26 setembro 2013

apurando sabores

Tenho reparado que o cansaço é uma espécie de destempero secreto neste complexo cozinhado que é a educação que tentamos dar aos filhos. Quando estamos de rastos, afinam-se os nossos piores defeitos e estraga-se a harmonia de um prato que se quer nutritivo e saboroso. Nesses dias, eu torno-me ainda mais permissiva e deixo passar uma quantidade pouco recomendável de disparates, bufando qual panela de pressão a tentar não rebentar; já ele perde a mão à temperança e abusa dos indigestos castigos e do tom exaltado. Somos todos humanos e somo-lo ainda mais quando já nos arrastamos ao fim da tarde. Num mundo perfeito, todas as famílias cozinhariam a quatro mãos, um daria conta da entrada e da sobremesa, o outro do prato principal e das bebidas, equilibrando ingredientes e mantendo o fogo em lume brando. Nos dias de cansaço é quando mais sinto admiração por quem tem de cozinhar sempre sozinho, tantas vezes para uma clientela mais exigente do que um batalhão de críticos culinários.

25 setembro 2013

projectos para o outono

Dado o estrondoso sucesso que foram os meus projectos para o Verão (só escaparam os pontos 4 e 10), e num esforço um bocadinho desesperado para encarar os próximos meses de humidade, chuva batida a vento, nariz pingão, noite às seis da tarde glorioso ocaso dos dias, aqui vão os fresquíssimos objectivos para o tempo que aí vem.

1. Começar a pesquisa e escrever um artigo
2. Descobrir mais receitas de comida de conforto que não vá ao forno;
3. Marcar a viagem para a Costa Rica;
4. Telefonar mais vezes à minha avó e à minha mãe;
5. Organizar mais um fabuloso jantar de Halloween;
6. Organizar um jantar de Dia de Acção de Graças (desta vez com peru e não frango);
7. Continuar o projecto fotográfico da nossa família;
8. Comer castanhas assadas e beber jeropiga;
9. Lembrar-me de borboletas esvoaçantes quando forem 18h, estiver a chover, um trânsito descomunal e não conseguir arranjar lugar para estacionar perto de casa;
10. Fazer fondue de chocolate (e paciência para as dedadas castanhas pela sala fora);
11. Substituir os desenhos nas molduras do quarto dos meninos;
12. Abastecer-me de livros;
13. Visitar os museus de Lisboa que nos faltam, ao Domingo;
14. Ir ao concerto do Rodrigo Leão;
15. Continuar a treinar de forma equilibrada;
16. Rever o vídeo das férias;
17. Comprar pijamas quentinhos e polares para os miúdos;
18. Fazer batido de manteiga de amendoim, chocolate e banana;
19. Limpar os armários da cozinha;
20. Comprar um par de botas pretas.

Está visto que vai ser um Outono a encher o bandulho. Para a próxima, deixassem-me viver no Senegal.

24 setembro 2013

isto das correrias

A dona da mota desafiou-me a dar algumas dicas para iniciantes de corrida. Eu não percebo nada de planos de corrida, não tenho nenhuma formação nessa área e acho que quem nunca correu deve aconselhar-se com um especialista. Para quem não quer/ não pode inscrever-se num ginásio ou arranjar um personal trainer, há muitos sites que dão algumas luzes sobre esta modalidade, mas cada um vai por sua conta e risco. Veja-se o que me aconteceu, não é?
Mesmo assim, deixem-me só partilhar algumas lições que aprendi:
1. Fazer muito bem os alongamentos, antes e depois do treino;
2. Fazer outra actividade para além da corrida, para fortalecer todos os grupos musculares e não saturar sempre os mesmos;
3. A mais importante: ouvir o nosso corpo! Se eu tivesse parado quando me começou a doer o joelho (e não tivesse corrido mais 10 km em sofrimento), a coisa tinha sido menos má. Quando dói, é para parar. E aplicar gelo. E esperar pacientemente que o corpo recupere.
Caras amigas, se quereis começar a correr, fazei-o pelas razões certas e não pelas erradas. Como dizia alguém no outro dia (não me lembro da fonte, lamento), o exercício não deve ser uma forma de castigo para obrigar o nosso corpo a ajustar-se à imagem que sonhamos; deve ser uma forma de recompensa, para nos encher de endorfinas, bem-estar e energia para enfrentar o resto da vida. Boas corridas!

