28 março 2012

não deixem vir as andorinhas

Ou melhor, mandem-nas todas lá para os vossos quintais, que no meu não fazem ninho. Não tenho ânimo para Primavera em 2012, mais vale que venha logo o Verão e me torre a pele e os miolos, que me seque o coração e impeça, ao menos, de escrever piroseiras previsíveis deste género.

26 março 2012

yin yangs e outras tangas

Quem se lembrou de vir dizer que os opostos se atraem foi com certeza um homem com muita lábia e ainda mais necessidade de dar uso ao material. "Ah, e tal, que eu gosto de matrecos e de cerveja e tu gostas de ler Proust e de massagens com envolvimento em mel silvestre, mas isso até é bom porque constitui um desafio e nunca vamos cair na monotonia." O tanas. As diferenças não unem, desunem. As persperctivas divergentes podem alimentar um diálogo interessante mas, ao fim e ao cabo, todos precisamos de sossego e de compreensão. De comunhão. Enquanto falamos de clubes de futebol e de programas de televisão, a coisa ainda pode ser relativizada (e, e... que conheço um benfiquista ferrenho que jura a pés juntos que nunca teria nada com uma não benfiquista); agora, quando entramos em questões que mexem com os nossos valores fundamentais, com as nossas prioridades e com a nossa atitude geral perante a vida, a coisa torna-se mais complicada.
Estou mesmo cansada de viver em clivagem religiosa lá em casa. Falo disso aqui porque já discuti o assunto antes com o interessado e porque é algo que está, realmente, a consumir-me. A tolerância tem sido uma rede que nos tem sustentado ao longo destes anos mas, sinceramente, estou cansada de consertá-la e os buracos parecem cada vez maiores. Com a idade, os relativismos e as coisas mal resolvidas vão-nos roendo os calcanhares e nem sempre é fácil encontrar respostas que sirvam a todos. Na maior parte das vezes, o consenso é uma má solução para todos os envolvidos. E o que fazer a partir daí?

21 março 2012

porém, outros defeitos me acometem

Um orgulho do caracinhas, logo para começar. A noção de crítica construtiva é um conceito que não compreendo completamente. Como é possível que nem tudo o que eu faça seja considerado perfeito? Todo o meu esboço nasce para obra-prima. Sou primogénita, é suposto isto ter saído tudo bem à primeira.

Ou de como as aulas de escrita criativa não servem apenas para me fazerem elogios mas também para me obrigarem arregaçar as mangas e navegar outras águas. Vamos a isso, então.

20 março 2012

in veja

Não compreendo isto do bicho que nos rói quando alguém tem/ é/ consegue alguma coisa e nós não. Acho que nunca senti verdadeiramente uma trinca desse género, porém testemunho o fenómeno. A minha sociopatia impede-me de dar grande importância às opiniões dos outros mas, estranhamente, alegro-me com as conquistas daqueles de quem gosto. Quanto aos restantes, tanto me faz. Que irracional esta amargura que nos faz remoer no por que é que ele assim e eu não? Que desperdício de energia. Que infrutífera actividade a de argumentar acerca da justiça da distribuição divina de sortes e azares; e, contudo, a inveja move tanta gente e paralisa tanta mais. Às vezes parece que a inveja é a última forma de relação com o outro num mundo virado para o seu próprio umbigo. O egocêntrico, em vez de ver, in veja.

19 março 2012

constatação pós fim-de-semana

É oficial: afinal já sou muito mais mãe-cota do que miúda-na-descontra. Onze crianças a correr pelo corredor durante três horas é muito mais agradável do que o mesmo período de tempo de pé, de saltos de oito centímetros, num concerto à pinha. Está visto que a solução para todos os problemas que tenho agora passa por render-me àqueles sapatos de farmácia.

17 março 2012

a vida kitsch

Cheira a roupa lavada e, algures lá dentro, o mais pequeno toca harmónica. Já fiz as compras semanais, abasteci-me na fruta e legumes, e fui buscar o bolo de aniversário à pastelaria. As manhãs de fim-de-semana têm este ritmo que me transporta no tempo e faz pensar que fizemos (os portugueses da minha geração) um looping espectacular e voltámos basicamente ao mesmo.
Nasci em 1979 e os anos 80 são mais do que uma referência de moda ou colectânea musical; são uma memória bem viva. O sabão Clarim com que esfrego as manchas teimosas (adeus tira-nódoas!) é o mesmo que usava a minha mãe. A festa de hoje terá porcarias intemporais: batatas-fritas, pães-de-leite com queijo e fiambre, gelatina, salame de chocolate (adeus bolos de pasta americana, e nem vislumbres de câpequeiques ou outras alucinações doces passageiras). Pela primeira vez na vida, vou fazer rissóis (sushi, onde andas tu?). O antiquíssimo carro que conduzimos, para além de antigo é velho, avaria, vai para a oficina e espera-se horas nas filas de autocarro. Ir para o Algarve é o sonho de férias que nos alimenta a fornalha dos dias sobrecarregados, cuja intensidade, ainda assim, é atípica de há décadas atrás. No dia em que tivermos de pagar para ver as séries a que ainda conseguimos aceder nos canais americanos, desconfio bem que terei de dar uma nova oportunidade às telenovelas. Ou então começo a jogar no Totobola. Não compreendo, portanto, como é que alguém do meu tempo, pode render-se ao novo acordo ortográfico.

16 março 2012

para desanuviar

"Diogo, anda para este lado (do lavatório) para eu te lavar os dentes."
"Não, não."
"Ai não? Está bem, olha, então vai pentear macacos!"
"Não pentei' 'cacos, não."

14 março 2012

ai achas que és a super-mulher?

