26 abril 2013

liberdade

Uma dos textos mais bonitos do Antigo Testamento é o chamado Poema da Criação (Gn,2), largamente inspirado na mitologia suméria (séc. VII A.C., na sua forma mais tardia). Nesta narrativa, a História da humanidade começa com Deus criando o Homem a partir do pó, insuflando-lhe a vida pelas narinas. Se eu tivesse de criar a minha própria alegoria da nossa génese, falava de seres moldados de plasticina. O barro é demasiado estático e finito para uma vida livre e eu não acredito no sentido da vida sem liberdade, maleabilidade e cores garridas.
Será que, depois de 39 anos de alegada liberdade em Portugal, podemos pegar na nossa vida e fazer dela o que desejamos? Será que o que nos condiciona é apenas a preguiça em amassar e voltar a moldar? Há muitos sinais que sim, principalmente vindos das correntes positivistas que infestam a blogosfera e me irritam particularmente. Mas não consigo ignorar os incómodos sinais que não. Que mesmo que estudemos, que nos esforcemos, que nos entreajudemos, muitas vezes não somos livres de escolher a nossa vida.
Isso é particularmente notório a nível profissional. Ando pelos centros comerciais e vejo que as meninas que me perseguem para me mostrarem um creme ou me venderem um cartão de crédito não escolheram mesmo fazer isso. Vejo mães que têm de optar entre ter emprego, sem quase estarem com os filhos, ou ficar em casa, mesmo que não fosse essa a sua vocação, sossegando a ânsia de fazer mais alguma coisa com empreendedorismos passageiros. As divulgações de anúncios de trabalho dizem-nos que a economia só precisa de máquinas sem vida própria e os media da moda garantem-nos que a nossa vida só a nós nos pertence. E ninguém parece reparar na contradição. Afinal, como é que podemos conquistar a nossa liberdade no meio de tantas exigências divergentes? Era tão simples se bastasse um cravo vermelho à janela.

3 comentários:

Naná disse...

Cada vez estou mais convicta de que vivemos aprisionados e agrilhoados nesta ideia altamente utópica de liberdade.

Nos dias que correm, sinto que apenas temos liberdade de expressão (essa diria que ultrapassa muitas vezes os limites do razoável e do respeito), porque as demais liberdades parecem estar amordaçadas por algo invisível.

Não sei se eu que me auto-aprisiono, mas sei que me sinto cada vez menos dona do meu destino... a começar pela liberdade de escolher o tamanho da minha prole...

Ana C. disse...

A falta de dinheiro, mais o factor família/filhos para sustentar, condicionam enormemente a liberdade de cada um. Por muito pouco poético que isto soe, é a mais dura realidade.
De resto, sou tua fã. Compraria um jornal só para ler as tuas crónicas.

gralha disse...

Naná, mesmo assim tenho de continuar a acreditar na liberdade em geral, senão isto tudo da vida não faz sentido.

Ana, a sensatez da primeira parte do teu comentário contrasta maravilhosamente com o entusiasmo groupie da segunda parte :)