24 setembro 2012

o inimigo comum



Tenho levado os últimos dias a matutar nisto das relações e em como parece que a monogamia para a vida parece condenada à extinção. Que irónico que é: nunca os casais tiveram tanta liberdade para escolher estatuto legal, distribuição de papéis, descendência (ou ausência dela), o que fazer ao tempo e aos recursos livres. Nos nossos tempos, podemos escolher estar com qualquer ser humano – desde que não tenha laços sanguíneos de primeiro grau nem seja já casado com outra pessoa (e conto os anos até esta regra também ser repensada); e, no entanto, nunca como agora as relações não duram.
Fala-se no egoísmo mas acho que isso é uma desculpa. Sempre fomos egoístas, antes tínhamos era mais medo das consequências do nosso egoísmo. O que acho que nos falta agora, como casais, é um inimigo comum contra o qual lutar. Antes lutávamos contra os pais que se opunham a uma união socialmente desequilibrada. Contra uma sociedade que não aceitava casais do mesmo sexo. Contra um futuro desconhecido que não nos prometida uma velhice com os pés aquecidos por uma pensão de reforma. Era o mundo contra o valente casal, enfrentando ventos e tempestades para sustentar a sua família. Havia sempre terceiros a quem apontar o dedo. Agora somos forçados a olhar para nós próprios e a reconhecer as nossas fraquezas e limitações, que o nosso parceiro não se inibe de nos apontar, cobrando-nos as faltas sob a forma de uma tampa de sanita levantada ou de um rabo descaído. Somos casal apenas enquanto não somos um contra o outro.
A minha esperança está na crise. Podia ser brincadeira, mas não é. Se é verdade que muitos se separam porque não aguentam a pressão da dificuldade, quero acreditar que haverá aqueles que vêem aqui o novo inimigo comum. O Inverno pode ser frio e as jantaradas uma miragem distante; mas é bom adormecer abraçados a um corpo que conhecemos de memória, partilhando a última tablete de chocolate de avelãs que havia na despensa.

26 comentários:

Naná disse...

Acho que nem assim vai lá...

Sinceramente, acho que a monogamia está moribunda não por que sejamos forçados a olhar para a nossa fraqueza ou para as nossas falhas. Acho sim que existe é uma importância dada às vontades do próprio ego, que assim que chocam com a redoma no altar do ego alheio, levam a um nível de tolerância muito baixo.

Carla R. disse...

Sempre foste uma romântica.
A eternidade de um amor, deve durar apenas e só até acabar, não acredito que quando se apercebe que o amor já não mora ali, valha a pena continuar.
Estou a viver esta teoria na prática, acordei com o meu namorado um contrato hedonista, enquanto formos felizes ou quisermos fazer o outro feliz vai durar, depois... ora, depois é aquela conversa floreada que nos explica que é bom viver uma relação assim-assim.
Assim assim ?
Comigo não violão !

Ana C. disse...

Também tenho pensado muito neste tema e cheguei à conclusão que as pessoas esperam demasiado do amor. Esperam tanto, mas tanto, que ele (o amor) nunca corresponderá às expectativas formadas. Haverá alturas em que esse amor será chato, outras em que parecerá moribundo, mas tudo isso é natural, faz parte da vida a dois trabalhar e ultrapassar as dificuldades.
A facilidade do amor é uma utopia.

gralha disse...

Aqui fica o meu manifesto contra o egoísmo, o assim-assimismo e as expectativas irrealistas. Mas, caramba, todas as relações têm alturas tramadas. Todas as pessoas são imperfeitas. Isso significa que tudo é temporário?

Ana. disse...

Sempre achei que as relações em que há amor verdadeiro saem fortalecidas das dificuldades. Ou por outra, que as dificuldades ajudam a fortalecer um amor, quando ambos remam para o mesmo lado.
Acredito no amor, acredito na felicidade, mas não acho que seja um dado adquirido na vida de ninguém; é preciso lutar sim, mesmo quando a luta é interna. É preciso saber que o outro vale a pena, é preciso investir. Não sei se é o amor que está em crise, mas parece-me que hoje em dia, as pessoas abandonam qualquer projecto de vida ao menor contratempo, à menor dificuldade que se atravessa nos seus caminhos. E essa, para mim, é a verdadeira crise com que nos deparamos - a crise de valores. Esta é que não sei se é ultrapassável.

Ana. disse...

A imperfeição é o conceito mais certeiro do mundo! Custou-me muito a aceitar a minha própria imperfeição (e a das minhas pessoas também), mas acho que é daquelas coisas que nos ajuda a crescer. A perdurar enquanto pessoas.
Perfect is boring!

Ana C. disse...

Eu estou com a Ana. Hoje em dia, tudo tem que ser imediato, instantâneo, fácil, inebriante a todos os segundos. É como a internet.

gralha disse...

Advogando pelo diabo: mas como é que sabemos que ainda vale a pena? Que não somos nós simplesmente casmurras em salvar o que nem sempre tem salvação?

Naná disse...

A Ana disse tudo: hoje em dia as pessoas abandonam um projecto de vida ao menor contratempo!

Gralha, faço essa pergunta a mim mesma frequentemente.
Como é que sei que continua a valer a pena? Quando obtenho como resposta a esta pergunta: que continuo a gostar dele mesmo que ele esteja cada vez mais casmurro, intransigente e pessimista na vida!
E porque percebo que não me sinto capaz de gostar de mais ninguém assim com a mesma vontade e com a mesma calma. Quando sequer a imagem de me envolver com mais alguém me provoca alguma repulsa.

disse...

