28 outubro 2011

aurículas e ventrículos

Volta e meia, adoecem-nos os filhos para nos exercitarem o miocárdio. Sim, confirma-se, o meu ainda é flexível o suficiente para esticar e caber um bocadinho mais de amor lá dentro. (e medo, e incerteza, e vontade de colar aquele corpinho febril ao meu e enxotar todos os vírus, todas as dores)

26 outubro 2011

a vida que continua todos os dias

Durante a semana deixei de ser mulher, sou só mãe e filha. É tão estranho saltitar entre esses dois papéis, conforme a divisão da casa e a hora do dia. Levanto-me e passo pela cozinha, evito tropeçar no meu irmão grande demais, de fato (àquela hora não o distingo do meu pai); a minha mãe pergunta-me se dormi bem e se comi e eu sinto que aquelas são as minhas palavras - mãe sou eu! - desarrumadas noutra linha espaço-temporal. E depois clic! no interruptor das crias e ando a correr atrás de um e do outro, distribuindo canecas de leite, iogurtes líquidos com palhinha, pilhas de roupa, escovas de dentes. A cria grande está refilona e contestatária. Está um aranhiço com pernas e braços por todos os lados. A cria pequena continua destruidora e pede para ir ao bacio. Está uma (quase) bolinha espertalhona. Lindos e tão crescidos. Deixo-os na escola e tenho de parar uns segundos para me lembrar de qual é o papel que tenho de representar a seguir.

22 outubro 2011

adiantando-me à chuva

Parece que o Outono chega mesmo hoje. Até que enfim, que isto de só escrever posts positivos e a transbordar de felicidade já me começava a fazer parecer a Laurinda Alves.
E agora vou ali a Alcobaça buscar os meus caixotes acabadinhos de chegar do outro lado do mar. Continuo com pinturas, montagens e a mudança. Em breve já podemos ir para a nossa casa :)

19 outubro 2011

torradas na chapa

Entro naquela casa e tenho 4 anos outra vez. A sala está cheia dele, ainda. Está no sofá (que mudou de lugar), onde me recebia ao colo e lia sonetos. Está no quarto, no porta-fatos vazio, nas fotografias connosco no jardim da Cidade Universitária. Está ele, o meu Avô, e estão todos: tios, primos, Natais, jantares de sexta-feira inaugurados com um "ora então muito bom proveito!". As paredes verdes são as mesmas, os reposteiros cristalizando um cenário de décadas, palco da minha infância. É tão bom rever tudo na companhia de dois rapazes pequeninos, novos em folha, que espalham o estardalhaço e enchem de risos espaços silenciosos há tempo demais. Fomos lanchar a casa da minha Avó e o Gugas concordou que ela faz as melhores torradas do mundo. Mexeu cuidadosamente o açúcar na chávena de chá - que colher tão pequenina! E o Diogo fez combóios de molas de roupa pela carpete. Esperei tanto por isto.

17 outubro 2011

fim-de-semana bom

Este fim-de-semana teve sabor a prolongado porque começou logo na sexta-feira. À hora de almoço fui cortar o cabelo ao Chiado, dei uma voltinha pelas lojas, visitei uma exposição do Experimenta Design e, depois de acabar o trabalho que tinha para esta semana, fiz-me à A1. Cheguei a Coimbra já à noite e jantei maravilhosamente (obrigada pelas dicas Joaníssima!) junto ao rio. Só eu e o meu marido. E o rio. E a lua, que já não estava cheia mas faz de conta. E nem um babete, nem uma colher de sopa para dar (obrigada pais!). No Sábado de manhã ainda demos uma volta pela cidade e andámos de gaivota pelo Mondego. Que boa surpresa que foi redescobrir Coimbra, que arranjada que está a cidade, que encantador que é cada recanto. Olha que sorte a nossa, que logo calhou ele ir trabalhar para um sítio tão bonito! De seguida, juntámo-nos a quase toda a minha família paterna em Lafões para uma grande almoçarada. Os meus filhos foram esborrachados de mimos com sotaque minhoto e lá voltámos para Lisboa. Domingo foi para descansar de tanto quilómetro de autoestrada e passear junto ao Tejo, com toda a calma do mundo.
Tudo isto é um luxo, senhores, um luxo. E eu sei disso.

