13 fevereiro 2012

seguro social faz-de-conta-que voluntário

O frio lá de fora vai-se tornando mais apetecedor à medida que as horas avançam e o ambiente, cá dentro, aquece e embacia as minhas lentes de contacto. Já li quase 300 páginas e começa a ser difícil abstrair-me do que me rodeia: a Carolina; a Avó da Carolina, que guincha a chamar a neta de minuto a minuto; a senhora do meu lado esquerdo, com um impossível mau hálito mesmo de boca fechada; o senhor do lado direito, cujo cabelo não vê champô desde o ano passado; a desempregada que chora; o velhote adormecido; muita, muita gente à conversa, ao telemóvel, a ver a Praça da Alegria, a espreitar o meu livro - mais ninguém a ler, como é possível? -, a folhear a Maria, a limpar as unhas. Alguém comenta a "guerra civil lá na Grécia" e sugere que falta o mesmo por cá. Alguém que, como eu, está a passar a manhã numa cadeira de plástico para pedir um papel. Para se encostar mais um pouco a um sistema de protecção social que parece ser direito incontestável de nascença. Vou lá fora comer duas queijadas e beber uma bica queimada. Volto e alegro-me porque já vai na senha 61. Só estive lá 3 horas e resolvi o problema à primeira. A nossa eficiência burocrática aproxima-se incontestavelmente dos níveis da Europa-de-cabelos-louros. Há esperança de continuarmos todos a ter repartições, subsídios, bodes expiatórios durante mais uns bons tempos. Mesmo que tenhamos de ouvir dizer que somos piegas.

2 comentários:

Vera Dias António disse...

Jesus, é do que tenho menos saudades do tempo de gravidez, as idas à seg. social. Só na ultima descobri que se for à hora de almoço já desapareceu tudo, é a unica repartição cá que está aberta à hora de almoço mas toda a gente vai fazer fila às 9 da manhã.
Por outro lado, mesmo no c. de saude, adoro ficar sossegada e perceber as conversas, é tb a única coisa que me faz sorrir ao lembrar as 3 horas de comboio que me levama a Lx e traziam de volta. As conversas, as cestas cheias de flores e couves do quintal para os filhos, os verdadeiros lanches que os velhotes faziam no comboio a meio da viagem. Devia ter escrito um livro nessa altura, juro!

mm disse...

Parabéns! Resolver tudo à primeira e só com 3 horas de espera é celebrar! Não vou contat a minha epopeia, mas tive de lá ir 4 vezes e da primeira tirei a senha às 10h30 e saí às 17h. É de ficar doida com tanto convívio...