Gralha concordo e diria exactamente o mesmo que a Ana (1:49).
E só o teu coração pode saber se ainda vale a pena.
Para mim continua a fazer sentido e com altos e obviamente com baixos, também, amanhã faço anos de casada. uma catrefada deles! mas continua a ser tão bom :)

Ana C. disse...

you just know it :)

gralha disse...

Olha, afinal ainda há românticas incuráveis :)

...E como eu gostava de habitar o maravilhoso mundo de serenidade e certeza de Ana Cê ;)

Ana C. disse...

Então, just do it. Acho que vivo no mundo dos anúncios da Nike :)

Ana. disse...

gralha, continuando na onda de romântica incurável: não sabemos se vale a pena, mas sentimos. Estas coisas sentem-se. Sabes aquela cena de no instante em que mandamos a moeda ao ar sabemos de que lado queremos que ela caia? É isso. Mesmo quando achamos ter dúvidas, no fundo sabemos se vale a pena ou não.

Anónimo disse...

Nota prévia: este é o 3.º comentário que escrevo porque este tema me arrepia as emoções.
Vi há tempos uma entrevista a um casal com 60 anos de vida em comum. A senhora disse que "o segredo" era virem de uma geração em que, quando as coisas se partem são concertadas, não se vai logo a correr comprar uma nova.
De maneira que é isto.
- A Ana C. tem razão: as pessoas esperam muito do amor - quando devia ser ao contrário.

gralha disse...

Minha querida Vera, sabes qual é o meu receio? É que o mundo se divida entre os que fazem de tudo descartável e os que tentam remendar tudo a todo o custo. Mas já houve aqui muitas românticas e menos românticas a dar pistas importantes acerca do "lá no fundo, as pessoas sabem se ainda vale a pena". Obrigada, pessoas!

Melissa disse...

Pois eu venho aqui dizer que gosto de viver numa era em que podemos procurar mais e melhor e para nós. Nunca entendi muito bem isso de que as coisas têm de ser eternas para serem validadas. Acho que tudo dura o tempo que tem de durar, e quando acaba, não temos de nos sentir um falhanço. O amor a dois tem de ser bom, e não eterno.

(Também não sou muito da cena de "amor verdadeiro", acho que todo amor é verdadeiro até deixar de existir, e continua a ser verdadeiro no passado, porque não?)

Toda fratura dói, toda fratura é uma nova oportunidade de se ser feliz quando a dor passa. Para todo mundo.

A parte em que concordo com a malta: acho que todos nós sabemos quando parar de tentar e quando continuar. Nisso, concordo com a galerinha do Amor Romântico.

Melissa disse...

PS - e o amor ser bom não é a mesma coisa de não se ter problemas. Problemas são coisas que se ultrapassam. Quando não se ultrapassam, talvez o amor tenha deixado de ser bom.

Anónimo disse...

Ó melissa, mas pode ser bom e eterno, não pode!!!
O problema é partir-se logo do pressuposto de que não tem que ser eterno... Conheço uma pessoa que quando começou a compor a casa com o namorado fizeram uma lista com o que cada um comprou, no caso de se divorciarem cada um sabia o que era seu... adivinha o que aconteceu?
Como dizem várias pessoas de idade avançada que conheço: a culpa disto é do 25 de abril, passou-se de um regime do "não se pode"(nomeadamente divorciar, que parece mal) para uma "liberdade" que não se sabe como é, como gerir, como sentir(?!)... Isto é meio a brincar mas a ideia a reter é a gestão das emoções e a leviandade associada à liberdade, não é a mesma coisa...
Mais, claro que podemos procurar mais e melhor mas antes de assumir um compromisso e fazer 4 filhos, mesmo que seja apenas 1, vá. Há um projecto que se está a construir em comum e agora não é bem isto que me apetece, que seca, contas, filhos, responsabilidade, agora vou ali meter-me com outra gaja porque mereço mais e melhor. Não é bem assim! Já não é só egoísmo, é uma tremenda falta de carácter e irresponsabilidade! Eu vivo numa terra pequena e a percentagem de gente sem carácter é demasiado visível... é com cada um/uma...

disse...

Melissa por acaso até não concordo e com isto não quero dizer que seja uma romântica desmedida :)
Mas nada nesta vida é eterno. certo. Nada a não ser o amor. porque e num caso extremo a pessoa pode até já ter partido e continuar o outro a sentir o mesmo amor, porque o amor não são palavras, o amor é sentir!
Se existe amor e for mutuo é muito mais fácil conseguir ultrapassar problemas. quando não existe amor é também mais fácil "desprender" e seguir em frente. Não?

calita disse...

Eu queria dizer alguma coisa muito inteligente e romântica, mas a única coisa que me ocorre é aquele verso do Eugénio de Andrade: "O amor/ é uma ave a tremer/ nas mãos de uma criança./ Serve-se de palavras/ por ignorar/ que as manhãs mais limpas/ não têm voz".
Pronto.

calita disse...

P.S e a ave pode ser uma gralha ;)

gralha disse...

Ó Calita, obrigada! Obrigada por me trazeres um bocadinho de Eugénio de Andrade pela manhã :)

Melissa disse...

Que seja eterno enquanto dure! - Vinícius de Moraes.

inesn disse...

Tinha muito a dizer sobre este assunto (o da crise e das relações) mas ando tão negativa que prefiro ficar calada..

(digo só que têm sido os abraços do meu marido quando chega a casa ao final do dia que me dão alento para continuar...sem isso acho que já tinha pifado)

Su disse...

Que texto tão giro! és bem capaz de ter razão. E a frase final é magnífica.