28 fevereiro 2013

no seguimento do post anterior

Acordei às 6h30. Preparei as marmitas com os nossos almoços do dia. Fiz café e tomei o pequeno-almoço enquanto li umas páginas do meu livro. Rezei. Vesti-me. Peguei no carro e fui até ao rio. Corri dez quilómetros. Peguei no carro e fui para casa. Distraí-me e perdi para aí uns 5 minutos a mimar os meus filhos, entre canecas de leite e migalhas de bolo. Fui tomar banho. Vesti-me. Fiz três camas. Arrumei a cozinha. Apanhei uma máquina de roupa. Lavei os dentes, sequei o cabelo e besuntei a cara com hidratante. Voei pelo corredor fora, apanhando almoço, catecismos, casaco, mala, e saí de casa quinze minutos antes da hora de entrar no trabalho. Parada no semáforo para virar à esquerda da Av. das Forças Armadas com a Av. Professor Gama Pinto, que está vermelho o tempo suficiente para ouvir uma Mixórdia de Temáticas inteira, coloquei máscara nas pestanas. E batom hidratante! Processem-me já, que sou um perigo público e uma preguiçosa que não se levanta mais cedo para se maquilhar.

No entanto, cumpro religiosamente a máxima de não usar o telemóvel no carro, seja em que circunstância for.

26 fevereiro 2013

olé

7 da manhã em Belém. Desejo ver o sol a despontar dos estaleiros da Lisnave, que até as metáforas têm de ser descobertas nos momentos mais corriqueiros. Apesar disso, o que se levanta no horizonte é uma tangerina madura e achatada que derrete a madrugada para os lados do Montijo. Viro-lhe as costas e acelero o passo a favor do vento. Os outros corredores sorriem-me um bom-dia enregelado. O mais antigo de todos veio de camisa de algodão de manga curta, como sempre. Eu abro e fecho os dedos até os conseguir mexer de novo e, junto à doca, vejo os almeidas a brincar aos torneios medievais com os seus carros de lixo. Perseguem-se, toureiam-se e riem como crianças. Ainda há esperança neste mundo enquanto nos vingarmos do estoicismo imposto com boicotes pequeninos, como as facturas em nome dos que nos desgovernam, e com o aparvalhamento puro e simples, tomado nas doses necessárias.

24 fevereiro 2013

no divã

Sempre achei que a psicoterapia não era para mim. Continuo a achar, como bom calhau reaccionário que sou. Mas ontem conduzi todo um IC19, sozinha no carro, a ouvir música bem alta, algo cujo valor só deve ser devidamente apreendido pelas mães deste (meu) mundo. Deu para desligar das preocupações que vêm em primeiro lugar na lista e para chafurdar um bocadinho no que nunca se mexe. Deu para o primeiro passo: chamar as dores pelos nomes. Agora não sei bem como se fazem os outros passos e não voltarei a ter uma sessão daquelas tão cedo. Mas aquelas dores nunca mais serão apenas uma sombra silenciosa.

19 fevereiro 2013

não tenho nada, mas tenho tenho tudo

“Eu tenho sorte pois, sendo pobre, sobra-me tempo e tenho sonhos”. A Floribela cantava que os ricos não têm sonhos, mas isso é porque ela era uma personagem ficcional do tempo das vacas gordas (Lembram-se? Aquela altura em que todos podíamos ir passar uma semana de férias ao Brasil? Tão bonito). Alguém havia de lembrar-se de fazer uma nova versão da Floribela, coisa de louvar neste período em que tanto precisamos de abraçar as arvenzinhas do bosque e acreditar que as fadinhas nos vão ajudar a pagar as contas. Podia ser que eu voltasse a ver televisão, e tudo, que até o Odisseia já me desarrumaram e ainda não voltei a dar com ele.
O único problema seria adaptar toda uma filosofia azul-cueca à realidade actual, em que os pobres já nem sequer têm sonhos e muitos ricos se autoflagelam mentalmente por tê-los. Vejamos: eu gostava mesmo muito de ir ao concerto dos Muse em Junho, no Porto. Mas a minha consciência de pobre diz-me que não posso, porque tenho de pagar o selo do carro; a minha consciência de rica diz-me que sou uma fútil alienada do mundo por querer gastar um dinheirão numas horas de barulho e numa viagem de comboio (que provavelmente não se daria, de qualquer forma, em virtude de mais uma greve da CP). A crise povoa-me a cabeça de macaquinhos, cerca-me de dificuldades materiais e restrições morais, prega-me rasteiras aos desejos e aponta-me o dedo às vontades. A crise é uma bruxa do pior.

Claro que esta conversa foi toda uma desculpa para ver se alguém se chega à frente e me oferece o bilhete. Pintinho, podes ser tu, visto que a festa é em tua casa e eu nunca lá fui, não há direito.

