A pouco e pouco, fui deixando de gastar dinheiro. Em numerário, claro, porque ainda não me tornei eremita e as contas continuam a ter de ser pagas. Em quase todo o lado se aceita cartão de débito e o que não aceita já não faz parte da minha esfera de consumo. O último café que bebi, em Junho, levou com ele os derradeiros cobres que guardava no porta-moedas para uso pessoal. As minhas moedas já não compram nada, dou-as a quem precisa. Ainda não é o mundo sem dinheiro com que sonho, mas é um primeiro passo.
Se toda a gente for como eu isto significa, contudo, que há menos emprego em bancos, cafés, tabacarias, cabeleireiros e guichés da mais variada espécie (o texto até aqui foi um bocado pretexto para usar a palavra guiché, que me faz sorrir, como todas as palavras acabadas em é). Mas claro que precisamos todos de continuar a alimentar o corpo e a alma, a vestir-nos e a fazer vida de gente grande. É verdade que passei a internalizar muitas das tarefas que antes pagava a alguém para desempenharem, ao contrário das empresas que se concentram no seu núcleo de negócio e lançam designers, informáticos, empregadas de limpeza, contabilistas, juristas e copywriters para o oceano nos recibos verdes. Mas também é verdade que estou cada vez mais a personalizar a escolha daqueles cujos serviços ainda não dou conta porque não posso. Ou não quero. A minha merceeira tem nome, história e espaço na minha vida. O meu fotógrafo conhece a família e faz sugestões apropriadas. As nossas cuidadoras têm uma identidade concreta e moldamos convivências de acordo com isso. Não preciso de mais relações anónimas no meio de uma cidade com tantas caras desconhecidas. A minha revolta contra o sistema não é uma revolução, é uma teimosia em perceber que precisamos muito menos de coisas e muito mais de gente, em concreto.
5 comentários:
(sorriso)
"(o texto até aqui foi um bocado pretexto para usar a palavra guiché, que me faz sorrir, como todas as palavras acabadas em é)": apesar da revolta, aposto que passas vida a sorrir, pelo menos sempre dizes os nomes dos teus homens. :)
Inesa, estás a sugerir que os meus homens se chamam bidé? pechiché? boné? :P
Um pouco como tu, costumo dizer que sou cartão-de-débitó-dependente!
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