fértil terreno se encontraram)

nesta altura do ano em que o estado do tempo a norte da Serra d'Aire não maça mais do que o que temos cá para baixo, em não matando as saudades da prata do Douro cavadinho entre as margens, em não enfardando francezinhas das boas, e em ficando eu aqui roidinha de inveja enquanto o meu homem vai para cima e a única coisa em que reparará serão as mensagens amigáveis que os plácidos moradores de Miragaia endereçam aos benfiquistas em cachecois hasteados nas suas varandas, nesse caso, pelo menos acabo de descobrir a Dora. Ah, bom.

Nota para mim: Tenho de aprender a fazer frases curtas.

23 janeiro 2013

de nada

Queridos Lisboetas,

Sei que não estão habituados a estas temperaturas árticas abaixo dos 10ºC, mas deixem-me partilhar convosco a única dica fashion realmente importante por estes dias: Mais do que luvas fofuxas sem pontas para teclarem à vontade; mais do que ponchos que não dão para conciliar com as mangas estreitas dos trench coats; mais do que as écharpes gigantorras em polar recuperadas a partir dos cobertores do IKEA pela vossa amiga urbano-artesã; mais do que a bandolete com almofadas de plumas cor-de-rosa (e depois admiram-se que o vosso gato tresloucado se vos atire às orelhas!); mais do que as UGGs onde andam a coleccionar chulé desde Setembro; mais do que as caneleiras que só favorecem o pernão rijo da Jennifer Beals no Flashdance

Enfiem um gorro na cabeça.

21 janeiro 2013

abacates

Cairam ramos, voaram telhas, despiram-se árvores de fruto e eu ganhei as sobras dos quintais devastados. Vou fazer guacamole e hamburgueres de batata doce e abacate. Vou passar o tempo todo de roda do fogão e dos pratos. Vou desculpar-me com a chuva batida a vento para mergulhar no calhamaço que, felizmente, ainda não acabei de ler. E vou passar mais um dia em que me encerro, aos poucos, nos meus pensamentos, nas memórias mal resolvidas e na clarividência de dores inevitáveis. O que vale é que o Inverno não dura para sempre.

14 janeiro 2013

está tudo acabado entre nós

Os casamentos acabam todos os dias. Já não há empregos para a vida. Os familiares chatos são suportados apenas nas festas anuais e até aprendemos a vender na Internet os presentes inúteis da madrinha, que já não nos ocupam espaço na arrecadação nem peso na consciência. No entanto, parece que há um tipo de relação que continua a ser sacralizado, resistindo numa era de encontros fugazes: a amizade. Não falo dos contactos de circunstância nem dos conhecimentos que entusiasmam apenas por uns meses, mas daquelas amizades que plantamos ao acaso, muitas vezes desde a infância, que se vão construindo e cimentando em torno de tudo de bom e de mau que se vai passando nas nossas vidas. Essas amizades parecem inquebráveis. Mas sê-lo-ão? Ou, melhor ainda, será que faz sentido que esperemos que assim sejam?
Se os casais se separam porque crescem por caminhos divergentes, porque deixam de ter coisas em comum, porque mudam de prioridades e de expectativas, por que é que o mesmo não há de acontecer com os amigos? Aqueles com quem ouvíamos em loop o mesmo CD dos Aerosmith em 1994 não ouvem necessariamente o mesmo que nós agora. Aliás, qual é a probabilidade de dois adultos que fizeram percursos diversos, que passaram por diferentes sucessos e desilusões, continuarem a ver as coisas de forma semelhante? Não é incoerência, é a mudança própria que vem com a idade. Estranho seria se continuassemos todos a pensar da mesma maneira aos 10, aos 50 e aos 80 anos. Que sentido fazem então amizades que se aguentam muitas vezes para não enfrentar esse último tabu que é o pôr termo a uma amizade? Mudar de namorado, tudo muito bem; dizer a alguém que já não vale a pena continuarmos com os telefonemas e os emails repetindo o previsível “temos de combinar qualquer coisa”, isso é que não, é dar parte de fraco. Ao mais leve par de astes com que sejamos adornados, lá se vai um amor eterno. Já a amizade aguenta estoicamente doses bem maiores de afastamento, negligência e profunda cabrice. Não percebo, a sério.

Nota importantíssima: Queridas amigas desde 1994: isto não é convosco! É meramente ilustrativo. 

13 janeiro 2013

só para rematar isto da Pêpa

O Pipoco é que resumiu bem a coisa: o que causou tanta comichão não foi a insensibilidade burguesa materializada na Chanel, a ventania que passa por entre aquelas orelhitas, e nem sequer o tom de voz (já estava tudo familiarizado com o estilo, desde a Jonet); não, o que achincalha o bom povo português, de Xabregas à Foz do Douro, é a inconsistência da pequena. 'Mala' e 'carteira' na mesma frase são reveladoras de uma incongruência intolerável nesse meio de comunicação pristino, de uma solidez inabalável, que deve ser a blogosfera. Uma pessoa, se é para interromper o trabalho e andar a ler o que outra pessoa escreveu enquanto interrompeu o seu trabalho, gosta de saber ao que vai. Para desilusões e incertezas já temos a vida real.

08 janeiro 2013

como os americanos, sempre de olho na próxima festividade

Ó caraças, de que é que os mascaro este ano?

07 janeiro 2013

epiglote

Resolução de ano novo que só chegou com os Sábios do Oriente: calar a boca. Em vez de dizer tudo, calar-me. Fechar a matraca. Não emitir julgamentos, opiniões, teorias, previsões, e reduzir em muito a frequência e pilosidade dos palavrões. Já chega de andar por este mundo como se fosse um tanque de guerra no meio de uma reserva de bambis. A única dificuldade é que também tinha mais ou menos decidido, na pressa das doze badaladas, que ia engolir menos sapos, descontrair e deixar as secas para o bacalhau. Não estou bem a ver como vou equilibrar as coisas. Sobretudo, não sei como vou conseguir suster as palavras torrenciais à boca da garganta, sem fazer mal aos outros nem começar para aqui a cozinhar úlceras e efervescências mal resolvidas.

02 janeiro 2013

estabilidade

Os próximos tempos anunciam-se seguramente inseguros e exigem-nos adaptação, golpes de rim, habilidades circences com um sorriso. Nada se perde, tudo se transforma. Mas o que é que o sabichão do Lavoisier sabia do amaparo que nos dá a consistência do quotidiano? Preciso de estabilidade. Sou avessa à mudança constante. Não, eu não floresço em momentos de crise e dispenso bem o nervoso miudinho do desconhecido, desprezo a surpresa, e o abismo faz-me dores de barriga.
Preciso de estabilidade. Teço todos os dias uma teia feita de horários, rotinas e gestos repetidos. E é dessa teia que é feito o meu ninho. Não sou mãe-galinha, sou mãe-aranha. Reconheço a minha culpa e não sei se e como algum dia escaparão os meus filhos para um mundo cruel feito de incertezas, sombras e liberdade. Bem sei que a vida está cheia de aviões furando torres, que a morte chega, que as separações acontecem, mas não sei construir os nossos dias com outra matéria menos banal do que esta fibra da fiabilidade. Eles adormecem todas as noites tão sossegados, de bochechas mornas e luzidias. Até quando bastará? Estou a fazer tudo errado, serão uns impreparados, munidos apenas de amor e confiança. Toda a gente sabe que isso não chega para nada.