27 março 2013

memória selectiva

Se calhar ando a precisar de Memofant, mas tenho quase a certeza que todas as Primaveras da minha infância eram basicamente isto,

sendo que me levantava ao nascer do sol com o meu primo, que me dava o pequeno-almoço e íamos apanhar caranguejos. Não é por nada, mas a infância em Portugal anda a ser delapidada (e não é só por culpa dos do costume).

25 março 2013

chegar ao fim

Tinha cinco anos quando organizaram uma corrida à volta do quarteirão da escola. A escassos metros da meta, desisti, inaugurando uma tendência de vida de começar tudo cheia de entusiasmo e deixar muita coisa a meio. Raio de tendência. É preciso acabar com as desculpas e insistir, mesmo quando não apetece, mesmo quando achamos que o resultado vai ser medíocre. Às vezes, medíocre é melhor que nada.
Isto tudo desembocou nos vinte e um quilómetros e noventa e oito metros que corri ontem, sem parar (excepto quando tropecei e voei sobre o asfalto, esfolando um ombro). Passar a meta ao fim de pouco mais de duas horas foi a recompensa pelas madrugadas de chuva e frio, pelo treino esforçado, por todas as vezes em que duvidei que conseguia. Consegui. Venha agora a maratona.

22 março 2013

diga-me que casa procura, dir-lhe-ei quem é (neste momento, pelo menos)

Luz. Sol. Viradona a Sul, à descarada, a ver se eu me importo.
Jardim. Quintal, vá. Quero mexer em canteiros e ter uma mesa para tomar pequeno-almoço cá fora.
Lareira. Para espantar os Invernos com o crepitar da lenha.
Nos meus bairros. Já passei por vários e gosto de todos eles. Sou de Lisboa, mas uma Lisboa de avenidas e não de ruelas.
Com quartos amplos. Sou bicho do mato, não faço vida social de sala. Gosto de ter espaço para sonambular noite e dia, para ler na cama, para não fazer nada.
Nova ou antiga. Grande ou pequena. Junto ao chão ou nas alturas. Cozinha tradicional ou fogão escarrapachado na sala. Tanto me faz. Quero o resto. O resto não cabe é no meu bolso.

19 março 2013

intimissímo demais

Tinha para aqui longos parágrafos acerca do amor do meu pai, do Amor do meu Pai, de como o novo Papa é tão parecido com o meu Avô e apaguei tudo muito depressa porque isto da blogosfera tem tanto de apoio e empatia como de intolerância e julgamento. Isto dos amores filiais, de Fé e de esperança de avezinha recém-nascida são questões demasiado íntimas para que venham atropelá-las sem dó nem piedade. Da mesma forma que não gosto que mais ninguém me mexa a roupa interior, custa-me que quem não me conhece dite sentenças sobre o que sinto de mais profundo e genuíno.

18 março 2013

coisas avulsas*

1. Deixei de sonhar com casas e passei a consumir avidamente websites de imobiliárias, já fomos visitar um apartamento e tudo. Há tanta coisa tão feia e deprimente por aí que estou quase a acreditar que, afinal, o meu rés-do-chão sombrio é maravilhoso;
2. Tivemos a festa de aniversário do Gugas e verifiquei aquilo que já sabia: sou péssima com adultos mas atirem-me as crianças todas que tiverem à mão, que eu dou conta delas com muito gosto (durante algumas horas, é claro!);
3. Os meus vestidos de algodão gritam por mim no armário. Evitarei, para já, desenvolver o tema "Primavera" porque sei que vai dar pano para mangas, no seu sentido literal e figurativo.
4. Hoje tenho uma entrevista de emprego e já não me lembro de como se faz.
5. O meu marido foi promovido, graças a Deus e a ele. Pediu-me para fazer bifes, de vez em quando, com o aumento.

Boa semana!

