29 agosto 2013

já não tenho bebés

Despachámos fraldas, pote, bodies, louça de plástico, pente minúsculo (falta a tesoura das unhas). Somos uma família desbebezada e com orgulho. Apesar de adorar bebés, não nego a maravilha que é a liberdade de uma família com miúdos "crescidos", em que podemos pegar neles a qualquer hora e fazer quase tudo o que nos apetece. Sinto que eles estão no ponto, fruta madura ainda sem mácula, ultrapassaram as birras sem explicação e ainda não se lembraram de achar que os pais são caretas. Apetece-me tê-los sempre assim, roê-los e prolongar eternamente este Verão.

A meio da noite, o Diogo costuma vir ter comigo, pé ante pé, para o levar à casa-de-banho. Tem só um bocadinho de medo do escuro. Dou-lhe a mão e vamos em silêncio pelo corredor. Nessas alturas, reparo como tem a pele ainda tão macia, o braço gordinho de bebezão. E sorrio.

Depois passa-me o sorriso quando não consigo voltar a adormecer durante várias horas mas a culpa não é dele, é das chatas das insónias.

28 agosto 2013

tempestade no levante

A avaliar pela subida dos preços do petróleo, parece garantido que vem aí intervenção armada na Síria. Cada nova guerra que nos é noticiada à distância é vivida de acordo com a nossa maturidade no momento mas a verdade é que sempre detestei tudo o que tem a ver com esta estúpida movimentação (des)organizada para provocar a morte e a destruição. Ainda assim, não encontro facilmente respostas ou alternativas. É óbvio que tem de se travar um regime que massacra o seu povo. E a dinastia Assad nunca primou pela diplomacia desinteressada nem pela moderação nos actos. Estamos a falar de um daqueles países onde há uma estátua gigante do Grande Líder a cada esquina, onde não há liberdade de expressão, e onde uma civilização milenar e multicultural nunca conheceu realmente a paz e a democracia. No livro que estou a ler agora, numa estranha coincidência, o autor passeia-se entre Alepo e Damasco, maravilhando-se com as paisagens férteis, as gentes educadas e prestáveis e todos os contrastes de um dos vértices da humanidade. Fico com muita vontade de conhecer este país e tenho muita pena que isso não venha a ser possível nos próximos tempos. Muito mais triste é a tragédia pessoal de cada uma daquelas pessoas, que promete ganhar novos contornos de horror muito em breve.

27 agosto 2013

animalia avulsa

Todos os dias vejo pombos mortos nos passeios, nas bermas da estrada. Não sei se faz parte das mais recentes iniciativas camarárias mas gostava que me esclarecessem (isso pode determinar o meu voto). Se os ingleses andam a matar texugos, tão mais giros do que as ratazanas aladas, e não se inibem de o anunciar, há qualquer coisa de muito complexado continental neste tabu do controlo eugénico de espécies não humanas.
Já o meu cão desatou recentemente a fazer chichis por todo o lado, a toda a hora. Vaticinei logo o fim iminente. Mas era só birra de fim de férias. Eu também voltei ao trabalho e ninguém me vai perdoar se começar a deixar poças no linóleo azul do gabinete, quem é que este canídeo pensa que é?
Por outro lado, verifico que a vida selvagem pulsa em força durante as minhas horas de expediente. Há uma cigarra que faz uma chinfrineira indescritível, mesmo aqui junto à janela. Às 12h, cala-se. Retoma por volta das 13h. É uma cigarra que vive num estabelecimento de ensino superior público, está bem de ver. Gosto muito da companhia que me faz e detesto pensar que, em breve, vai calar-se. E ser substituída pelo ruído das praxes, que agora duram todo o ano lectivo.