Até agora, o ponto alto do meu dia foi quando o guincho me puxou a falecida viatura para cima do reboque. Literal e figurativamente. O ponto baixo foi quando saltei do dito reboque e me subiu o vestido até às vergonhas. O rebocador virou-se de costas e depois pediu desculpa, que estava só a ser educado com "a senhora".

13 março 2012

com licença, não se importa que sorria?

Cai muito mal uma risada num funeral (a especialidade de uma pessoa que eu cá sei). Não se pode gostar de segundas-feiras. Se nos contam estórias tristes, há uma espécie de protocolo oficioso que dita que devemos franzir o sobrolho e contar uma ainda pior, para relativizar a coisa. O caracinhas. Sol há só um* mas nuvens há-as por todos os lados (menos em Portugal nos últimos meses, claro). Nada desponta a minha gratidão como aquele que me faz sorrir ou aquela que me arranca uma gargalhada inesperada. No dia em que eu tiver 97 anos (ou depois de amanhã, sei lá) e as artroses me tolherem os dedos e as cataratas me velarem os olhos, no fim de tarde de Verão em que eu sentir que não verei o próximo dia e pedir mais um Mojito com muita menta, agradeço que me façam uma visita para dizer que compreendem o meu sentimento, sim, mas gostavam de confirmar só se já conheço aquela piada muito parva. Depois podem abraçar-me levemente.

* e não me estraguem a metáfora com o argumento de haver outras estrelas, se faz favor.

12 março 2012

5 anos

Acordámos todos com sol, passarinhos a cantar, muitos mimos, cócegas, risota e o peito a transbordar de amor. Hoje faz anos o menino mais lindo, mais querido, e com o maior coração do mundo. Reservo-me o direito de me babar profusamente e dizer todo o género de piroseiras todos os dozes de março do resto da nossa vida.

09 março 2012

conservadorismo capilar

Quando é que acaba mesmo a moda do cabelo cortado rente à nuca atrás e com rabichos compridos à frente? E a moda dos homens com cabelo comprido só de um lado? E a moda dos bigodes? Já agora, e a moda da depilação completa? Pergunto-me se voltaremos a ver pessoas com cortes de cabelo simétricos, pilosidades faciais devidamente eliminadas e pilosidades corporais nos sítios onde sempre existiram.

08 março 2012

o empoderamento do pipi

Acordar antes do despertador, com a dor de cabeça própria da altura do mês, preparar, arranjar, trabalhar, render-se ao croissant com chocolate, trabalhar mais um pouco, chorar-se (disso tudo e mais um pouco) às outras fêmeas do bando, respirar fundo para a segunda jornada com filhos, tachos, banhos, e o sonho de um duche quente a descer pelas costas. Não quero florzinhas, quero que me deixem enrolar numa bola e dormir.

(e que este dia deixe de ser assinalado por desactualização, quando todas as mulheres no mundo inteiro forem tratadas com a dignidade que qualquer ser humano merece)

07 março 2012

compromisso

A abnegação com que estou a fazer por terminar o último volume dos Millennium faz-me lembrar aquela vez em que esperei pelo fim de Junho para acabar com um namorado do liceu. Ele já tinha reprovado antes e eu não queria que o desgosto lhe desconcentrasse a já provável má prestação nas Provas Globais. Assim que Geografia (ou Filosofia? ou Alemão?) ficou arrumada, fui passar umas semanas a Inglaterra, livre como um passarinho, sem mais obrigações de beijar aqueles lábios de peixe, ou de andar de mãos dadas com muita vontade de estar noutro lado qualquer. Não quero desrespeitar o falecido Stieg Larsson, Deus o tenha em descanso. Mas estou desertinha por retomar prosas mais tesudas.

Saí da aula, ontem, gralha feita pavão. Se aquilo não fizer mais nada, pelo menos alimenta-me o ego. Para quem quer saber onde é, por favor enviem-me um email, que eu darei todos os detalhes.

06 março 2012

ainda a propósito das palavras

Não é por me escaparem, atrevidas e insurrectas, que não as valorizo. Quando paro um pouco e consigo guardá-las cá dentro lembro-me de como gosto de apreciar as artes visuais e de tudo o que fala sem língua nem letras. De seguida, dá-me de novo vontade de ter uma máquina fotográfica de jeito. Não sendo isso possível, venho para aqui escrever mais inutilidades.

Hoje começo o curso de escrita criativa. Estou cheia de vergonha. Detesto primeiros dias de aulas. Detesto apresentações. Se me perguntarem por que estou ali, fujo pela porta fora. Tenho de praticar o meu ar introspectivo ao espelho antes de sair de casa. E desenhar umas olheiras a kohl, pelo sim, pelo não. Será que devia começar a fumar?

05 março 2012

perder a autoridade

Tinha aqui mais um post em banho-maria sobre estas questões da maturidade e coiso. E depois reparei que trazia dentro de uma das pernas das minhas skinnies (olha a referência fashionista!) as cuecas que usei ontem. Atrás do joelho. Há 4 horas, desde que enfiei à pressa a mesma roupa de ontem, exceptuando os interiores. Assim percebo as minhas dores de crescimento e incapacidade de aceitar a condição de adulta. Há uma constante parvoeira dentro de mim a querer sair, que não se coaduna com reflexões existencialistas, com aprendizagens profundas, com amizades daquelas em que somos ombros e consciências uns dos outros - em vez de alvo de chacota mútua ou ouvido para a piadola palerma. Enquanto fizer destas coisas, e isso me der um gostinho bom de vergonha e infantilidade, nunca serei uma pessoa crescida. Nem conseguirei conviver decentemente com pessoas chatas como a potassa crescidas.

E o medo de que alguém me roube a mala de esticão e me leve a cueca enroladinha debaixo do porta-moedas?