16 outubro 2011

baixar os braços

Todos os dias há mais qualquer coisa a dificultar-nos a vida. A uns mais do que a outros, mas a uma sociedade em geral. Há muita gente obrigada a refazer orçamentos a cada semana, a cada mês, a imaginar poupanças onde já parecem impossíveis e a suster a respiração de cada vez que liga o televisor para ouvir as novas "sentenças" governamentais. Infelizmente, não conheço melhor alternativa àquilo que o Governo está a fazer. Manifestar-nos é um exercício saudável de cidadania (como devia ser a maior participação nos órgãos para isso disponíveis) mas é pouco mais do que isso: exercício.
É muito triste que tenhamos de viver um período assim e o pior é que o fim não está à vista porque todo o sistema mundial parece estar próximo do colapso.
Também tenho medo, faço contas, lamento o que se passa. E depois penso: o que posso fazer eu? Certamente, não é baixar os braços, fechar-me no meu egoísmo, coleccionar bodes expiatórios, ódios, ou descarregar na buzina do automóvel. Posso ajudar aqueles que conseguir. Posso trabalhar bem. Posso dar exemplos aos meus filhos daquilo que eu quero que eles sejam como cidadãos portugueses, europeus, do mundo. You may say I'm a dreamer but (I hope) I'm not the only one. Se mais nada há a fazer, cultivo a gratidão pelo muito que tenho e não o ressentimento pelo que perco nem a ansiedade pelo que ninguém sabe, de facto, que acontecerá ao virar da esquina.

13 outubro 2011

bsf

Os anos passam-nos pelos ossos e vamos refinando pequeninas coisas na nossa maneira de estar. Eu vou acumulando filtros. Reparo agora que adquiri aquilo que podemos chamar de Bullshit Filter: quando me aparecem aquelas criaturas que falam com mais adjectivos auto-adjuvantes do que a realidade comporta, começo logo a pensar na sopa que é preciso pôr a descongelar. "Ah, que eu faço, tenho e aconteço" e foge-me instantaneamente a atenção para o betume que tenho de comprar. Acho que disfarço bem. Consigo sorrir e dizer "a-hã" nos momentos apropriados. Conversa, não lhes dou, que é para não estimular a verborreia.
Com o acumular de tanto filtro, prevejo que esteja para breve a formalização do diagnóstico da minha sociopatia há muito recalcada. Não admira que sonhe tantas vezes com facas.

12 outubro 2011

querido, estou a mudar a casa

Há um mês atrás, viemos de uma casa bonitinha, solarenga, na floresta, para uma casa escura, fria, com um corredor interminável e janelas que dão para paredes (pronto, e ao lado de uma pseudo-floresta). Para evitar cair em depressão, resolvi aproveitar a flexibilidade de horário de trabalho para arregaçar as mangas e melhorar o que é possível. Estou irreconhecível: entrei no Aki duas vezes na mesma semana, sonho com a disposição dos móveis e até já vejo revistas de decoração. Mais um bocadinho e costurava os meus próprios cortinados. Enfim, está a dar-me uma trabalheira desgraçada mas a verdade é que, pelo andar da carruagem, parece que vamos ficar naquela casa durante uns bons anos (emigrantes pé-descalço, é o que dá). Mais vale tentar amimozá-la e fazer dela o ninho que a nossa família merece.