eleições autárquicas

Se conseguirmos ultrapassar o ridículo dos cartazes eleitorais, como bem lembra a Ana C., os custos das campanhas para o erário público (pensei que não havia papel, afinal como é que é?), e descontarmos o facto de já ninguém acreditar no valor social da política, vamos chegar à conclusão que as eleições são uma coisa espectacular. Ou antes, o período antes das eleições. O jardim perto de nossa casa foi todo levantado e replantado, há de resistir umas boas semanas às investidas dos pombos alimentados a papo-secos pelas velhinhas do bairro. O asfalto das ruas anda a ser arrancado e substituído, uma grande melhoria face ao hábito de remendar buracos, que não resolve nada. Os prédios devolutos que se desfazem aos bocadinhos com a chuva do Inverno andam a ser alvo de obras a sério. Caramba, qualquer dia perdem a cabeça e começam a limpar os grafitti das paredes, para grande irritação dos grupos neo-nazis e anti-fascistas que se degladiam no silêncio da tinta em spray. O que vale é que já falta pouco para as eleições senão, qualquer dia, ainda começávamos a parecer uma cidade do norte da Europa.

23 agosto 2013

o fim* de um sonho

Eu sei que isto se tratava de um pequeno passo para a humanidade, ainda que fosse um grande salto para mim. Como justificar, portanto, a imensa tristeza que sinto? Podemos avançar com algumas explicações:
A económica: um investimento considerável, em treino e no que abdiquei, que não deu retorno.
A biológica: uma quebra súbita na produção de endorfinas.
A sociológica: a dissociação identitária, a exclusão do grupo de referência.
A psicológica: a revolta, a angústia, um pontapé implacável nos tim-tins da auto-estima.
A antropológica: a confirmação do estigma de fragilidade feminina.
Todas as ciências podem reunir-se para racionalizar sobre a caganita mole que me sinto nestas últimas semanas e, ainda assim, isso não me serve de nada. O simples facto incontornável é que me lesionei e não vou poder correr a maratona de Outubro. Para compreenderem o que sinto, imaginem um daqueles namoros da adolescência em que tudo ia bem até ele vos dar com os pés e vos trocar pela vossa melhor amiga. Já não estou na adolescência, como bem me recordou o malfadado tendão do joelho direito, e já não tenho desculpa para passar as noites a chorar, abraçada à almofada. Mas era o que me apetecia.
Passadas quase três semanas já estou a sair do modo Calimero e vou a uma consulta na próxima semana. Não sei se alguma vez vou poder correr uma maratona mas nunca como agora tive a certeza que, enquanto tiver pernas, terei o desejo ardente de cumprir esse objectivo.

* fim do sonho de correr de Cascais a Lisboa a 6 de Outubro de 2013. Outras oportunidades haverá, se Deus quiser.

Adenda: Para quem duvidava da minha essência avicular, tenho uma 'tendinite pata de ganso'. A pata da gralha terá assim de repousar umas semanas, fazer gelo e anti-inflamatório, e esperar que não seja preciso fisioterapia depois disso.

18 agosto 2013

sozinha

Pela primeira vez em trinta e quatro anos de vida estou sozinha na minha casa.

(o parágrafo extra foi para vos ajudar a interiorizar devidamente o peso da frase antecedente)

Tenho quatro dias para descobrir o que são as saudades deles os três. E também para fazer uniquixclusivamente o que me apetecer. Dormir de barriga para o ar. Ouvir Samuel Úria enquanto danço em cuecas peo corredor. Ir ao cinema. Ir outra vez ao cinema. Ler no jardim (mais do que uma página sem que alguém me puxe para jogar à bola). Comer pequeno-almoço a todas as refeições. Experimentar as receitas mais escandalosamente calóricas do Pinterest. Pensar na vida. Ah, e já agora trabalhar - enquanto eles continuam a Sul.

quatro semanas de praia


Parar. Absorver luz do sol para o resto do ano. Deliciarmo-nos com as conquistas e (tentar) lidar com as derrotas. Deixar crescer demais o cabelo e fazer esticar os chinelos onde já não cabem os pés. Barriga cheia de peixe, de coisas boas e de outras menos boas, mas nada se compara ao privilégio de podermos gozar este tempo juntos.