14 janeiro 2013

está tudo acabado entre nós

Os casamentos acabam todos os dias. Já não há empregos para a vida. Os familiares chatos são suportados apenas nas festas anuais e até aprendemos a vender na Internet os presentes inúteis da madrinha, que já não nos ocupam espaço na arrecadação nem peso na consciência. No entanto, parece que há um tipo de relação que continua a ser sacralizado, resistindo numa era de encontros fugazes: a amizade. Não falo dos contactos de circunstância nem dos conhecimentos que entusiasmam apenas por uns meses, mas daquelas amizades que plantamos ao acaso, muitas vezes desde a infância, que se vão construindo e cimentando em torno de tudo de bom e de mau que se vai passando nas nossas vidas. Essas amizades parecem inquebráveis. Mas sê-lo-ão? Ou, melhor ainda, será que faz sentido que esperemos que assim sejam?
Se os casais se separam porque crescem por caminhos divergentes, porque deixam de ter coisas em comum, porque mudam de prioridades e de expectativas, por que é que o mesmo não há de acontecer com os amigos? Aqueles com quem ouvíamos em loop o mesmo CD dos Aerosmith em 1994 não ouvem necessariamente o mesmo que nós agora. Aliás, qual é a probabilidade de dois adultos que fizeram percursos diversos, que passaram por diferentes sucessos e desilusões, continuarem a ver as coisas de forma semelhante? Não é incoerência, é a mudança própria que vem com a idade. Estranho seria se continuassemos todos a pensar da mesma maneira aos 10, aos 50 e aos 80 anos. Que sentido fazem então amizades que se aguentam muitas vezes para não enfrentar esse último tabu que é o pôr termo a uma amizade? Mudar de namorado, tudo muito bem; dizer a alguém que já não vale a pena continuarmos com os telefonemas e os emails repetindo o previsível “temos de combinar qualquer coisa”, isso é que não, é dar parte de fraco. Ao mais leve par de astes com que sejamos adornados, lá se vai um amor eterno. Já a amizade aguenta estoicamente doses bem maiores de afastamento, negligência e profunda cabrice. Não percebo, a sério.

Nota importantíssima: Queridas amigas desde 1994: isto não é convosco! É meramente ilustrativo. 

9 comentários:

disse...

Enquanto no amor - casamento, namoro - o ponto final parágrafo tem de ser verbalizado, na amizade, esta, pode apenas diluir-se no tempo e em silêncio.
O café prometido...o telefonema adiado...quando se dá por isso já não resta nada. Normalmente a culpa é sempre do mesmo: o tempo!
Bj

Anónimo disse...

E as de 1998/99?
Tudo o que dizes é verdade... sabes quando o senti? Quando voltei para aqui... As amizades não faziam sentido, não valia forçar... foi muito estranho...
Mas e aquelas amizades em que, podendo não se ver por 10 anos, ou mais, quando se vêem volta tudo, tipo aqueles amores separados por várias razões em que, com o reencontro, está tudo lá?!...
Isto sou eu a puxar tanto a brasa à minha sardinha, amor da minha vida! :)

Naná disse...

Creio que em relação a amizades, há afastamentos e afastamentos... há aqueles que são claro desleixo, mas sem qualquer ponta de mágoa, mas há aqueles em que estamos claramente a dizer ao outro "desculpa, mas já não vale a pena continuar..."

Mas há amizades desde 1986 que estão aí para durar, independentemente de ouvirmos cd's diferentes e gostarmos de roupas diferentes e programas de tv diferentes, porque permanece aquele conhecimento automático e transmissão de pensamentos e sentimentos que não se encontra em mais ninguém!

Inesa disse...

Bem, tenho de admitir que esta me tocou no coração (mas calculo que já estivesses à espera).

Um dos meus traumas de adolescência (entre muitos) foi uma conversa que tive contigo e com a JB sobre a continuidade da nossa amizade depois do fim do liceu.
Eu, qual romântica (mas só neste contexto), acreditava piamente que seríamos amigas toda a vida, que continuaríamos a tomar café com frequência, a sair à noite (coisa que até aí raramente fazíamos), a falar, desabafar, a ir aos casamentos umas das outras, a ver os filhos crescerem, etc.
Vocês rapidamente trataram de me fazer ver que essa ideia era uma parvoíce e que assim que cada uma fosse para seu lado "estava tudo acabado entre nós". E que isso é que era normal.

Agora, 15 anos depois, acho que se pode concluir que nenhuma de nós estava completamente certa, ou completamente errada.

As amizades, tal como todas as relações, duram se os envolvidos estiverem dispostos a fazê-las durar.
É verdade que aguentam "doses bem maiores de afastamento, negligência e profunda cabrice" mas também não aguentam tudo, nem para sempre.

Por vezes, chega um dia que nos esquecemos de um aniversário, que não sentimos a falta de um telefonema ou que decidimos deixar de aguentar "filhas-da-p****".
E a partir desse dia "está tudo acabado entre nós".
E já não há volta a dar... por muito que se tente (e olha que eu já tentei).

E já agora, temos de combinar um café!

Inesa disse...

Há que dizer que, no que diz respeito a nós as duas, quem estava certa era eu. Não?

triss disse...

So true, gralha. Há sempre um dos lados que insiste em manter viva uma amizade (ainda será amizade?) moribunda. Para quê?
Porque não aceitar que há pessoas que entraram na nossa vida, foram importantes, e saíram? Não seria isso muito mais verdadeiro?

gralha disse...

Depois de pensar sobre isto: sim, há amizades que duram apesar do tempo. Quando gostamos verdadeiramente das pessoas e não apenas das suas opiniões. E vice-versa. Verifico que os meus amigos mais antigos são aqueles com quem não tenho de lidar com filtros (quem me conhece bem compreenderá porquê). E aqueles a quem respeito como pessoas. É muito simples, na verdade.

Té, pois, mas detesto essas soluções passivas, fazem-me cá uma comichão...

Vera, minha querida, esta brasa nunca deixará de arder pela sardinha que há em ti.

Naná, e isso é amizade ou são memórias partilhadas e carinho por um passado em comum?

Inesa de mi corazon: é claro que pensei em ti enquanto escrevia estas baboseiras. Sim, tu é que estavas certa.

Triss, parece evidente, não é? Então por que é que só de pensar em acabar com uma amizade nos sentimos tão culpados e demissionários?

Naná disse...

Gralha, como tu bem disseste, é daquele tipo de amigos com quem se pode lidar sem filtros. Aquelas pessoas que só pelo meu tom de voz sabem que algo não está bem. Aquelas pessoas que não cobram nem exigem, porque temos uma amizade sincera e verdadeira.

Quanto às memórias partilhadas e ao carinho por um passado em comum, posso assegurar-te que foram as razões que me levaram a tentar prolongar algumas amizades que já tinham morrido há muito, num esforço um tanto masoquista... só eu é que não queria ver isso. mas no fim acabei por concluir que estava tudo acabado entre nós!

Su disse...

Isto é tão verdade... eu tenho uma estranha relação com as amizades...as minhas acabam por morrer todas.