11 outubro 2011

teletrabalho

A partir de hoje, e sempre que quiser, trabalho a partir de casa. É claro que isso só é possível porque tenho um trabalho que se presta a isso, porque sou disciplinada e porque tenho um chefe que confia em mim. Mas é uma oportunidade valiosíssima, isso é. Posso tratar dos meninos com toda a calma do mundo, estar com eles quando mais precisam e ainda ter tempo para mim (e voltar a correr, iupi!), bastando para isso compensar à noite ou em horas de almoço. Como mantenho o meu posto de trabalho na universidade, nem sequer corro o risco de morrer de isolamento (como quase aconteceu da primeira vez que teletrabalhei). O maior desafio é resistir à tentação feicebuquiana e dos blogues em momentos de concentração laboral. Vou arranjar uma chibata para evitar a prevaricação. E agora vou trabalhar para ter tempo para pintar portas amanhã!

10 outubro 2011

serviço público/ publicidade gratuita

Quem tem filhos que não comem está habituado a ouvir a célebre frase "quando ele tiver fome logo come". Isso até pode ser verdade para crianças que não comem porque não gostam/não estão habituados a experimentar novos alimentos, para os que estão em fases de desenvolvimento e adaptação específicas, ou para os que estão doentes. Mas há quem não reconheça que, tal como há adultos com muito ou pouco apetite (como eu), também há crianças que, pura e simplesmente, não têm fome. Nos adultos, isso ajuda-os a caber num XS; numa criança, pode ter consequências do ponto de vista da resistência a doenças e mesmo do crescimento (já para não falar do ambiente familiar às refeições...).
Posto isto, sinto-me no dever de partilhar a (re)descoberta do estimulante de apetite que o Diogo começou a tomar há cerca de 3 semanas, o mesmo que a minha Mãe me deu em pequenina. Se ele anda a comer como um abade? Não. Anda a comer um pouco de tudo, a todas as refeições, com equilíbrio. Meia dúzia de passas ou meia banana já não são um jantar típico. Neste período, já ganhou cerca de um quilo, anda muito mais bem disposto, dorme melhor, em suma: o paraíso. E não houve um único pediatra que me falasse nisto (ainda que a toma, agora, esteja a ser acompanhada por pediatra).
Chama-se Viternum, à venda na sua farmácia.

07 outubro 2011

monstros

O mais velho tem medo-fascínio do escuro e de tudo o que está nele escondido. Arma-se de lanternas e avança-recua para os quartos de luzes apagadas, florestas amazónicas de perigos insondáveis. O mais novo cumpre o seu papel ao mais alto nível: esconde-se, abre a bocarra(zinha) semi-dentada e emite os sons mais assustadores que consegue. Perseguem-se, assombram-se, duas migalhas de pijama invocando e espantando fantasmas mesmo antes de se irem deitar - deve ser por isso que nunca lhes dei por pesadelos.

Post inspirado pela Lebasiana.

desqualificação laboral

Dava-me um jeitão não ir trabalhar hoje para pegar na trincha e pintar as portas e caixilhos da minha casa. Já para não falar dos furos na parede que é preciso fazer e de todas as estantes que há para montar. Seja como for, a minha ciência vive daqueles que se queixam do trabalho que têm. Se calhar mais valia dedicar-me a essa espécie de trabalho de campo.

05 outubro 2011

croquete (sim, aparentemente é uma semana com títulos destes)

Não estivesse o meu telemóvel bloqueado desde que desemigrei e hoje botava aqui daquelas fotografias bonitas com praia, unhas dos pés envernizadas, o peixinho grelhado que comi ao almoço e uma ou outra gaivota a voar. Mas não. Limito-me, portanto, a dizer que este foi um feriado maravilhoso, que Sesimbra estava um encanto (e bem menos cheia do que a Arrábida, onde tentámos ir antes), e que o Verão pode continuar até ao ano que vem, a ver se eu me importo.
Ah, o croquete é o meu mais pequeno na areia, nas ondas, na areia, nas ondas, de cabeça na areia, a levar reboletas nas ondas. E provavelmente o que ele deixará no bacio amanhã de manhã (sim, já re-inaugurámos esse instrumento emblemático da maternidade).

