29 maio 2014

dúvidas avulsas de mãe de um de quatro e outro de sete

Até quando é que devo não interferir (e, por interferir, refiro-me a encostar aqueles mini-terroristas a um canto com a minha frieza de psicopata) nos conflitos do mais pequeno, a quem chateiam constantemente no recreio e, volta e meia, dão um empurrão que vai longe demais?
Estarei a comprometer-lhes a socialização se não ligar o televisor nos jogos do Mundial, porque detesto futebol, não aprecio manadas febris armadas de vuvuzelas e cachecóis, e eles não ligam a futebol, de qualquer forma?
Devo preocupar-me por os meus filhos serem os únicos seres do planeta infância que se estão a marimbar para as pulseiras de elásticos?
Onde está o equilíbrio entre a mãe hipocondríaca e a mãe desleixada com a saúde dos filhos?
Devo deixar o mais novo gastar o dinheiro todo em cromos, ainda que seja também para oferecer carteirinhas ao irmão?
O que é que eles vão calçar no Verão (para quem ainda não sabe, não gosto de Crocs nem de sandálias)

28 maio 2014

está para chegar o dia

Em que eu conheça um homem que não se julgue um ás do volante.
Ou uma mulher que não afirme que tem muito jeito para a escrita.

Detesto reproduzir estes estereótipos mas é verdade, o que é que eu hei de fazer?



Adenda: Também não existe ninguém que não sinta que tem talento para a fotografia, por exemplo. O que me leva a desabafar que 1) estou farta desta nossa sociedade dos talentos. Gente, abracem a vossa medianeidade. E a dos vossos filhos, já agora; e que 2) basta juntar-se um virtuoso e um instrumento (o volante, a palavra, o filtro de Instagram) e é ver as obras primas a despontar como cogumelos na floresta. Reservem-se um bocadinho, virtuosos. Se a vossa arte for mesmo excepcional, não passará despercebida. Se for banal, pois que vos dê muito prazer, mas em privado.  
 

27 maio 2014

os silêncios dos outros

Leio demasiados blogues. Uns por afinidade, outros por respeito, cada um tem o seu lugar no meu tempo de pausa (até já aqui me dediquei a pensar um bocadinho sobre isso). Para além do que escrevem, presto atenção ao que calam. Leio nas linhas e nas entrelinhas e tento adivinhar as causas dos silêncios. Alguns silêncios são falta de tempo. Muitos são tédio. Alguns são vergonha e mais ainda são segredos. Os meus silêncios preferidos são os de amuo e os que mais me preocupam são aqueles em que vaticino doenças, suicídios, tragédias. Fujo daqueles que precisam desesperadamente de aparecer, os que contam meias estórias e cozinham mensagens indecifráveis em lume brando. Mas nisto da blogosfera, como na música, as pausas fazem parte da melodia que nos embala.

26 maio 2014

agora sim, sobre política

Despubliquei à pressa o post que voltará quando já não estiver, como dizê-lo?, profundamente desiludida com os resultados de ontem.
Esperava-se a abstenção mas não a indiferença de dois terços de nós.
Esperava-se o extremar de posições, perante a palhaçada que grassa nos sectores partidários mais moderados, mas não a conversão de uma massa de cidadãos, supostamente educada, ao populismo e ao nacionalismo extremista.
Meus concidadãos, portugueses e europeus, acham mesmo que a culpa é sempre dos outros? Virava-vos a todos sobre os joelhos e enchia-vos os traseiros de palmadas, fazendo corresponder o castigo ao capricho de meninos mimados da vossa conduta.

23 maio 2014

não se tratando ainda de política

Este post é sobre sapatos e malas. E tons de cortinados. E unhas de gel. E música romântica dos anos 80, de preferência brasileira. E partos naturais e mais as maravilhas da amamentação.

(imagem discretamente roubada à SMS)


Pronto, agora que já é garantido que o meu querido electrodoméstico não está a ler isto: mas que coisa do outro mundo, que pedaço de mau caminho que é o candidato da CDU, o João Ferreira. Valham-me todos os santinhos do marxismo-leninismo. João, onde andavas tu quando éramos os dois petizes? Será que nos cruzámos nalguma colónia de férias na Costa da Caparica? Será que me terias feito uma amona só porque eu andava com fatos-de-banho da Cenoura? Não negues à partida uma betinha que desconheces. Sabes, durante muitos anos achei que aquela espécie estranha de extraterrestres que ia à Festa do Avante era uma massa uniforme de gente zangada, de bigode. Eu sei, que estupidez. Depois fui conhecendo alguns camaradas e não é que há aí gente boa, alguns até com sentido de humor? É certo que já nada pode haver entre nós mas, no meio desta fantasia platónica, faz-me a vontade e dirige-me um sorriso cúmplice. Se um skinhead e uma militante socialista podem amar-se, certamente que dois democratas como nós podemos encontrar um terreno comum, nem que seja só nos meus sonhos.

