31 outubro 2013

haverá choro e ranger de dentes

Das poucas coisas que trouxemos na mala de cartão (de regresso), veio um dólar amarfanhado, para nos lembrar da riqueza acumulada, e a tradição do Halloween. Infelizmente, como disse no ano passado, não há meio desta festa ganhar adeptos na nossa zona, pelo que temos de fazê-la dentro dos doze metros quadrados da nossa sala. Paciência, o que conta é a intenção. E a intenção é essencialmente aproveitar este dia para dar largas ao dramatismo e ao feitio de bruxa que tem de ser ocultado no resto do ano. Hoje, não. Hoje não tenho de fazer de conta que sou uma mãe boazinha que nunca se enerva mesmo quando eles espalham pegadas de plasticina pelo corredor. Hoje posso ser má e falar com um tom de voz cavernoso. Hoje é aceitável chegar ao fim da tarde com o rímel esborratado e com o cabelo desgrenhado (o que só vem provar que as bruxas sempre foram mulheres bastante sensatas no que toca às prioridades de vida, dedicando-se mais ao estudo do que ao aprumo do visual).
Meus meninos, a ementa está preparada: sopa de ratazanas em sangue, pizza de aranhas e, à sobremesa, fantasmas de banana com gelado. Falta pendurar as teias de aranha, acender as velas e pôr a banda sonora do Les Revenants a tocar. Só faltam quatro horas para o pôr do sol, muahahah!

Depois, se eles não conseguirem dormir, o papá que vá aconchegar-lhes os cobertores.

29 outubro 2013

também na senda da boa vizinhança

Finalmente o Estado resolveu chamar a si a responsabilidade de gerir a vida doméstica dos cidadãos. Em boa hora se abandona o laxismo democrático e se endireita à força as vidas deste povo libertino e porcalhão. Já chega de famílias com mais de dois cães, quatro gatos, cinco filhos, dez bonsais, vinte moscas da fruta e cem pontos de QI per capita. Se me é permitida a proposta de alargamento deste oportuno decreto, sugiro:

Que seja proibido andar de sapatos pela casa;
Que se ouça música entre as 20h e as 19h, sobretudo se não for da que eu gosto;
Que se fume à janela;
Que se copule acima dos 20 decibéis de contentamento;
Que se tenha filhos que choram (independentemente do número);
Que se abra/feche estores entre as 6h e as 18h;
Que se veja telenovelas com o som tão alto que faça tremer candeeiros;
Que se abra a porta aos distribuidores de publicidade;
Que se ande a cuscar na janela da cozinha quando eu passo por lá em roupa interior;
Que se ria às gargalhadas quando eu não estou de bom humor.

28 outubro 2013

mata pequena






Juntam-se dezassete amigos e respectivos filhos, ocupam uma fileira de casinhas lindas e prolongam dias de sol e brincadeira ao ar livre com noites demasiado animadas para o avançado da idade. Misturam isso tudo com pão quente, queijo, vinho, castanhas, chouriço, sopa passada, brinquedos espalhados por todo o lado e gatos atrevidos que entram sabe-se lá por onde. Ganham em gargalhadas o que perdem em horas de sono. E conhecem outras dimensões da amizade e de si próprios enquanto pais. Não sei se é preciso uma aldeia para criar uma criança mas ficou provado que, numa aldeia, até a criança mais mal-criada tem sempre um terreiro onde gastar energia e um rancho de tios, primos e galinhas que lhe ganham aos pontos no campeonato da barulheira e do disparate.

25 outubro 2013

isto é tão bom, tenho de partilhar

Ó p'ra mim a publicar imagens de comida. Mas a verdade é que gostamos tanto disto lá por casa que era injusto que o resto do mundo não pudesse prová-lo. É o meu tabouleh com nozes e rabanetes. Ide já comprar os ingredientes, afiai o cutelo, e tende um bom fim-de-semana.


