O terceiro dia amanheceu solarengo depois de uma noite mágica com o vento a cantar entre as árvores. Voltámos a subir ao Parque Selvatura onde nos esperavam emoções fortes: a travessia da floresta, desta feita através de slide em 13 passagens de cabo, a maior das quais com 1 quilómetro de comprimento [o que fazer quando ambos os pais têm sede de adrenalina? Começar a dá-la às crianças em doses homeopáticas*]. Não há palavras para descrever a beleza dos voos sobre o manto verde, o silêncio absoluto cortado por uma roldana solitária em que depositamos tudo. E não dá para explicar a surpresa perante a coragem dos nossos rapazinhos, dois nano-seres que se atiraram pelos ares como muitos adultos nunca fariam, o que diz bastante da confiança que os filhos depositam nos pais. É tanto o tempo de vida em que marchamos num plano bidimensional que chegamos a estes instantes de clivagem e inundamos os sentidos de profundidade, cor, energia e abandono, parecendo absurdo limitarmo-nos a uma existência banal.
Cada um de nós tem o seu lugar seguro e bom para onde regressa à noite, ao fechar os olhos. Eu volto agora à imensidão de verde daquela manhã, rematada ainda por uma descida de um trilho com vista para o imenso vulcão Arenal e lago homónimo, e retemperada por um manso almoço Tico: casado e sumo de frutas (descobrimos o tamarindo e a graviola). Depois de um breve descanso no quarto com vista para a divina teia de lianas e fetos gigantes, ainda houve energia para nos perdermos nos trilhos da Reserva Curi Cancha, onde tivemos os primeiros encontros com a fauna local. Vimos agoutis, colibris, muitas borboletas, esquilos e aranhas, exemplares modestos perante a imponência das figueiras gigantes, devoradoras das outras árvores.
Ao quarto dia o nosso pequeno-almoço de gallo pinto, ovos e fruta foi cobiçado por macacos-capuchinho, para grande excitação de todos. Tivemos bastante pena de descer das montanhas em direcção à província de Guanacaste, deixando para trás aquele denso bosque encantado. No longo caminho até ao Pacífico vimos iguanas, uma arara e grandes bandos de gralhas (o que explica o meu à vontade naquelas paragens). O muito esperado almoço aconteceu já em Puerto Carillo, depois de uma banhoca inaugural na praia. As temperaturas passaram finalmente os 30 graus mas o tempo continuou muito seco, fazendo justiça aos 2 meses de "Verão" (i.e., temporada seca) daquelas latitudes. Descendo a costa para sul, descobrimos uma praia maravilhosa e absolutamente deserta, onde demos alguns mergulhos antes de seguir caminho para Malpais. Apesar de, aparentemente, a distância já não ser longa, a verdade é que as estradas terríveis pareciam não ter fim. Tinham-no: e era no meio de rios. A terra batida estreitou-se cada vez mais até caracolearmos por veredas atravessadas por plácidos cursos de água, três dos quais tivemos de passar com o jipe sem grandes certezas acerca da fundura nem da proximidade dos crocodilos. Singelas placas que avisavam "verifique a profundidade antes de atravessar" e "não tome banho: zona de crocodilos" são do melhor que há para o nervoso miudinho (o meu amantíssimo esposo agnóstico não se queixou das minhas sentidas orações nessa altura).
Foi com grande alívio que chegámos ao alojamento em Montezuma, apesar de rapidamente percebermos que a cabana na selva que nos tinha sido destinada tinha tanto de rústico como de sujo e desarrumado. Bom, seguimos as indicações de não nos calçarmos sem verificar a presença de insectos nas botas, besuntámo-nos de repelente, tentámos ignorar as formigas gigantes na sanita e caímos felizes nas camas bamboleantes.
* Exagerámos na dose - disseram que queriam fazer aquilo mais mil vezes.
Preparativos para o slide
Vulcão e lago Arenal
Colibri em Curi Cancha
Tentativa de pilhagem de refeições alheias
Despedida de um novo amigo
Praia Coyote, Pacífico
Será que dá para passar? Que remédio, não há alternativa
5 comentários:
É mesmo aventura! Parabéns!
Oh paaaaa! Eu, o ser menos aventureiro do mundo, sonhei que estava na Costa Rica :D
oh pá... bom demais!
já devias saber que quem sai aos seus...
Estas descrições são belíssimas. Senti-me a deslizar pela selva também :)
É verdade, mm, foi mesmo aventura :)
Melissinha, sonhar com a Costa Rica é coisa para fazer regular a tensão arterial de qualquer CEO, recomendo.
Naná, é verdade, agora temos os miúdos viciados em viajar.
Obrigada, D.S., deslizar pela selva devia ser um direito humano fundamental.
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