24 outubro 2025

Máscara

Esta cidade é uma grande vaidosa e nem disfarça. Ao longo do ano, veste-se e despe-se conforme lhe apetece. Usa demasiada maquilhagem, que o Tejo não é nenhum espelho, além de que a vista e a mão lhe escapam com os séculos. Faz ela muito bem. Quando se livra por fim dos veraneantes, recosta-se nas colinas e mascara-se de cortesã. Acorda muito devagar. Está escuro até tarde antes de mudar a hora para o ciclo natural do planeta, que é o do Inverno. O céu é de seda em todos os tons de rosa e os jacarandás, baralhados com o hemisfério, voltam a florir. Os pássaros e as pessoas sonhamos com madrugadas frescas, mas ainda está calor. Lisboa finge que é doce, nesta altura. Lisboa só sabe ser luz que cega, metade do tempo. Na outra metade chove sem clemência, inunda, imunda, desespera. Como lisboetas, somos negacionistas do mau tempo, suportamos molhas como se fossem o pagamento da promessa que fizemos ao deus do clima supostamente temperado. Em outubro, a nossa fidelidade é retribuída com a beleza fugaz de umas quantas madrugadas.


Sem disfarces, no Largo:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Quinta da Cruz da Pedra

17 outubro 2025

Pulso

Deitada na marquesa, a fome a dar sinais do avançado da hora. Mais que o desconforto, a estranheza de estar num gabinete minúsculo sem janelas com um médico, uma enfermeira e uma colega de equipa com quem nunca trocara mais de 3 palavras mas de quem fiquei a saber a data da menarca (ah, a informalidade portuguesa), estico o braço para a maquineta da tensão arterial e dou o peito aos elétrodos do eletrocardiograma. De novo, a piada acerca do quão mais fácil isto é por não ter pelos no peito. Sorriso amarelo, olhos no teto, escapo-me ao síndrome da bata branca e apresento tensões de passarinho e pulso de atleta. Como a vida é injusta, outra colega de equipa, por sinal campeã nacional de ultra-longa distância, chumba no teste. Como recorda a Inês Maria Meneses, o coração ainda bate e o meu bate devagarinho, com pressa de nada. Não ganho nenhuma corrida, ganhei um lindo atestado.


Até à publicação deste post não foram detetados batimentos cardíacos às minhas colegas do Largo, mas pode ser que se animem:

Apanhada na curva

A Gata Christie

Boas intenções

Dois dedos de conversa

O blogue azul-turquesa

Quinta da Cruz da Pedra

10 outubro 2025

Como cão e gato

Não sei como é que uma pessoa sem irmãos aprende a conflituar. Os irmãos servem para inúmeras coisas, como percebermos que os nossos pais também dão atenção a outras pessoas (!) e o haver injustiças atrozes sem solução no mundo, ou seja, eles serem culpados de algum crime pelo qual pagamos nós as favas. Mais recentemente, percebi que os irmãos também podem ser um alicerce quando os pais se separam, as casas duplicam e a vida passa a ser feita entre idas e vindas, com rotinas mais ou menos diferentes. Os meus filhos queixam-se por vezes que são os únicos que têm de se aturar sempre um ao outro. É verdade. Em ambas as casas partilham quarto e têm de sobreviver ao facto de um ser arrumado e o outro caótico, já para nem falar em clubes de futebol. Provocam-se. Vingam-se. Degladiam-se a propósito das maiores minudências. Conhecem como ninguém as fraquezas um do outro. Tudo contra a educação plácida e cristã que lhes incuti desde o berço. Mas, se o objetivo é criar seres humanos sem receio de fazer ouvir a sua voz mas com a capacidade de ouvir o outro e de o defender, em caso de ataque externo, vamos no bom caminho (ou é nisso que tenho de acreditar, pronto, não me desfaçam os sonhos).

Como cão e gato já se pegaram também estas companheiras do Largo:

A Marisa (spoiler, o Perinha voltou!)

A Carla

A Helena