15 fevereiro 2013

finalmente sou uma trendsetter

A blogosfera toda emprenhou, está visto. Grande coisa, já ando a fazer disso há mais de 6 anos. Queridas, algumas dicas - todas vós passarão pelas seguintes fases:

1.  Eu não vou transformar isto num babyblog;
2.  Isto da gravidez não é assim tão giro/ a minha gravidez é especial;
3. Isto não é um babyblog! A sério, isto não é um babyblog!
4. Nasceu! O meu filho é mesmo o mais (várias coisas) do mundo;
5. Já me servem as minhas calças de ganga pré-gravidez (iupi!);
6. Isto não é um babyblog! A sério, isto não é um babyblog!
7. Eu não vou ser daquelas mães que (preencher com qualquer coisa);
8. Já não vou ao cinema há X meses (também serve para idas à secção de adulto da Zara, etc.)
9. Não vale a pena estar a negar que os filhos preenchem grande parte da nossa vida: sou Mãe!
10. Quando é que vou conseguir lidar com isto de ser Mãe, Mulher, Amante, Filha, Profissional, etc.?
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435. Por que é que o meu filho agora decidiu que a meio da noite é que é bom para fazer cocó no bacio? (esta é onde me encontro hoje, claro)

14 fevereiro 2013

gralhite

Era uma vez uma constipação, que depois deu em sinusite, que depois deu em febre, que depois deu em ida ao médico, que depois deu numa toma de antibiótico, que deu numa noite de vomitanço e numa gralha de rastos, de cama. E eis como hoje não terei nem beijinhos, nem chocolates e, pior, nem poderei ir à apresentação do livro da Ana C. Sei que estarás rodeada de mimo e de dezenas de olhos a transbordar de orgulho, hoje, Cê. Mas queria tanto partilhar este momento... Não só pela amizade mas pela genuína admiração pelo trabalho, pela dedicação e pela verdade que colocas em todas as palavras de amor (e nas outras, também). Vai ser um estouro :)

13 fevereiro 2013

cinzas

Ainda anteontem o Papa anunciou a renúncia e já eu estou a abdicar publicamente do papel de perita-católica-praticante-mas-que-discorda-de-muitas-coisas-na-doutrina-e-prática-de-Roma. OK? Para vocês, meus queridos amigos descrentes, é um tema de debate e escarafunchamento como qualquer outro. Para mim, é um sinal de esperança que o próximo Papa seja legitamamente terceiro-mundista, que conheça pobres na segunda pessoa do singular e, já que estamos a sonhar, que pondere a ordenação de mulheres.
"Do pó vieste e ao pó hás de tornar". Devíamos ser especialmente semelhantes durante a Quaresma. Que o próximo seguidor de Pedro tenha isso presente.

08 fevereiro 2013

dar quando é preciso (e não quando nos dá jeito)

Este pedido não é generalista. Este pedido é para a Cecília, que já tem dador e precisa de custear o transplante. E não pode esperar. Parece tão óbvio que não vou dizer mais nada e deixo-vos só o NIB, da pessoa que conheço pessoalmente, para ondem podem enviar o vosso contributo. Muito obrigada.

NIB: 0010 0000 3677 1660 0019 8.

polaroid de fevereiro de 2013

O prazer fácil de um fim de dia em que, ao mesmo tempo que preparo um reconfortante mac & cheese com batata doce e espinafres, estudo a lição de História Moderna, e ouço (ao fundo) o mais velho a ir encher a garrafa de água, que partilha com o mais novo, e que anda a passear miniaturas de animais no novo tractor com atrelado. O marido chega a casa mais cedo e fica feliz porque o recordo que tem queijo da serra no frigorífico. Às vezes é mesmo assim.

05 fevereiro 2013

manifesto de um perdedor

Uma mãe vem sempre em último lugar na corrida diária. É quem fica sem água, se uma garrafa é partilhada por todos. É a que se resigna com as migalhas no fundo do pacote de bolachas. É quem apanha chuva para que todos entrem primeiro para o carro. A primeira a levantar-se e a última a deitar-se. É claro que também é a mais bonita e a mais querida do mundo, aquela que faz os melhores bolos e a que recebe os abraços mais meiguinhos. Mas não deixa de ocupar permanentemente o último lugar do pódio. Às vezes as mães também se cansam e, ousadia, precisam de estar um bocadinho sossegadas. Esta mãe que vos fala aguenta o barco muito à custa de rotinas, de previsibilidade e da noção que, de alguma forma, as coisas estão no seu lugar. E de que tem espaço para respirar. Por isso, se lhe baralham as rotinas, se lhe atulham os preciosos metros cúbicos de vazio e arrumação com inutilidades materiais que ela evita a todo o custo, se não lhe permitem ficar na cama o dia inteiro a curar sonos e constipações, pelo menos concedam-lhe a graça de não esperar que esteja constantemente a sorrir e a emanar doçura de todos os poros. A rabugice é o último luxo de uma mãe de rastos.

03 fevereiro 2013

pós-lamechismo 1.0

Este fim-de-semana teve variações de temperatura perigosíssimas para a saúde. Sobretudo a dos virus tossengus, que espero terem falecido todos no aparelho respiratório dos meus filhos, depois de os atazanarem nos últimos dias. Aproveitei estas horas a elevadas atitudes não só para escorregar na neve, como também para 1) gritar cinematograficamente no alto da montanha; 2) praticar a auto-hipnose junto à lareira; 3) tomar o pequeno-almoço de pijama; 4) roer as bochechas dos filhos; 5) apanhar plasticina do chão; e 6) ter epifanias relevantes, das quais gostaria de destacar que o meu saudosismo é só a prova de que é muito mais fácil gostar do bem resolvido do que do que ainda pode correr mal.
O meu Diogo, cavalinho selvagem, nascido no meio da tempestade de neve e de um tempo cinzento da minha vida, faz hoje três anos de sol a brilhar nas nossas vidas. Está crescido e disse hoje "que po'caria" (quando não conseguiu calçar as luvas sozinho), revelando que os mais novos são uns mal-criadões, livres e prontos para tourear o que lhes vier pela frente.