A foto está amarela porque eu tenho muito jeito com isto dos filtros mas garanto que não leva caril nem açafrão, leva:

500 gr. couscous
2 limões
2 laranjas
Azeite
1 cebola
1 pepino
2/3 tomates
1 molho grande de coentros
Sal e pimenta q.b.
Rabanetes e nozes para guarnecer

Mãos à obra: Ralar a casca dos limões, espremê-los e às laranjas. Adicionar a mesma quantidade de azeite, acrescentar pimenta e mexer. Deitar o couscous seco num pirex, verter aquela sumenga lá para cima e envolver bem com um garfo. Depois vem a trabalheira de cortar bem fininhos a cebola, o pepino e os coentros. Juntar ao couscous e envolver. A seguir, ir fazer o jantar porque este prato tem de ficar a cozer de uma noite para a outra, pelo que devem guardá-lo no frio, coberto de película aderente. No dia seguinte falta só cortar e adicionar o tomate, temperando com sal e rectificando a quantidade de azeite. Depois, acrescentar os rabanetes e as nozes, e abrir uma garrafita de Monte das Servas branco 2009, que vai muito bem com aquela sinfonia cítrica. E ajuda a não reparar nos bocados de couscous que vão sendo deixados cair à volta da mesa pelos comensais mais incompetentes. Bom apetite!

Vṛkṣāsana

Pé ante pé, sinto a aproximar-se pelo corredor escuro nem um metro de gente, acordado bem antes da hora. Enquanto faço de conta que não reparo, mantendo irrepreensivelmente o equilíbrio do meu Asana, ele senta-se no sofá, embrulha-se no meu roupão e observa-me. “Parece um triângulo”. Desfaço o pose, dou-lhe um beijinho, estico os braços e elevo uma perna. É cedo e estamos ambos bem despertos. Reparo mais uma vez como é tão parecido comigo e perdoo-lhe a subtracção daqueles momentos que gosto de reservar para mim. Hoje não leio ao pequeno-almoço: conversamos em surdina. “Não foi minha por causa que acordei, mamã, foi por causa do senhor vizinho”. Bem sei, é um dos encantos de se viver num prédio quase centenário. Vamos fazer chá, torradas com mel e canela, e esperamos que o resto da casa acorde.

Reparem no esforço para encontrar coisas boas desta altura do ano, reparem! Pronto, não me queixo mais.

24 outubro 2013

se desejares uma coisa com muita força, ela acontece

Há quem sonhe com um corpo escultural. Quem idealize sonos retemperadores de apenas duas horas diárias. Aqueles que desejam um sorriso imaculado e os que só pedem que o tempo não multiplique os efeitos da força da gravidade. Eu gostava muito de gostar de chuva. Mas não há meio, senhores, não há meio.

23 outubro 2013

coisas que não sei explicar

Este post da S. voltou a escavar no abismo que há em mim e provavelmente em muitas mulheres, que separa aquilo que tentamos ser racionalmente e o que fazemos movidas sabe-se lá por que motivos emocionais/biológicos/societais (seleccione a opção desejada). Afinal de onde vem a decisão de ter filhos, pelo menos para aquelas que o decidem conscientemente? Para as outras pessoas, não sei. E respeito em absoluto as razões de cada um. Para mim é claro como água: é para poder gostar deles, ponto final. Objectivo mais egoísta era difícil.
O que é mesmo estranho é que eu já desconfiava que ia gostar assim deles antes de os ter. Como é que eu sabia isto? Como é que, desde pequenina, tenho cá dentro um novelo anafado de amor infinito para desembrulhar? Não sei, mas tenho. Da mesma maneira que ao ter o segundo filho sabia que não o amaria menos do que o primeiro. Ou terceiro, quarto, quinto, quantos viessem. Da mesma forma que me sinto profundamente amada desde tenra idade, antes de o verbalizar ou de compreender o que é isto de ser filha nas suas várias implicações. Será que há pessoas que nascem com tão grande superavit de afecto que não concebem guardá-lo todo cá dentro? E por que é que esse amor há de ser direccionado para aqueles que geramos ou adoptamos como nossos? Amores há muitos mas este é mesmo diferente. A verdade é que faz sentido que quem não tem filhos não possa adivinhar na sua totalidade, com o mero uso da razão, a dimensão incomparável deste amor.
Não sei se há mais quem tenha esta minha espécie de convicção tão segura como irracional. Se tiver, a intuição dessa promessa de amor é mais forte do que fome e sede. É urgente. E então passa por cima dos obstáculos previsíveis e imprevisíveis, do bom senso, dos medos, e faz do ventre coração para, de um amor, criar uma vida única e um bocadinho nossa. Pelo menos de empréstimo.

