01 julho 2014

noção do perigo

Desconfio que a minha capacidade de avaliar os riscos sofre da mesma hipermetropia que me afecta a visão: lá ao longe, compreendo-os e tiro-lhes as medidas com seriedade; cá ao perto, são uma mancha disforme que tendo a desvalorizar. Serei imune ao perigo, super-humana, e acharei que as coisas só acontecem aos outros? Não, nem pensar. Será que cresci apaixonada pela postura descontraída do meu pai, que sempre nos lançou para a vida a solo, com um para-quedas diminuto e um canivete suíço (enquanto a minha mãe bufava e ia amparando as quedas)? Provavelmente. O que é certo é que, perante um desafio, a minha postura natural segue o lema de que ter coragem não é não ter medo; é ter medo e fazer na mesma. Tenho medos instintivos e racionais mas, havendo caminho e pernas, avanço. Tenho passado incólume entre os pingos de chuva e isso se calhar não contribui para uma postura mais sensata e mais humilde. Os cuidados que tenho devem-se sobretudo à minha condição de mãe e de filha, não ao respeito intrínseco pela integridade do meu ser (o que está errado, é verdade).
Será que mesmo assim estou a transpor os limites do razoável quando, por exemplo, vou correr sozinha para Monsanto, de madrugada? Onde outros sussurram sobre a escuridão, o isolamento, ou as más intenções dos homens maus que perseguem as meninas indefesas, eu ouço passarinhos, o vento entre a folhagem, o silêncio dos raios de sol a penetrar a copa das árvores no cimo de uma colina. Não é preciso ler muitos policiais para saber que há azares e malfeitores. Mas isso significa que, por ser fêmea franzina, não posso dar-me ao luxo daqueles momentos de êxtase puro? Ou será que, quando deixamos que o medo nos condicione os caminhos estamos a abdicar do que há de mais precioso, a nossa liberdade?

6 comentários:

Amigo Imaginário disse...

Eu cá nunca iria correr sozinha para Monsanto... nem de madrugada, nem a meio da manhã! Mas isso é porque não corro nada de jeito. Tendo pernas e fôlego para fugir se preciso for, aproveita! :)

Unknown disse...

Ando há uns tempos para escrever sobre isto também... O medo é um dos nossos maiores inimigos! O medo aprisiona-nos e tira-nos a liberdade, sim. Força! Correr faz bem, e escutar os passarinhos, melhor ainda! Ab Teresa

gralha disse...

Monsanto é um bicho papão que está no imaginário dos lisboetas, Amigo Imaginário. Na verdade é só um monte com árvores e com bastantes pessoas a fazer desporto, a passear, com infraestruturas cada vez melhores.

Há poucas coisas que me façam tão bem como ouvir os passarinhos, Teresa :)

Naná disse...

Nunca fui temerária, mas também não sou medrosa nenhuma... no entanto, uma certa vez fui fazer um percurso em btt sozinha e a dada altura vi-me num local ermo seguida por dois homens esquisitos... e quem tem cu, tem medo, já dizia o meu pai...

calita disse...

Não, não estás a transpor limites. Estás a confiar e isso é muito mais saudável do que desconfiar.
A tua vida corre perigo? talvez, mas mergulhar numa piscina, atravessar uma rua, conduzir, passear à beira mar, entrar num avião, também nos faz correr risco de vida e depois, deixámos de viver por isso?
Confia. Os acidentes acontecem e muitas vezes não têm nada a ver com imprudência. Quanto te sentires insegura, desiste.

gralha disse...

Naná, em btt é que não me apanhavam. Tenho muito mais medo de arreganhar os dentes num pinheiro do que de homens esquisitos.

A minha única dúvida, calita, é se terei o insegurómetro mal regulado. Mas logo descobrirei, olha.