22 maio 2014

h2o

Já nadei no Tejo. Remei no Douro. Surfei no Pacífico. Mergulhei nas Caraíbas. Corri (muitas vezes) à chuva. Conduzi às cegas através de cortinas de granizo. Desenterrei um carro da neve. Bebi de um oásis no deserto. Avistei glaciares de um comboio. Esperei que por mim passasse um furacão. Ouvi sirenes no nevoeiro. Chorei alguém numa falésia. Conheci alguém saído das minhas águas.

This must be underwater life. The way I feel it slipping all over me.

21 maio 2014

pselfie

A sério que nenhum blogger simpático desta praça, desde o mais brejeiro à mais cor-de-rozinha, vai comentar aqueles outdoors do PS, em que eles estão (supostamente) a tirar uma selfie? É que, a mim, não me compete. Eu já tenho dispersão temática suficiente para afastar a maioria dos leitores. Vá lá.

Três estrangeirismos em três linhas. Até me arrepio toda, que horror.

19 maio 2014

uma família banal

No meio da teimosia da ida à praia apesar do vento frio, da desorientação da corrida por entre as salinas da Ria Formosa, e da decepção perante o fecho da tasca com o pior atendimento do mundo (compensada pelas ostras ainda assim saborosas do estabelecimento vizinho, maçadoramente tourist-friendly), foi com estranheza e até algum ressentimento que ouvi o meu marido comentar entredentes: “a tua família é um bocado esquisita”. Isto, logo depois de um momento desfracturante. Junto à margem do Gilão, com a leveza de gerações que já não carregam tristezas antigas, deu-se o encontro de ramos de uma árvore tristemente fendida, prometendo novos frutos.
Esquisita, como? Uma família grande é feita de muitas pessoas diferentes. Há os que se afastam e os que são afastados. Há golpes do destino, doenças, dependências. Há mágoas engolidas e palavras caladas. Há muitos silêncios e quotidianos de negação. Há irmãos que não se entendem durante anos e depois fazem as pazes. E filhos pródigos que se distanciam quando menos se esperava. Às vezes, até há guerras, ciúmes e traições. É só uma família, como tantas outras. Um animal vivo, um organismo resistente e maleável. A herança é comum mas singular nas suas implicações individuais. Gosto da minha família esquisita e possa eu contribuir com o meu cunho de memória e confiança num futuro imprevisível mas único. Nosso.

16 maio 2014

minimalismo, um tique neoburguês?

Ontem, numa conferência, o Pedro Gadanho falava de como a diminuição dos custos de produção está a fazer com que os bens se desvalorizem face às experiências. Fiquei com a pulga atrás da orelha e hoje, à procura de sentido, encontrei este artigo do Guardian acerca da mudança de hábitos de consumo de luxo. Será que o facto de o acesso a muitos bens se ir cada vez mais democratizando* está a fazer com que estes percam o valor para aquelas camadas da sociedade que gostam de sentir que fazem parte de uma casta selecta, guardiã de um certo estilo de vida? Será que isso os leva a desprezar a acumulação de coisas em favor da colecção de experiencias de vida, ainda mais inacessíveis?
E será que esta onda minimalista que por aí graça, e na qual tanto aprecio surfar - leve de responsabilidade consumista, airosa no meu desprendimento material - mais não é do que um tímido reflexo desta tendência? Receio bem que as minhas peneiras bem intencionadas de desprezo pelas coisas tenham um certo travo de distinção social, como me poderia acusar o Bourdieu (confere, amigas sociólogas?). Mas então o que resta? Se coleccionar relógios, sapatos e pulseiras, sou uma «vítima» da sociedade do consumo. Se abraçar o monge tibetano que teima em ecoar na minha alma, sou uma neoburguesa armada aos cucos. Alguém me esclareça acerca de alguma terceira via, estou perdida no cruzamento entre o ter e o viver.

 * Democratizando, vírgula, claro. Que ainda há um sexto da população mundial que nem sonha com a garantia dos bens essenciais, quanto mais dos supérfluos.

12 maio 2014

uma espécie de post motivacional, ou de lição de vida (afinal de contas)

Desobedeces-me regularmente. Mando-te fazer uma coisa simples, enches-te de bazófias e logo dás parte de fraco. Depois, meu velhaco, quando digo que tanto faz e te deixo fazer a tua vontade, surpreendes-me. Levas-me a passear e cegas-me com o dia a nascer no mar da palha. Apontas-me as flores a espreitar entre as fábricas abandonadas. Carregas-me pelas subidas intermináveis e garantes-me que podes mais. Ultrapassas as previsões, aceleras e superas-te. Mostras quem manda aqui e só falta a palmadinha nas costas, tivessem costas as minhas manias. Foi uma corrida bonita, ontem, corpo. Obrigada.