*para não acharem que aconteceu alguma coisa, porque é logo isso que eu acho quando não há notícias de alguém que vou lendo por aí

12 março 2013

6 anos de gugas

Era uma vez um velho e sábio monge tibetano que se sentou à entrada do seu templo a meditar. Visualizou que era um grande albatroz, viajante transoceânico, que contemplava oceanos, falésias e todas as montanhas da costa. Sentiu que isso era bom. Quis depois descer à terra e armou-se de um coração puro e da vontade de erguer, com a força dos seus braços e a linha nítida dos seus sonhos, as torres mais altas e perfeitas. Fez-se menino e é o meu filho crescido, sereno e bom.

11 março 2013

a casa dos meus sonhos

Nunca tinha experimentado isto de ter um sonho recorrente mas agora tem-me acontecido: sonho quase todas as noites com uma casa. Esta casa é a minha casa mas é diferente da realidade. Abrindo uma porta, subindo uma escada, virando uma esquina descubro que afinal é muito maior. Que tem janelas do chão ao tecto. Clarabóias. Sótãos. Tantas oportunidades por explorar. O meu subconsciente desistiu de falar comigo tu-cá-tu-lá, como fazia antes, e anda a mandar-me estas mensagens mais previsíveis do que um filme de Domingo à tarde. Ó eu: eu sei que tenho de aproveitar o melhor do que tenho. Sei que estou a desesperar por sol e ar puro. Sei que preciso de espaço e de um empurrão para meter mãos à obra. Eu sei. Mas, ó eu, eu tenho frio e este Inverno deitou-me abaixo. Queria ermitar-me (e não posso). Give me a break or grant me a loan para eu comprar logo uma casa grande, solarenga e com passarinhos à janela. Podia não resolver os problemas do mundo, mas já me dava uma ajudinha.

01 março 2013

fazendo a ponte sobre o abismo

Este post não é sobre política, é sobre pessoas. As pessoas conhecem-se mal a si próprias, acham que conhecem benzinho quem as rodeia e não fazem puto de ideia do que é a realidade de quem está mais distante. Essa distância vale em tempo, espaço, clube de futebol, religião, e postura geral perante a vida. A massificação das comunicações trouxe a esperança de um maior interconhecimento mas, frequentemente, serve apenas para colocar o enfoque sobre as nossas ignorâncias mútuas. E as distâncias não se superam facilmente; na verdade, ampliam-se - e muito - neste tempo de adversidade.
Apesar do facilitismo perigoso de conceitos como “ricos” e “pobres”, o que é facto é que há estatisticamente um abismo cada vez maior entre a larga maioria que luta pela sobrevivência e os pouquíssimos que concentram a fatiazorra dos recursos da Terra. Cada um tem uma carrada de preconceitos imbecis sobre o outro. Os pobres são preguiçosos, invejosos, dependentes, oportunistas, exigentes, desorganizados e uma praga com a qual os contribuintes têm de levar; os ricos são uns egoístas, materialistas, sortudos, arrogantes, fúteis, gananciosos, obtusos, e mereciam todos ser fuzilados em praça pública. É tão fácil acreditar nestas imagens redutoras.
Toda a gente concorda que as coisas não estão nada bem, como estão. Atira-se culpas pelo ar e não se avista uma solução. Discordo profundamente dos que acham que reduzir o metabolismo de uma sociedade pode resolver alguma coisa (e já nem estou a falar das injustiças brutais na aplicação dessa dieta). E discordo também dos que acham que é preciso arrasar tudo para começar de novo, improvisando pelo caminho. A verdade é que não tenho soluções mas sou firme na denúncia dos problemas. E não há problema que se resolva enquanto as pessoas não aprenderem a sair de si e a colocarem-se no lugar do outro. É por isso que vou estar , onde importa, amanhã. Não é para gritar obscenidades nem para dissolver na multidão as minhas angústias. É para estarmos uns com os outros e vermos que, na verdade, estamos todos juntos. Vemo-nos por lá.