19 setembro 2013

recomeçar devagarinho


Hoje voltei a correr. A medo, mas sem dor. Estou com um sorriso parvo de quem tem novo namorado.

Imagem de Ph Peixoto.

18 setembro 2013

talhando as novas rotinas

Setembro, doce Setembro, que ainda não fazes frio apesar de já se ter ido o bronzeado. Setembro, duro Setembro, em que lidamos com angústias e lágrimas e medos, tentamos ser fortes e polivalentes, omnipresentes, e fazemos o melhor que podemos. O melhor que conseguimos. É tempo de adaptação para todos. Esticamos calendários e agendas para caberem as nossas vivências enquanto indivíduos, membros de uma família, de uma comunidade e de uma equipa de trabalho e as peças lá vão encaixando, mesmo que custe limar algumas arestas.
É assim, agora: levanto-me cedo para o tempo para mim, com oração, yoga e pequeno-almoço indolente enquanto leio um bocadinho. Depois vem todo o dia que dou aos outros (e dou-o de coração). Mimos, narizes assoados, lembretes, entregas, abraços, saudades, trabalho, reencontros, partilhas, brincadeiras, banhos, jantares e, de preferência, que chegue um bocadinho para o outro adulto da casa, que afinal foi aquele com quem decidimos passar a vida (e que também passa a vida nestes malabarismos). Cada um de nós recomeça a vida em Setembro à sua maneira. Gosto da nossa, com todos estes pequenos momentos, mesmo os que não se enquadram em paisagens bucólicas de anúncio de detergente.

16 setembro 2013

o primeiro dia do resto da vida dele

Lá foi hoje, o nosso Gugas, semi-vergado por uma mochila gigantesca, para a escola primária. Silencioso mas sereno. Curioso mas reservado. Quem me dera ser mosca para ter ficado lá a fazer parte de um dos dias que recordará para sempre. Mas não fiquei, é mais um corte no cordão umbilical. Este não custou nada: estou muito tranquila e confiante com esta escola e com a professora. Resta ver como serão os colegas. Tão crescido e tão lindo, o meu filho <3

13 setembro 2013

dois lá, dois cá

Faz hoje dois anos que regressámos dos EUA, sensivelmente o mesmo tempo que lá passámos. Obviamente que este último período passou muito mais depressa. E continuo a achar que foi uma das decisões mais acertadas da minha vida. Não é à toa que muitos dos nossos amigos que emigram para os EUA acabam por regressar. Acho mesmo difícil para um europeu urbano com uma vida simpática aderir ao sonho americano*. A menos que seja por amor, mas os meus amores e eu andamos atrelados.
E então, gralha, não sentes saudades de nada? Sinto, pois sim, senhores. Ora lá ver:
1. Do clima. Muito melhor do que esta porcaria húmida de Inverno que temos;
2. De ter uma floresta nas traseiras de casa;
3. Das burocracias funcionarem decentemente;
4. Da informalidade;
5. Das porcarias para comer (anotado: tenho mesmo de ir comprar Reese's à loja americana de S. Sebastião)
E pronto, é isto. Não, não tenho saudades de Nova Iorque. Mas os miúdos têm. Daqui a uns anos, quando eu já não estiver traumatizada com a travessia do Atlântico, temos de levá-los lá para o Diogo ir à terra, que também tem direito.

* Já para não falar da real tanga que é o sonho americano, quando muito uma realidade para os imigrantes de segunda geração.

