Ainda estou aqui, sussurrou a dor de cabeça com que me deitei, na manhã seguinte. Ainda estou aqui, a pedra dentro da bota acabada de descalçar, show de equilibrismo no caminho para o trabalho. Ainda estou aqui, os residentes do Bairro do Talude, em tendas, abrigos improvisados imagino que sem recurso ao cartão dos outdoors da campanha do presidente da câmara. Também ele ainda está lá.
Quase nunca funciona, a técnica de esperar que passe. Fingimo-nos de mortos. Entreabrimos um olho, ah!, continua o inconveniente que nos obriga a tomar uma atitude. O risco no pára-choques, porque a chapa não se cura como a pele. A desilusão com quem traiu, porque perdoamos mas não esquecemos. Nada se perde, tudo se transforma e muito se mantém por mais que o tentemos ignorar. Gosto muito do episódio contado por São Lucas em que uma viúva vai chatear um juíz para a porta de casa dele, à noite. Tanto o azucrina que ele lhe faz a vontade só para não ser importunado. Esta influencer bíblica devia ter mais seguidores mas calculo que, já na altura, as mulheres de meia idade e poucos recursos não captassem a atenção a menos que fizessem uma barulheira desgraçada. Ando a reunir coragem para fazer o mesmo mas detesto incomodar.
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