24 fevereiro 2014

cenários pré-viagem

Tudo corre bem: os voos são pontuais; as crianças sorriem e brincam em paz, deixando os adultos dormir/ler/estar sossegados; fazem-nos um upgrade ao carro de aluguer e o hotel de San Jose tem cortinas e fica num bairro sossegado. Cada viagem é uma nova experiência dos sentidos, a paisagem surpreende, a vida selvagem é abundante e benévola. Todos os alojamentos são pequenas e confortáveis cabanas, com fruta à descrição e anfitriões solícitos. Conseguimos ver o cume do vulcão e não caímos de nenhuma ponte suspensa. As praias são perfeitas, só nossas. O sol brilha ininterruptamente. O mar tem as ondas certas para o surf mas permite o banhar sem sobressaltos dos mais pequenos. A comida é maravilhosa e a cerveja gelada, ao fim do dia. Todos sorriem e dançam à volta de fogueiras. Sonhamos passar o resto dos nossos dias junto ao Pacífico, só para descobrir que nas Caraíbas ainda se está melhor.

Tudo corre mal: perdemos o voo de ligação e as mochilas; os putos queixam-se de 5 em 5 minutos que nunca mais chegamos e eu choro interiormente enquanto tento que durmam encavalitados nos meus ombros exaustos; não registaram a nossa reserva de aluguer e damo-nos por felizes com o único chaço que sobrava, a preço inflacionado. Depois de horas às voltas em San Jose, damos com a espelunca, onde partilhamos quarto com um casal de turistas americanos com ar duvidoso. Não dormimos com o barulho da auto-estrada contígua ao hotel, com o neon a piscar nas janelas, e com medo que nos roubem os filhos ou os rins. Achamos que chegámos ao vulcão mas não temos a certeza, porque está tudo coberto de nuvens e não vemos um palmo à frente do nariz. Chove copiosamente e os miúdos perguntam por que é que continua a ser Inverno. Perdemo-nos nos trilhos, os únicos animais avistados são uma tarântula a tentar comer-nos as sandes e uma cobra que conseguiu entrar para dentro do motor. As praias têm ondas de três metros, tubarões e bandos de pelicanos que nos roubam a mochila. Um coco cai-me na cabeça. Comemos um prato típico recheado de salmonella e o único que resiste à desgraça visceral é o mais pequeno, que se recusa a comer qualquer coisa para além de bananas e bolachas. Contorcemo-nos, dançando, à volta da sanita e não podemos beber cerveja porque só aguentamos chá e arroz no bucho. Sonhamos regressar depressa a casa, não sem antes demorar 14 horas a fazer a travessia até à costa oriental, só para descobrir que nas Caraíbas as praias estão ocupadas por uma convenção neo-rastafari cujos membros tentam oferecer cigarros de cheiro aos nossos filhos. Nós rendemo-nos e aceitamo-los de bom grado.

9 comentários:

D.S. disse...

A realidade é capaz de estar algures entre a expectativa e o pior pesadelo. Fazer figas para que acabe por estar mais perto da expectativa :)
Boa viagem!

Ana. disse...

Hahahah! Muito bom!
Promete que depois fazes o relato da verdadeira viagem e não daquilo que se passa na tua cabeça amalucada?!
:)

Naná disse...

Olha lá a Lei de Murphy... não atraias!

E boa viagem!

dona da mota disse...

Olha, minha amiga, prognósticos só no fim da viagem!!!
Vocês vão viajar com filhos? És a minha heroína. Eu quando prometi uma viagem de avião aos meus estava a pensar em Lisboa-Faro, que são 40 minutinhos... ufa!

mm disse...

Ena pá! Grande viagem! Aposto que vai ser ainda melhor que o "corre tudo bem".

gralha disse...

Deus te ouça, mm! :)

dona da mota, não sei se ficaste com a ideia (errada) de que vamos de férias. É uma visita de estudo (pelo menos é isso que vou escrever na justificação de falta do Gugas).

Naná, a Lei de Murphy não me afecta desde que deixei de comer torradas com manteiga ;)

Ana, prometo um relato e espero que seja muito aborrecido pelo facto de não haver grandes incidentes.

D.S., tens toda a razão. Estava só a tentar expurgar os meus receios.

Ana C. disse...

ahahahahahaha, lindo. Não te esqueças das fotografias. Há que tirar bastantes e partilhar com o universo, pois nelas tudo parece sempre perfeito :)

gralha disse...

Ana C., fica já prometido um post realista + um post cor-de-rosa com muitas fotografias, para agradar aos fatalistas e aos fofinhistas deste mundo.

Amigo Imaginário disse...

Não sei bem porquê, mas a segunda opção parece no fundo (bem lá no fundinho) muito mais engraçada! :)

E no avião o segredo é levar carradas de gomas para atirar às feras sempre que a coisa ameaça descambar.