22 outubro 2013

nos bastidores da academia

Não sei por que é que a Shonda Rhimes e seus sucedâneos insistem na fórmula dos hospitais e escritórios de advogados para tecer as suas teias de intriga. Caramba, há um número limitado de maneiras como um médico se pode meter com uma enfermeira, que anda a papar o fisioterapeuta casado com a advogada que ganha os casos na antecâmara do juíz, que é irmão do médico (mas eles não sabem disso, chiuuu). Guionistas do algodão doce e do kleenex de lavanda: vocês não sabem o que andam a perder no mundo das universidades.
É um privilégio trabalhar numa universidade. Não só contactamos diariamente com pessoas inteligentes, interessantes, empenhadas e com espírito crítico como temos oportunidade de aprender imenso, de aceder a conteúdos reservados, de assistir em directo à produção de ciência. Por outro lado, também temos de lidar com as maiores prima donnas. Com profissionais do turismo académico. Com seres que são a definição de inépcia social. Com oportunistas maquiavélicos. Com assistentes subservientes. E com uma grande endogamia profissional que resulta em casamentos, descasamentos, casos e suspeitas ao maior estilo telefilmesco. Pelo meio, tenta-se fazer investigação e levar conhecimento à sociedade. Diz que também andam para lá umas criaturas semi-imberbes a fazer, como é que se chama mesmo?, uma licenciatura. Mas desde que sossegaram lá com aquilo das capas e das pandeiretas, uma pessoa até pode quase ignorar a sua presença.

21 outubro 2013

5/37 castanho sensual

Pintei o cabelo num tom tão escuro que se me apagou a luz da alma. Foram-se as recordações do Verão nas pontas naturalmente californianas e fez-se noite ártica na minha melena e no meu estado de espírito. Como se não bastasse o chove-não-chove, os filmes de cocó que tenho visto e até o mais recente do Mia Couto, que não anda a cumprir. Como é que uma pessoa aguenta agora estes meses em que tem no desumidificador o seu melhor amigo? É que nem me apetece comer. Só me apetece dormir. A sério, por que é que há quem troque a energia das madrugadas luminosas pelo consolo chocho de mantas e tisanas? O que vale é que já só faltam dois meses para os dias voltarem a crescer.

17 outubro 2013

os meus filhos são sobredotados

Um passa o dia inteiro a assobiar o Rolling in the Deep, da Adele, que é uma perfeição. Será que aqueles programas de televisão de prodígios aceitam esta categoria artística? Não é tanto pelas luzes da ribalta, é mais para dar um bocadinho de sossego aos ouvidos do resto da família.
O outro lembrou-se de imitar a Ana Moura, mesmo com jeitinho de fadista. Lá ar gingão nunca lhe faltou. Isto devia dar para rentabilizar de alguma forma mas não estou a lembrar-me de nenhuma, assim de repente.