12 setembro 2013

falemos de dinheiro. e de pessoas

A pouco e pouco, fui deixando de gastar dinheiro. Em numerário, claro, porque ainda não me tornei eremita e as contas continuam a ter de ser pagas. Em quase todo o lado se aceita cartão de débito e o que não aceita já não faz parte da minha esfera de consumo. O último café que bebi, em Junho, levou com ele os derradeiros cobres que guardava no porta-moedas para uso pessoal. As minhas moedas já não compram nada, dou-as a quem precisa. Ainda não é o mundo sem dinheiro com que sonho, mas é um primeiro passo.
Se toda a gente for como eu isto significa, contudo, que há menos emprego em bancos, cafés, tabacarias, cabeleireiros e guichés da mais variada espécie (o texto até aqui foi um bocado pretexto para usar a palavra guiché, que me faz sorrir, como todas as palavras acabadas em é). Mas claro que precisamos todos de continuar a alimentar o corpo e a alma, a vestir-nos e a fazer vida de gente grande. É verdade que passei a internalizar muitas das tarefas que antes pagava a alguém para desempenharem, ao contrário das empresas que se concentram no seu núcleo de negócio e lançam designers, informáticos, empregadas de limpeza, contabilistas, juristas e copywriters para o oceano nos recibos verdes. Mas também é verdade que estou cada vez mais a personalizar a escolha daqueles cujos serviços ainda não dou conta porque não posso. Ou não quero. A minha merceeira tem nome, história e espaço na minha vida. O meu fotógrafo conhece a família e faz sugestões apropriadas. As nossas cuidadoras têm uma identidade concreta e moldamos convivências de acordo com isso. Não preciso de mais relações anónimas no meio de uma cidade com tantas caras desconhecidas. A minha revolta contra o sistema não é uma revolução, é uma teimosia em perceber que precisamos muito menos de coisas e muito mais de gente, em concreto.

03 setembro 2013

acerca do 'custa-nos mais a nós do que a eles'

E o meu matulão a agarrar-se à t-shirt da escola antiga (que eu queria passar para o irmão), e a dizer que quer ficar com ela para sempre? Glup. Como é que se abraça um ser que já pesa mais de metade de nós e se explica que crescer é giro? Hoje caiu nele: vai para a escola primária e acabou-se o Jardim de Infância onde tudo era familiar e doce. Apesar da tranquilidade de sabê-lo colocado na pequenina escola de bairro que desejáramos, sei que vêm aí quatro anos de desconhecido. Filho grande, filho querido, é nestas alturas que espero ter conseguido encher o teu baldinho de auto-estima. Que saibas sempre que, apesar de todas as mudanças, serás sempre muito amado e respeitado exactamente como és. Vai correr bem, filho. Vai correr bem.

02 setembro 2013

inspiração

Uma das coisas que me dão mais gozo, como mãe, é inspirar os meus filhos. Fazer alguma coisa que os leva a parar e deixar a imaginação ganhar asas. Isso pode ser o filme caseiro das férias na praia, que lhes dá vontade de pegar na câmara e começar a filmar todos os fait divers. Ou uma estória, que serve de mote a uma brincadeira dali a uns tempos. Ou, como hoje, uma visita à Estufa Fria, na sequência da qual chegaram a casa e pediram papel, pinceis e aguarelas para plasmar folhas, grutas e pedras que andaram a descobrir umas horas antes. Não tenho pretenções artísticas mas acho que abrir horizontes e provocar os sentidos é uma das maiores dádivas que podemos dedicar a alguém. Esta parte de ser mãe é um privilégio gigantesco e sei apreciá-la pela raridade que é. Porque também sei que isto acontece porque consigo aquele frágil e precioso equilíbrio do tempo passado longe deles e do tempo com eles.
Sei que não há receitas para isto mas eis como a coisa resulta sinfonicamente connosco: um tempo para eu ser só eu e um tempo para ser mãe deles de todo o coração. Se tivesse optado por uma "carreira" ia sentir-me permanentemente culpada pelas ausências regulares, por não acompanhar o trivial mas tão importante na soma dos dias; se tivesse decidido entregar-me à maternidade 24/7, iria deixar-me afundar no cheiro da sopa, na roupa por dobrar, nas solicitações constantes, e não teria a capacidade de me dar por inteiro a estes momentos que partilhamos. A verdade é que não me é fácil sorrir perante uma mesa pintalgada, um quarto em pantanas, quando isso é a realidade diária e não a feliz excepção deste doce fim de férias. Cada mãe tem o seu equilíbrio (ou merece encontrá-lo...), este é o meu.