10 maio 2014

cantiga de amigo

Ai flores, ai flores do verde pino,
Que me perco de amores por este menino
De tão querido que ele é.

Que vem comigo a todo o lado,
seja ao yoga ou ao supermercado
De tão companheiro que ele é.

E canta acerca dos ténis da Nike
À melodia do "staying alive"
De tão pantomineiro que ele é.

Lavando o chão da casa de banho
Com menos jeito do que empenho
De tão brioso que ele é.

Dá-me dúzias de abraços e beijinhos
E derrete-me quando faz olhinhos
De tão charmoso que ele é.

Ainda que tenha de partilhá-lo com a Madalena
Que é tão loura (e eu sou morena)
De tão fresco que ele é.

Filho pequenino mas forte e valente
Ainda agora chorando, logo depois sorridente
De tão imprevisível que ele é.

08 maio 2014

o inverso do gesto

Acabei agora mesmo de me aperceber que, perante desconhecidos ou pessoas com quem não estou à vontade, me torno canhota. Aceno e toco com a mão esquerda. Eu que sou dextra em tudo, excepto no andar ao pé coxinho. Sei que isto deve merecer uma explicação obscura, e menos interesse ainda terá para o amável leitor, mas fiquei maravilhada com a estranheza do facto e tive de partilhar.

07 maio 2014

caderneta de cromos

Saímos mais cedo de casa e passámos no quiosque, antes de ir para a escola. O Diogo tinha escondido tão bem o porta-moedas recheado que não o encontrámos. O Gugas reuniu as suas moedas dispersas e pediu ao Sr. Antunes: "queria quatro carteirinhas, se faz favor". Pagou e entregou duas ao irmão, a do tigre e a da coruja. Recomendou-lhe que não as perdesse. Deixei um na escola primária e o outro no Jardim de Infância (hoje não chorou, finalmente). Passei à porta da igreja e apanhei parte de uma homilia que envolvia questões complicadas de acolhimento divino e de tentações terrenas. Tentei imaginar que tentações poderiam ter as velhinhas ajoelhadas que assistiam à missa e sorri sorrateiramente. Depois engoli em seco. Provavelmente convivem com as mesmas tentações de sempre, já um bocado empoeiradas, quase dignas de afecto. Desejei ver chegar o dia em que também eu consiga conviver docemente com as minhas tentações. Pode ser que haja vantagem em envelhecer, afinal de contas.

06 maio 2014

quero o livro de reclamações

Não acho graça a bad boys. Nunca alinhei na popular quimera feminina de converter uma besta num cavalo manso. Não atravesso a estrada se vir um homem coberto de tatuagens mas é porque já cheguei ao ponto em que não atravesso a estrada a menos que queira chegar ao outro lado. Resumindo: não gosto de vilões.
Agora, por amor de Deus, o que é que me andam a fazer ao meu Don Draper nesta sétima temporada do Mad Men? O homem está mais chocho que uma alforreca. Fica em casa a ver televisão e a sentir pena de si próprio. Quase não bebe. Preocupa-se com a mulher! Tenho medo de ver o próximo episódio e descobrir que adoptou um gato. Ou que deixou de se pentear impecavelmente. Se é para deprimir, que mergulhe numa das suas espirais de mulheres, old fashioneds e alucinações com a guerra. Agora, esta coisa amorfa e mariquinhas? Será que a Shonda Rhymes anda a meter o dedo no argumento daquela que costumava ser a minha série preferida? Não há direito.

05 maio 2014

quando é que termina a idade das birras?

É que eu ainda vou fazendo das minhas, e já sou semi-septuagenária.
Quero isto. Agora já não quero. Como é que pude achar que isto fazia sentido? Eu consigo. Eu não consigo. Consigo mas não me apetece e por isso não faço, pronto. Se é para não fazer bem, é melhor falhar epicamente. Se não acaba como quero, prefiro parar a meio. Se o mundo está contra mim, viro-lhe as costas. Sento-me debaixo de um sobreiro e faço de conta de que não me importo. Como é feio desistir e como é sonora a solidão a que me imponho quando saio de prova, desdenhando seguir a dolorosa torrente dos que continuam, sob a torreira do sol impiedoso. Não há lições a tirar, só vergonha e vazio de sentido.

Volte sempre, amiga leitora que pensava que isto era um baby-post. Fica para a próxima.

02 maio 2014

na próxima encarnação

Quero ser uma daquelas pessoas que desconhecem a noção de peso na consciência. E ter bom cabelo. E pernas altas. Mas já ficava contente se conseguisse andar pelo mundo sem carregar a cruz de um perfeccionismo implacável. É pena não acreditar em várias encarnações e, ainda por cima, a minha moral ser precisamente aquela que espera que seja verdadeira, justa e abnegada (também é uma moral de perdão e amor incondicional mas essa parte custa mais a processar).