16 outubro 2013

o silêncio dos inocentes

Há crianças muito mazinhas. E adolescentes ainda piores. Ou então há simplesmente miúdos que andam um bocado desorientados enquanto crescem e descobrem quem são, o que às vezes tem consequências complicadas. Acho que não andava desorientada e ainda assim, quando era miúda, tive a minha quota parte de responsabilidade nesse departamento. Sim, eu fui uma pequena terrorista psicológica para alguns colegas de escola e até, por vezes, para o meu irmão. Não me orgulho nada disso. Também fui alvo de provocações e empurrões de algumas miúdas mais velhas. Não foi por falta de afecto parental que andei a azucrinar aquelas almas e também não foi por negligência ou insegurança que me deixei cair no papel de vítima. Nada foi excessivo, felizmente.
É só quando somos pais que estórias como esta nos deixam realmente mal-dispostos. Quantas vítimas há aqui? A menina que foi perseguida, certamente. E a melhor amiga, que passou para o outro lado da barricada para não ser, ela própria, alvo? E a perseguidora, que não teve melhor orientação de pais e professores para compreender que o que estava a fazer podia ter consequências graves – não só para a outra mas para ela, que carregará esta culpa o resto da vida? E os pais, que criam estas doces meninas, que tão depressa coleccionam autocolantes como passam a viver quase 24/7 na base dos smartphones e das redes sociais? Como é que podemos evitar que os nossos filhos sejam vítimas ou carrascos? É uma responsabilidade do caraças e, no entanto, há tanta coisa que escapa ao nosso controlo.

15 outubro 2013

o não consumidor pagador

Agora que já toda a gente saiu de fininho da marcha de protestos contra os cortes nas pensões de sobrevivência (porque só se aplicam aos ricos que ganham mais de 2 mil euros e bem que podem deixar de ir ao Pap’Açorda sempre que lhes apetece, aqueles grandes manganões!), gostava de saber quem posso conquistar para as minhas hostes sob o estandarte do “taxa de audiovisual? Mas se já vai para 7 anos que nem sei quem é o pivô do telejornal”.
É que se nos sentimos revoltados por nos irem ao bolso, ao fruto do nosso trabalho, àquilo que merecemos ao fim de uma vida de contribuições, como não havemos de sentir-nos se nos fazem pagar por algo que não consumimos? Eu gosto muito de lavagante de Sesimbra, daquele com uma maionese venenosa e pãozinho torrado, mas ninguém me faz pagar por ele sempre que me limito a passar por aquela bela localidade. Também me agrada apanhar o pôr-do-sol na esplanada do Hotel do Bairro Alto; contudo, a única coisa listada na conta costuma ser o mojito e não uma taxa sobre a captação de raios UV. Se o objectivo é financiar meios audiovisuais para o público, que tal o público ter uma palavra a dizer sobre o que quer audiovisualizar? Tratem-no com um grupo heterogéneo de seres dotados de inteligência e não como uma massa de totós, aí contem com a minha audiência. Caso contrário, não só não pago como exijo de volta o que já levaram, que já chegava para o almoço em Sesimbra coroado pelo fim de tarde no Chiado.

14 outubro 2013

entre conventos, sinagogas e seminários

Comi tanto, tanto, tanto. Mas por que é que a norte das linhas de Torres as doses são obrigatoriamente imensas? E bebi tão bem, coisas tão boas e a fazer caminha para as doses imensas. Trepei muralhas, descobri passagens secretas, acordei com o grasnar dos patos e não dormi grande coisa com a tosse dos filhos, mas vamos deixar de lado essa nota menos romântica deste fim-de-semana de pronto-outono-anda-lá. O melhor disto tudo é que, na realidade, nenhum destes verbos se conjugou na primeira pessoa mas a três gerações, família de sempre e família que cresce. Temos tanta, tanta sorte.