04 outubro 2011

o post do não-foi-bem-isso

Depois de duas horas ajoelhada no milho (com este calor, quase fazia pipocas) para ganhar consciência da dimensão pecaminosa da minha irreflectida afirmação, estou em condições de vir aqui proclamar a minha inocência e, ainda assim, pedir desculpa a todos os que se sentiram lesados.
Se me permitem, passo a expôr os meus argumentos:
1º A minha mãe não fez carne assada para eu trazer para o almoço. Sobrou do jantar e eu afiambrei-me;
2º Não tenho microondas no trabalho, pelo que como tudo frio - o que contribui para os meus créditos de auto-comiseração;
3º Quem mais sofre com o cheiro a carne assada são os meus colegas de trabalho, que nem sequer a provam (mas eu ofereço!, antes que me apedrejem);
4º Acho mesquinho que venham aqui acusar-me de peito aberto: quem de vós nunca trouxe marmita para o trabalho?
5º Finalmente, gostava imenso que toda a gente tivesse mimos de mãe, trabalho e olfacto (mais ou menos por esta ordem de prioridades) mas não posso carregar as culpas do mundo se isso não acontece;
6º E agora o clássico: isto é um blogue público, só vem aqui quem quer. Se não gosta, não come.

carne assada

No top 10 das coisas desagradáveis disto de ser remediada está o facto de passar a tarde a trabalhar com cheiro à comida que trouxe de casa da minha mãe.

E é nestas situações que penso como é bom que quase ninguém leia isto - se fosse uma Pipoca ou uma Cocó a dizer tamanha enormidade, levava logo com uma enxurrada de mensagens de ódio porque "ao menos tens o que comer", "eu já não tenho mãe que me faça esses mimos", "dá graças por teres trabalho" ou mesmo "és uma cabra insensível: o meu padrinho perdeu o olfacto na guerra e bem gostava de poder cheirar alguma coisa!"

blogcatita

Catarina, se me ouves: não consigo aceder ao teu blogue (e não tenho o teu e-mail). Is there anybody out there..?

03 outubro 2011

três de outubro

Há dois anos, ala para os EUA. No ano passado, não faço ideia (acho que tinha começado a trabalhar num sítio onde só estive duas semanas). Este ano, fico desmaridada durante a semana. Ele apanha o comboio e vai ganhar o pão para Coimbra, e nós ficamos por Lisboa. Enquanto esperamos pelo contentor e acabamos de mobilar a nossa casa, deixamo-nos estar em casa dos meus pais.
É estranho. Uma pessoa dorme todas as noites ao lado da mesma pessoa nos últimos cinco anos e tal, e agora faz o quê? Põe só uma almofada na cama? A quem é que dou pontapés enquanto sonho que sou uma ninja assassina? Quem é que dialoga comigo enquanto falo a dormir? Quem é que se zanga comigo porque corto as unhas dos pés para dentro da sanita? Pronto, como em tudo, lá nos habituaremos. E esperamos que seja só por três meses.

02 outubro 2011

correndo o risco de me tornar repetitiva e (ainda mais) chata

Como é que se pode comparar dias eternamente iguais, em que só mudam as estações do ano (e agora já outona em força, por lá), a dias imprevisíveis excepto na sensação de casa? Estar em casa. No nascer do sol (lindo!) junto ao rio, com amigos, sozinha, com os filhos, no trabalho, na caixa de supermercado, em casa. Sem me perder na tradução, sem complexo de ilha, sem me sentir fora de pé - e farta de ficar parada, a boiar, para não nadar até à exaustão.
"Então, e como foi a experiência de viver nos EUA?" Foi boa. Foi como vestir a bata, entrar no laboratório, espreitar pelo microscópio e observar quatro celulazinhas semi-inertes ao longo de vinte-e-quatro meses. E depois despir a bata, enviar o relatório, voltar para casa e comer um prato de sopa de grão com espinafres.

Este hoje vai para a Leonor (e para todas as minhas amigas emigradas, já agora).