18 agosto 2011

a gralha adormecida

Atenção: este post não promete ser longo por aí além mas compensa em intensidade dramática, que ainda ninguém se chegou à frente com o tal ombro amigo.

Quem me conhece há pouco tempo costuma reparar que eu pareço ser uma pessoa pouca dada a devaneios românticos. Pois bem, fiquem sabendo que, dentro de mim, também já existiu uma pequena princesa que acreditou em contos de fadas. Só que essa princesa apanhou sucessivas desilusões com muitos príncipes (nem tanto com bruxas, que não se costumam meter comigo).
A primeira vez que me apaixonei, na terceira classe, descobri que essa era a melhor sensação do mundo. O RJAA (ainda me lembro do nome completo da criatura) não era muito diferente dos restantes meninos de 8 anos, à excepção dos dentes de coelho com que sorria adoravelmente. Ainda assim, a minha almofada passou a encarnar o tal rapazinho, fronhas e fronhas lambuzadas de beijos imaginários e abraços apertados. Tanto sonhei que ele me mandasse bilhetinhos escritos com caligrafia torta, e ele nem uma canelada, nem um empurrão no recreio. Na festa de fim de ano, todos os meninos quiseram dançar comigo, todos menos ele. E o meu romantismo levou a primeira estocada.
Corria já o saudoso ano de Mil Nove e Oitenta e Nove e eu era uma menina de 10 anos, franzina e de cabelo curto, com uns óculos modelo miniatura-da-avó e o coração cheio de flores e passarinhos a cantar. A nova paixão era partilhada por todas as meninas da turma e sei lá quantas mais. Quis adiantar-me a qualquer outra lambisgóia que conseguisse conquistá-lo. Decidida e inconsciente, informei as minhas amigas, durante a aula de Trabalhos Manuais, que ia declarar-me. Como sou pessoa sensata e pouco exibicionista, escolhi apenas o portão da escola à hora da saída para tão audacioso acto. Infelizmente, a coragem abandonou-me na hora H e só consegui chamá-lo e ficar em silêncio, enquanto tudo à minha volta ficava negro e eu caía, desmaiada, no chão de terra e folhas secas. Rezo aos santinhos para que ele se tenha esquecido do episódio. Mal por mal, já basta ter guardado a carta que acabei por lhe enviar no fim do ano lectivo. Agora que é figura mediática com inclinações humorísticas, resta-me esperar que não se lembre de desenterrar publicamente essa minha pérola epistolar, senão acho que nunca mais ponho os pés em Portugal.
Depois destes, outros episódios infelizes se foram sucedendo. Declarações, já sem desmaios, mas sem sucesso. Cartas sem resposta. Actores de cinema que nunca se lembraram de passar pela minha rua para me salvarem de uma existência púbere sem cor. Demorou bastante até estas pequenas vergonhas irem endurecendo o meu coração, qual artereosclerose emocional. A minha adolescência insistiu nos amores platónicos e, já jovem adulta, ainda me dediquei a causas impossíveis e paixões desgraçadas à partida. Finalmente apareceu um príncipe improvável que se foi revelando muito melhor do que eu podia sonhar. Não é o príncipe das surpresas, dos presentes sem motivo, dos gestos arrebatados, mas ganhou o meu coração. É o príncipe que me trata bem e que gosta mesmo de mim como sou.
Contos de fadas? Lamento, mas é verdade que já não acredito neles. Não acredito que haja só um grande amor na vida. Não acredito em almas gémeas. E, ainda assim, é esse imaginário que faço questão de transmitir aos meus filhos. Eles que cresçam e acreditem no que quiserem. Não há nada pior do que um adulto que ceifa as possibilidades ilimitadas de uma criança.

10 comentários:

Naná disse...

Gralha, tu desmaiaste mesmo?!

Irina A. disse...

Amei! ahaha
Escreveste tudo e disseste tudo. É tudo tal e qual como descreves, tal e qual :)

Inesa disse...

Realmente, só quem te conheça há pouco tempo é que pode achar que não és romântica!
Já eu, conheço (quase) todos esses teus arrebatamentos... e mais alguns! :-)
Não querendo assustar/elevar expectativas a ninguém, tendo em conta a memória prodigiosa do rapaz, duvido muito que se tenha esquecido do episódio do desmaio. :-D Mas parece-me que (ainda) não o divulgou publicamente.

Melissa disse...

Aos dez anos, depois de um desfile de moda em que fui coroada rainha do desporto (sim), o meu apaixonado veio ter comigo e disse-me: você estava linda. Quando eu ia responder, a minha mãe pegou-me pelo braço e puxou-me, pois estávamos atrasados para ir ao clube.

No clube, sem ter mais o que fazer, saltei em bomba para dentro da piscina grande, fui soltando o ar até tocar com os joelhos no chão, sussurrando, cá para dentro, o nome do meu amado, até que os ouvidos dessem de si.

Ele chamava-se... Napoleão Bonaparte.

Juro.

gralha disse...

Lindo, Melissa, lindo! Que bom que era quando nos podíamos dar a estes dramatismos :)
(e eu também tenho um episódio semi-romântico com um Napoleão)

gralha disse...

Não divulga, Inesa, não divulga. Senão posso começar a contar estórias das minhas amigas, muah ah AH!

gralha disse...

Irina, desmaiei. Mas também é coisa que me acontece com frequência, sem motivo romântico.

gralha disse...

Ups, Naná, a resposta do desmaio era para ti.

Vera Dias António disse...

isto vem tão, mas tão a propósito... ai ó pá, nem tens noção. há 3 dias a minha mãe telefonou-me, que esteve a dar volta ao meu quarto e que inha 48 horas para ir buscar coisas minhas que ainda lá habitavam, aka, ocupavam espaço. no meio de 20 trabalhos começados em ponto cruz, um tapete de araiolos mal começado, 12 echarpes esquecidas, 2 pares de sapatos e 2 camisolitas estava uma pasta, A PASTA. Fotografias, bilhetes de avião e teatro e cinema e cartas, muitas cartas, tantas cartas!!! Várias tuas, postais de quando fazias férias fora, cartas de quando estive na bélgica e tu na alemanha!!!
O que já me ri com o Rui, não tens noção!!! O registo era sempre o mesmo: iscte, aulas, professores, amores e desamores da turma, resposta tua aos meus amores e desamores desabafados na carta anterior e depois, nas ultimas 7 linhas, os teus amores e desamores. Já meio desencantada, sempre com vontade de te encantares, curiosamente coincidem com a tua entrada do remo que alterou, visivel e agradavelmente a tua vida!
Sou gaja para as digitalizar e tas enviar.
Aqueles nossos anos antes de assentarmos com os nossos respectivos foram, basicamente, novelas "trágico-cómicas". Mas tudo porque somos românticas e queriamos um princípe. É justo e parece-me que a vida foi justa connosco!
Beijinhos!!!

Naná disse...

Gralha, estás toda trocadita! ;)