10 outubro 2013

à volta da mesa

A Pólo Norte dividiu o mundo (desta vez) entre os que comem à mesa da sala e os que o fazem na cozinha. Confesso-me estupefacta com a maioria que revela fazê-lo na cozinha já que sempre o fiz na sala. Acho que isso tem a ver com o facto de não associar a cozinha a um espaço onde gosto de estar mas apenas a uma divisão utilitária que, num mundo perfeito, eu só visitaria para ir pilhar chocolates a meio da noite. Se é importante começar bem o dia, um final de dia perfeito é à volta da mesa da sala, com a minha família. Não importa muito o que comemos mas antes que possamos estar finalmente a quatro, a conversar. E a apanhar a comida que um deles atirou ao chão, a mandá-los comer com a boca fechada, a negociar mais um bocado de carne em troco das últimas fatias de pepino, a desabafar irritações laborais e a ouvir música. E a dançar um bocadinho, quando o ritmo pede e enquanto o pai vai buscar a fruta. Estar à mesa, para nós, é estar em família. Deus me livre de fazê-lo rodeada de electrodomésticos, roupa estendida e a permanente recordação de que a seguir vem a louça para lavar. Mesmo que tivesse uma daquelas cozinhas de capa de revista, nada bate a declaração de guerra às lides domésticas que é ocupar a sala para nos juntarmos a comer. Ainda que seja efectivamente o único uso que damos à sala.

06 outubro 2013

a minha primeira maratona

É verdade: fintei as probabilidades, fui contra todo o bom senso e hoje apresentei-me na partida, em Cascais, para correr os 42,195 Km da 1ª edição da Rock n' Roll Maratona de Lisboa. E corri-os! Sempre com um sorriso na cara e a deliciar-me com a beleza do percurso. Porque o mero facto de ter começado foi uma dádiva, mas a possibilidade de continuar a correr até ao fim só se deu com muita fé em mim e uma grande Fé em Quem me acompanhou em todo o caminho. A sensação de cruzar a meta, com a minha família ali a torcer por mim, foi das coisas mais maravilhosas que já experimentei.
E agora podem fechar o browser se não tiverem paciência para longas descrições de corridas - mas eu vou descrever na mesma porque quero guardar a recordação para sempre.

Passei a noite e a madrugada ansiosíssima. Dormi pouco. Tomei um hiper-calórico pequeno-almoço de sandes tripla de manteiga de amendoim e doce, acompanhada de batido de chocolate, banana e manteiga de amendoim. Preparei o meu camelback com água e as poucas coisas que levava e lá fomos nós. Antes de apanhar o comboio para Cascais, deixando os meus amores para trás, estava tão nervosa que até chorei. É que eu nunca tinha corrido mais do que 21 Km e estou ainda a recuperar de uma lesão, que me arruinou os treinos. Nem sequer contei antes aos meus pais que ia participar, porque foi mesmo uma grande insconsciência.
A verdade é que estava um dia maravilhoso em Cascais e havia "só" 2500 pessoas, todas muito animadas. Passaram-me os nervos e senti, desde o sinal da partida, que ia conseguir terminar. Estava mesmo feliz por estar ali. Resolvi dividir mentalmente a prova em fracções de 10 Km, para parecer mais fácil (resultou até aos 30). Os primeiros 10 foram uma doçura. Esteve sempre muito calor mas despejei várias garrafas de água sobre a cabeça e nunca cheguei a aquecer. Não faço ideia do ritmo a que ia (aliás, ainda não sei o meu tempo final) porque só queria sentir-me confortável e terminar. Os 10 km seguintes também não me custaram (se exceptuarmos a passagem pela Câmara de Oeiras, que me deu algumas náuseas - mas isso deve-se ao que aconteceu no Domingo passado e não neste). Aos 15 Km engoli o primeiro gel energético, o que repeti aos 25 e aos 35. À passagem da meia-maratona pensei "só falta metade!" e continuei cheia de confiança. Aos 22 Km começaram a doer-me as pernas. Foram 20 Km a arrastar umas pernas em dor, mas era gerível e fui alongando e suportando (nisto acho que as mulheres que já deram à luz sem epidural levam vantagem!). Foi importante chegar a Lisboa, do ponto de vista psicológico, e depois foi sempre a gerir os "só mais X Km até chegar ao próximo abastecimento", onde me molhava, bebia e esticava os pobres gémeos massacrados. Quando cheguei aos 35 Km tive a certeza que ia acabar e liguei ao L. para irem receber-me à meta. A partir daí já me custava mesmo correr, as pernas estavam pesadíssimas e a gralha virou tartaruga. Essa foi a fase em que mais contou o apoio do público, incentivando-nos a continuar (infelizmente, não havia muito e as pessoas estavam mais a admirar os maluquinhos a correr do que a gritar por nós, mas houve muitas fantásticas excepções). Os atletas também iam sempre puxando uns pelos outros, isso é certamente das coisas mais bonitas da corrida. Aos 39 Km tive mesmo de andar até chegar quase aos 40, mas sei que o fiz porque queria chegar a correr, cheia de energia. Quando recomecei, passou-me todo o cansaço e estava com muita vontade de ver a carinha linda do meu Gugas, cheio de orgulho em mim. Ao fundo, a meta: dei corda aos sapatos e, mesmo antes de passar, vi-os. Levei as mãos ao céu e senti uma enorme gratidão e um enorme orgulho em mim própria. Caraças, se eu consegui isto, depois do percurso dos últimos 4 meses, consigo qualquer coisa. Sou uma maratonista!
Depois recebi a medalha e fui pô-la ao pescoço do meu filho mais velho (o mais novo estava a dormir a sesta, vê-me para a próxima). Vim para casa, tomei um longo duche e agora basicamente não me mexo, mas não há de ser nada! A única mazela visível que tenho é uma bolha aberta na mão... De abrir as garrafas de água. Obrigada aos somíticos dos fabricantes de garrafas que fazem tampas cada vez mais estreitinhas.
Finalmente, quero destacar o enorme apoio do meu querido marido, que acreditou em mim desde o princípio e possibilitou que eu andasse a treinar 3 vezes por semana ao longo de tanto tempo. Agora vou descansar durante umas semanas. De louvar também a organização do evento, que esteve impecável. Não faço ideia de como foram os concertos em Lisboa mas também os dispensava bem e acho que até corri um pouco mais devagar só para não ter de ouvir os Xutos & Pontapés.
E agora? Agora vou encher o bandulho de sushi para repor os sais minerais. E vou descansar durante uns tempos. Não sei se voltarei a fazer uma maratona, sobretudo devido ao que implica em termos de treino, complicado para quem tem já uma vida bem preenchida. Mas é claro que vou continuar a correr. Quem sabe, talvez um dia aproveite a experiência que esta lesão me trouxe em natação e bicicleta e me aventure no triatlo :)

Actualização: Demorei 4h37'm44s, segundo o meu chip. E fiquei em 1403º lugar (131º entre as mulheres)

02 outubro 2013

do fundo de uma chávena de chá

Sou altamente apologista de quem procura retirar lições de vida a partir de pequenas circunstâncias que podiam parecer, à primeira vista, inocentes e aleatórias. Mesmo que as previsões meteorológicas falhem, que as estrelas não se alinhem, que as borras de café prometam e não cumpram, alguém que entrevê premonições (acha que) sabe a quantas anda e para onde vai. A determinação é o biocombustível do sucesso.
Infelizmente não acredito no destino. Faço o possível e também tento descobrir padrões, tendências, o código por que se rege o esquema do universo. Daí ver-me obrigada a concluir que, se volta a estar na moda a saia que dei no ano passado, se agora preciso de um recibo que atirei para a reciclagem anteontem, se vou ter de recuperar os dados que já tinha compilado e que apaguei, sem possibilidade de Ctrl+z,

Será que ando a desistir prematuramente das coisas?

Será que a febre do minimalismo e do não-deu-paciencismo se apoderaram de mim sem clemência? Quanto terei já desperdiçado porque ando sempre a mil, sem dar segundas oportunidades a objectos, pessoas, planos? Por outro lado, não podemos viver sempre na mesma poça de lama, repetindo erros e acreditando em hipóteses improváveis. Isso do optimismo ocupa imenso espaço e dá uma trabalheira, por muito que nos poupe em anti-rugas (além de que não se vende em comprimidos). Ah, se ao menos vivesse há uns séculos atrás e tivesse os homens para decidirem o meu rumo e arcarem com as culpas.